Acordo sombrio
Ódio. Talvez essa fosse a sensação que corroía a sua alma, ali sentado no chão, costas apoiadas na cama de solteiro, tinha certeza que era isso mesmo. Magno rememorava os fatos. Por longo tempo acalentou um sentimento escondido pela bela Daisy, até que nessa noite a viu beijando o rapaz mais famoso da universidade. Saiu da festa sem falar com ninguém, chegou em casa, trancou-se no quarto e lá permanecia, no escuro, odiando o mundo. Os mais tenebrosos e demoníacos pensamentos corriam-lhe pela mente como sussurros incentivando ações más. Tinha ideias horríveis do que seria capaz de fazer se os visse de novo. Precisava retalhar. Seu coração batia descompassadamente, suava, os olhos estavam fundos. Há duas horas permanecia nas sombras, o único alento era não ver nada, nem ninguém.
- Levante-se!
A voz saiu do nada, sentiu todos os pelos do corpo se arrepiarem. Pavor. Pulou para longe de onde vinha o som. Caiu no chão. A luz se acendeu. Parado, em pé, cruzando os braços, junto à porta, encontrava-se um homem, vestido de terno negro, camisa e gravata negras. Era alto, tinha pele branca e cabelos muito pretos, levemente ondulados e penteados para a direita.
O grito veio à garganta de Magno, mas não saiu. Ficou afônico. Olhava fixamente para o homem que o observava implacavelmente, com uma expressão que lembrava ferro. Ainda de braços cruzados, ar de superioridade e arrogância. Uma pergunta veio à cabeça do garoto.
- Quem é você? – dessa vez a voz saiu.
- Um espírito mau e é tudo o que precisa saber – respondeu o outro.
- O que faz aqui?
- Estou atendendo a sua invocação.
- Não invoquei nada nem ninguém! Por onde entrou?
- Olhe – respondeu o estranho – senti todo o ódio emanando do seu coração. Erguia-se como uma lavareda de fogo negro. Ódio puro. Com tanta demonstração de maldade, achei que devia atender seu pedido, e estou aqui para ajudá-lo a vingar-se da Daisy. Não foi justo o que ela fez com você! Não é justo que nenhuma menina note como você é especial. Algo precisa ser feito, e eu posso ajudar.
Nesse momento os olhos do homem de terno brilharam vermelho fogo, como se chamas fossem brotar deles e consumir Magno que se encontrava prostrado no chão. Ainda junto à cama. Magno nunca foi religioso, não acreditava em Deus, nem tão pouco em espíritos maus, mas se este estava ali a lhe oferecer ajuda, o que podia fazer era aceitar, e dá vazão ao seu ódio.
- Como pretende me ajudar? – perguntou ao homem.
- Você a detesta, então...mate-a. Ofereça o sangue a mim em um ritual que vou lhe explicar detalhadamente depois. Após isso será melhor visto pelas mais belas meninas. Garanto. Unirá o útil ao agradável. Quero o sangue dela.
- Como farei isso? – perguntou o garoto.
- Amanhã a noite não vá a faculdade. Você conhece o trajeto que ela faz. Aguarde-a. Domine-a e corte-lhe a garganta com esta faca que lhe entrego agora – uma faca de 25 centímetros brotou da mão direita do estranho. Possuía um cabo negro, com encaixe para os dedos - Ofereça-me o sangue dela. Tudo estará terminado e muito bem para nós. Nós sairemos ganhando.
- Não tenho coragem para tanto. Ela pode estar acompanhada do namorado que é fisicamente mais forte do que eu deve haver mais pessoas, ela anda com amigos, e me pede para cometer um crime.
- O homem caminhou na direção de Magno, abaixou-se, ajudou-o a se erguer. Pôs a mão em seu peito esquerdo. Pois vamos lhe incutir destemor e força. Você quer? Temos um acordo?
- Ssssimmm – gaguejou.
Magno sentiu como se o seu coração batesse 200 vezes por minuto, parecia que ia explodir, somado a uma forte onda de calor interno. Por um segundo as veias e artérias que levam ao cérebro incharam e pareceram brilhar. A péssima sensação rapidamente cessou.
- Acho que agora tem a força e a agilidade necessárias, além da coragem. Fará o que eu pedi? – perguntou o homem.
- Sim! – Magno respondeu. Uma expressão malévola dominava-lhe o rosto.
- ótimo.
Ao dizer isso as luzes do quarto se apagaram e voltaram a se acender em seguida. O homem não estava mais lá. Naquela noite Magno não dormiu. Ficou deitado. Também não foi ao estágio e disse à mãe que estava doente. A noite chegou. Às 21h30min saiu de casa. Caminhou rapidamente para uma rua periférica por onde sabia que Daisy passaria na volta para casa. Apesar de ser relativamente cedo, não havia nenhum transeunte. Olhou no relógio, 22h00. Esperou pouco. Avistou-a vindo a pé, sozinha. “Que sorte!”, pensou. Sorte? Aguardava em um beco se saída, em uma área central da rua deserta. Parcialmente nas sombras. Ela vinha ao longe. Ia abordá-la, golpeá-la e arrastar-lhe para o beco onde concretizaria o crime.
Deu um passo à frente e de repente pensou: “O que estou fazendo? Vou mesmo tirar a vida de uma pessoa apenas porque não gosta de mim? Onde estou com a cabeça? Esse não sou eu. Não, não farei isso!”. Recuou.
- Por que não vai até ela?
Escutou a voz atrás de si. Virou-se, puxou a estranha faca da cintura. Sentia medo, mas também resolução. Não tiraria uma vida.
- Não vou mais fazê-lo. Não matarei ninguém! – devolveu.
- Covarde! – exclamou o homem no momento em que sua mão direita voou até o pescoço do jovem, possuía uma força monstruosa.
De posse da faca Magno tentou enfiá-la no braço do agressor, mas esta quebrou. Sentiu o punho esmagando sua traqueia, o ar lhe faltava. Os dedos se apertavam, parecia o seu fim. Levou instintivamente as duas mãos ao braço do homem de terno na tentativa de afastá-lo. Foi inútil. Nunca acreditara em deus algum, nem no sobrenatural, até a visita daquele ser. Nunca rezou, nem orou. Não frequentava igrejas, nem católicas ou evangélicas, nem de religião alguma. Mas no momento em que a vida deixava-lhe o corpo, lembrou-se de uma história bíblica que sua mãe contava. Um homem muito forte cujo nome não gravara suplicou forças a Deus nos últimos minutos de vida e com isso conseguiu destruir um templo e matar todos os inimigos.
Ao pensar nisso, já não conseguia mais falar, mas na sua mente suplicou: “Se há algum Deus, peço perdão pelos meus atos, e forças para não morrer aqui, e assim”.
O espírito mau sentiu a mão e o punho arderem. Fumaça emergiu como se algo o queimasse. Fez uma careta, não conseguindo resistir, soltou o jovem.
- Maldito! – exclamou.
Magno caíra no chão, quase morto, respirando com dificuldade.
- Vocês humanos são todos iguais. Nos seus últimos momentos clamam por forças maiores. Muito bem, livrou-se dessa, mas saiba que sempre estarei à espreita.
Ao dizer isso o homem recuou um passo e sumiu nas sombras. Jeferson continuava jogado ao chão. Tentando reunir forças.
- Obrigado! – sussurrou. Não sabia bem quem o tinha ajudado, e, portanto, a quem agradecer.
Daisy nada viu. Tinha passado distraidamente pela rua em direção a sua casa. As horas se adiantaram e o dia chegou, majestoso como sempre. Já em casa, Magno acordou na hora certa e saiu para o trabalho. Caminhava de cabeça baixa, rememorando tudo, o pescoço ainda doía.
- Oi Magno! Bom dia para você.
Ergueu a cabeça e viu Daisy passando ao seu lado na rua, indo na direção oposta.
- Para você também – respondeu. Ela não sabia que quase havia perdido a vida, e jamais saberia. Olhou para cima enquanto andava, o sol brilhava forte. – Eu pude escolher, e escolhi o certo – sussurrou. Um sorriso veio-lhe ao rosto. O dia seria longo.
FIM.