Olhar amaldiçoado

O jovem começava a morrer, contorcia-se no chão, sem, contudo, conseguir desviar os olhos do rapaz que tinha à sua frente. O outrora pacato Jackson, sempre tímido e aparentemente medroso mostrava uma face que lembrava ferro, impiedosa. Fábio sentia uma extrema agonia, como se os seus órgãos internos estivessem sendo triturados, a dor era atroz, mas não conseguia gritar. Sangue começava a correr dos seus olhos, como se chorasse lágrimas vermelhas. Não entendia porque não conseguia desviar o olhar do rapaz à sua frente, que permanecia inerte, de braços estirados punhos fechados. As sobranceiras estavam arqueadas e os olhos pareciam emanar uma força maligna, que estava extirpando a vida de seu corpo. Por ser tarde da noite ninguém passava, a rua estava deserta, e para selar a sua sorte, estavam em um beco.

Jackson o olhava, estava resoluto em tirar a vida do rapaz que havia seduzido a sua irmã e forçado a ir para a cama, mesmo quando ela resistiu, deixando marcas físicas que sumiriam, mas um trauma psicológico que jamais seria apagado. Ainda havia espalhado por toda a universidade comentários maldosos sobre a jovem cujo único pecado era achar que ele a amava. Quando soube disso Jackson se decidira a fazer algo a respeito.

Sempre fora um bom jovem, religioso, filho querido dos pais, mas naquele momento rasgou seus princípios morais e se decidiu a fazer justiça com as próprias mãos, ou melhor, com os olhos. Quando adolescente, em um momento de frustração, percebeu que um cachorro morreu ao olhá-lo por muito tempo. Não achou que tivesse algo a ver com o ocorrido, até que viu aves caírem de galhos diante de seus olhos, e mais animais morrerem com o seu olhar.

Durante um sonho, viu um homem muito velho, vestido esfarrapadamente, como um mendigo. Ele estava sentado em um canto sombrio, Jackson se aproximou. O velho percebeu a sua chegada, ergueu a cabeça para um ponto mais claro e olhou em sua direção. Seus olhos eram totalmente brancos, mas apontou para o jovem com um dedo retorcido, medonho, e disse:

- Seus olhos podem matar, até humanos. É a sua maldição, o seu dom – voltou a se recolher ao escuro.

Jackson acordou desesperado. “Era mentira, tinha de ser mentira, foi somente um pesadelo”, falava baixinho. “Por que eu?”, chorou. Caiu de joelhos rezando todas as preces que sabia, querendo livrar-se daquilo que considerou uma maldição. Rezou por muito tempo. Aquele poder era de fato uma maldição, pensou isso até vê o estado da sua irmã mais nova, violada, agredida por alguém que tanto considerava, por alguém que ele julgava ser um amigo, mas que se revelou um psicopata. Fábio devia ser punido.

A família inexplicavelmente não quis registrar queixa na delegacia, pensando em poupar a garota de mais sofrimento. Em princípio Jackson achou um absurdo, mas em seguida veio-lhe a certeza de ferro, inquebrável, de que a justiça ficaria por sua conta. O plano que concebeu era simples, abordaria Fábio na saída da faculdade à noite e ficaria a sós com ele em um local isolado, argumentando que desejava conversar. Uma vez sobre o poder do seu olhar não poderia mais se livrar e encontraria a morte, como acontecera com outros seres vivos.

Naquela noite Fábio saiu da faculdade, sozinho, e tudo ocorreu como o planejado, Jackson o abordou, começaram a conversar enquanto andavam e disse-lhe que estava tudo perdoado, não haveria ressentimentos. Fábio mostrou uma falsa felicidade, pouco lhe importava o perdão. Quando se aproximavam de um beco, Jackson pôs a mão esquerda no ombro direito de Fábio e o olhou nos olhos. O outro começou a sentir um mal súbito lhe corroer todo o organismo.

- Não me sinto bem. O que está acontecendo comigo? – perguntou enquanto dava passadas cambaleantes para trás, em direção ao beco, onde caiu.

Até aquele momento Jackson achava que jamais mataria alguém, mas era o que fazia agora, e não sentia nada, lhe parecia como se estivesse tirando a vida de mais um cachorro. Não imaginava que pudesse ser tão cruel, os ideais cristãos que sempre cultivou de repente não tinham mais importância, tinham lhe dado aquele....dom, não sabia quem, mas tinha certeza de que deveria usá-lo, para o bem ou para o mal, isso era o de menos.

- Eu o estou matando com meus olhos, você não se aproveitará de outra garota, morrerá aqui – respondeu Jackson. Pensou por um momento se aquilo seria mesmo justiça ou vingança, mas que importava a denominação, desde que fosse feito.

Fábio se contorcia. Não acreditava no que tinha ouvido, o amigo iria matá-lo sem tocar nele. Além dos olhos o sangue escorria pelo nariz, ouvidos e boca, sob a pele grandes manchas vermelhas se formavam. Sofria uma imensa hemorragia interna espalhada por todo o corpo.

- Ahhhhh – gemeu pela última vez. Ergueu as mãos em agonia e morreu.

Jackson não sentiu nada demais ante o cadáver à sua frente. Apenas o contemplou por alguns segundos. “Ele teve o que mereceu, será que eu farei isso de novo com outra pessoa? Quem sabe, talvez faça, existem mais algumas pessoas que mereceriam”, pensou consigo mesmo. Olhou para a rua, não havia ninguém, deu uma última olhada para corpo banhando no próprio sangue, a face estampava o desespero em que morreu, olhos esbugalhados e a boca aberta. Saiu dali caminhando, friamente. Iria para casa, sentia-se muito cansado. No dia seguinte achariam o que sobrou do violador.

Fim.