O boneco de Vodu
Um dia de verão em passeio
Cheguei a um espetáculo mágico
De alegria o espírito cheio
Transformou-se em algo trágico
Acreditei que a vida inteira,
Que magia negra era crendice
Tornar-se-ia tanta besteira
Envolta em mistério e tolice
E aquele boneco de simples pano,
Com alfinetes tão agudos espetados,
Era o vodu do velho negro africano
Pelos séculos foram tão respeitados
Quando o teatro e a encenação
Comecei a ri daquilo tudo
Foi quando a platéia na excitação
Zombou do velho mudo
A esposa interveio e solicitou
Que a descrença era só a cova
Para tanto me recomendou
Que eu fosse à cobaia da prova
Ergui-me de onde estava sentado
E fui direto para o palco vazio,
Aproximando-me do negro trajado
Senti subir-me um leve calafrio
Com a benção ou outra mandinga
O velho senhor começou o ritual
Tinha na mão um charuto e pinga
Para a sua pureza espiritual
Com cânticos de loucos dialetos,
Em transe eu sequer sentia,
Os pelos do corpo assim eretos
Na ignorância nada presumia
Que alma seria aprisionada
Em um boneco em traços humanos
Para sempre a vida sepultada
Dentro de peças e trapos de panos
Senti um sono pesar-me tanto,
Que procurei dormir rapidamente
Procurei um espaço ou canto
Para me refazer assim lentamente
Quando acordei os olhos miúdos
Avistaram uma prateleira
Meus ouvidos tampados e surdos
Estavam presos a cabeceira
Vi em minha frente meu corpo,
Que parecia senão desmaiado,
Poderia estar vivo e assim morto
Com meu olhar tão espantado?
Já ao peito a angustia não cabe
Quando essa imagem me sobreveio
Quem nunca morreu jamais sabe
A dor maldita do tenebroso receio
Sou um corpo sem vida e alma,
E agora estou aprisionado,
Perdi a esperança em toda calma
Em boneco fui transformado
E aquele velho se aproximou
Rindo como se tudo fosse uma piada
A mim uma praga então rogou
Dando-me de presente a filha amada