Invocação mal sucedida

Sempre quisera aquilo, pelo menos era o que achava. Rafael era um pós-adolescente aficionado por ciências ocultas, gostava de ler sobre o tema, pôsteres espalhados pelo seu quarto atestam esse estranho interesse. Costumava estudar muito sobre ocultismo, pactos de sangue, demônios, invocações. Participava de fóruns de debate na internet e nas últimas semanas estava invadindo o cemitério da cidade à noite para realizar estranhos rituais com velas negras e sacrifícios de animais oferecidos a entidades malévolas. Geralmente voltava frustrado para casa, pois nada conseguia atrair, até aquela noite.

Seguiu o manual que tinha baixado na internet: desenhou uma estrela de cinco pontas, um pentagrama, com um pincel de cor negra, ascendeu uma vela negra em cada ponta, e no meio do pentagrama, desenhado sobre a lápide de uma sepultura branca, cortou a garganta de um coelho branco com uma pequena faca afiada. Enquanto o animal se esvaia em sangue ele recitou preces em um idioma desconhecido exigindo a presença do sobrenatural.

- Estou aqui! – ouviu alguém dizer atrás de si.

Era meia-noite em ponto. Sentiu um arrepio lhe correr pela coluna, subindo-lhe pelas costas, a barriga esfriou e teve ânsia de vômito. De joelhos, sobre a sepultura, virou-se lentamente. Não acreditou na figura que o espreitava. Possuía longos cabelos negros, lisos e secos, a face era uma caveira semidecomposta, com grandes olhos esbugalhados sem pálpebras e pele seca agarrada ao crânio. Vestia uma longa bata negra que chegava ao chão.

- Nããããooooooo! – o grito de Rafael ecoou por toda a redondeza, de tão alto poderia ter acordado os mortos, mas conseguiu despertar apenas o coveiro que morava na pequena casinha do cemitério.

- Você me chamou, e agora estou aqui. Preciso saber o que quer – disse a medonha criatura das trevas.

Jogando-se por cima das velas, queimando-se com a cera e as pequenas chamas, apagando involuntariamente o pentagrama, sujando-se com o sangue do coelho, Rafael desejou que a criatura se fosse.

- Vááááá embora! Seu demônio! Eu clamo por Jesus! – disse o nome que havia há muito esquecido. Rafael costumava fazer troça do cristianismo, mas dessa vez se lembrou da existência de um Deus que sua mãe adorava.

Sem esperar mais nada se virou, escorregando no sangue do sacrifício, correu como se estivesse sendo perseguido por mil demônios, bem, era apenas um. Por sorte correu na direção do portão, momento em que o coveiro vinha com uma lanterna na mão direita perguntando:

- Que diabos está acontecendo aqui, quem é você?

Sem ter a mínima pretensão de parar para explicar que tinha conseguido invocar um demônio, mas estava extremamente arrependido disso, Rafael se desviou para a parede, não era muito alta, pulou, jogou as duas mãos no topo, e após rapidamente escalá-la já estava do outro lado. Continuou a correr, tentando fugir da invocação, no entanto, para onde olhava via a horrível criatura, em cada casa, calçada, esquina, a espreitar lhe, acompanhando-o. Sentia que ia enlouquecer.

Chegou em casa aos gritos. A família inteira acordou. Os pais e as duas irmãs viram o desespero de Rafael que caiu no chão. Foram em seu socorro, ele não parava de apontar para os cantos dizendo que havia um demônio que ninguém via. As mulheres choravam, todos o julgavam louco. Foi levado ao médico, aos murros, pontapés e desespero, gritando arrependimento. Quando estava sob o efeito da medicação permanecia estável, mas passado o efeito, voltava aos gritos, até que os pais decidiram interná-lo.

Deitado na cama Rafael permanecia em um estado semiconsciente. Enxergava duas figuras de jaleco branco conversando.

- Que pena, um rapaz muito novo, sem histórico de doenças mentais na família, agora está nesse estado – disse um dos médicos.

- Alguma melhora nesta semana? – perguntou o outro.

- Nenhuma – respondeu – e acho que permanecerá assim por mais tempo e consequentemente internado. Continuaremos administrando a medicação. Vamos ver os outros pacientes.

Enquanto saiam e fechavam a porta do pequeno quarto onde Rafael se encontrava, deitado e atado à cama por largos cinturões de couro, o demônio saiu das sombras e caminhou lentamente até o leito, parando ao lado do paciente, encarando-o com os olhos esbugalhados, sem pálpebras, aproximando a face medonha. Rafael retribuía o olhar, tremulo. A porta se fechou por completo. Os dois ficaram a sós nas sombras do pequeno quarto.

- Estarei sempre com você Rafael. Sempre!

FIM.