Amor depois da morte
Morri há dois anos, e desde então perambulo pelo cemitério onde fui enterrada. Minha morte se deu por doença. Um câncer corroeu meus órgãos por dentro.Muitos dos que foram enterrados na mesma data que eu partiram,foram descobrir os mistérios do outro lado.Alguns voltaram para seus antigos lares e vagam por lá como se ainda fizessem parte da vida de seus entes queridos.Fui criada em um orfanato,nunca soube quem foram meus pais e por não gostar do ambiente que antes eu chamava de casa,prefiro ficar por aqui.Tenho uma amiga que faleceu um ano antes de mim,o nome dela é Cândida.É um fantasma bonito.Magra,de cabelos louros cacheados e grandes olhos azuis, desperta sempre o interesse dos rapazes falecidos.Quanto a mim sempre fui gordinha e apesar de ter um rosto bonito e longos cabelos negros,sou ignorada pelo público masculino. Nunca tive sorte com o sexo oposto. Quando ainda era viva, tive algumas paqueras, mas sempre fui trocada por alguém mais esbelto. Não tenho inveja de Cândida, sinto orgulho por ter como amiga, moça tão bonita. Aqui no cemitério nos divertimos bastante, é cada figura que aparece! Acredita que um rapaz pediu a minha ajuda e a de Cândida para abrir o cofre de sua antiga moradia e roubar os dólares guardados? Falou que foi chifrado pela esposa e que não queria que ela herdasse o dinheiro, preferia que sua pequena fortuna ficasse com ele. Demos boas gargalhadas. O pobre além de corno era burro! Após morrermos, os bens materiais não nos servem de nada. Uma moça também pediu nossa ajuda para descobrir se o noivo já estava envolvido com outra mulher. A falecida era muito ciumenta e não aceitava a ideia de outra ocupar seu lugar. Tentamos fazê-la compreender que as pessoas que deixamos tem todo o direito de reconstruir suas vidas. Que o melhor é não procura-las, pois assim o sofrimento passa logo. A morta encrenqueira não nos deu ouvido e até hoje continua infernizando o moço e sua namorada atual.
Cândida arrumou um namorado, um jovem falecido muito bonito, Passava quase todo o tempo de mãozinha dada com o cara e já não me acompanhava para assistir aos enterros, por isso não estava presente quando descobri o amor. Eu que sempre quis me apaixonar, fui conhecer esse sentimento depois de morta. Estava vagando pelo campo santo, quando vi chegando um cortejo fúnebre. Sem ter oque fazer resolvi assistir ao funeral. A falecida era uma jovem mulher e a julgar pela quantidade de pessoas que acompanhavam seu sepultamento, era muito querida. No meio da multidão estava um rapaz moreno muito bonito que chorava em desespero. Curiosa me aproximei um pouco mais e um sentimento até então desconhecido inundou meu peito.Era como se eu já o conhecesse. Um calor delicioso me tomou e uma vontade de acaricia-lo e beijá-lo me envolveu. Era a primeira vez eu estava amando. Sabia que os vivos não podiam me ver, mas por ali haviam muitos desencarnados e temendo ser motivo de chacota me afastei e fiquei admirando o meu amor á distância. Quando acabou o enterro e as pessoas começaram a deixar o local, aproximei de novo do moço moreno e fiz oque raramente fazia, eu o segui até a sua casa. Lá descobri que a jovem falecida era sua esposa, que morrera vítima de um acidente automobilístico. Durante dias eu estive ao lado de Paulo, solidarizando com seu sofrimento. O amor às vezes nos torna egoísta e comecei a sentir ciúme do amor que ele nutria pela mulher. Dormia abraçada a fotografia dela, ouvia músicas românticas e chorava por ela, cheirava suas roupas e sempre que alguém vinha visita-lo o assunto girava em torno dela. Para Paulo a falecida foi perfeita e ele ainda dizia que nunca houve e nem haveria mulher melhor do que ela. Um ódio incomum me dominou, comecei a destruir os pertences da minha rival e não satisfeita derrubava objetos quando ele começava a gabar as qualidades da morta. Enquanto crescia meu despeito, meu amor também aumentava. Deitava ao lado de Paulo e ficava horas o observando dormir. Por duas vezes eu o havia tocado, mas a repulsa dele pelo meu toque foi instantânea. Agora eu me contentava em segui-lo por toda parte e aspirar seu perfume. Algumas mulheres apareciam em sua casa e tentavam seduzi-lo, mas desistiam ao verem a frieza com que eram recebidas. As mais resistentes que se faziam de desentendidas eu afastava, pregando pequenos sustos. As oferecidas acreditavam que quem estava a lhes puxar o cabelo e a beliscar seus braços era o fantasma da falecida que continuava vivendo na casa e vigiando o seu homem.
Um mês após o sepultamento, Paulo voltou ao cemitério, fui com ele. Minha amiga Cândida quis saber a razão do meu sumiço e ficou deliciada quando contei do meu amor e por onde havia andado. Estávamos as duas admirando a beleza máscula de Paulo, quando o fantasma da sua esposa apareceu. Veio para cima de nós zangada, avisando que aquele homem lhe pertencia e que não iria admitir nenhuma gracinha com ele. Tomada de ciúme eu falei que agora que ela estava morta, não tinha nenhum direito sobre ele e que eu o amava. Não estava preparada para o seu ataque por isso recebi um forte soco na cabeça e fui cair em uma cova recém-aberta. Cândida era boa de briga e espancou sem piedade a fulana, que covarde sumiu no ar e nunca mais apareceu no cemitério. Paulo sem saber oque se passava ao seu redor, chorava ajoelhado enfrente ao túmulo da mulher e repetia sem parar o quanto a amava. Abraçada á Cândida eu também chorava de ciúme e foi ela quem me fez enxergar o quanto o meu amor era impossível. Paulo era o tipo de homem que ama só uma vez na vida e mesmo depois de morto, continua fiel á eleita do seu coração. Ainda hoje continuo assistindo aos enterros na esperança de me apaixonar de novo e desta vez por alguém que tenha cruzado a tênue linha da vida e que esteja disposto a ser feliz no amor, mesmo depois da morte. 06/05/12