Misterioso Cão
Cristianildo era um sujeito sempre pra baixo. Diziam, no trabalho, que o problema dele era falta de mulher. Devia ser mesmo.
Ele estava tomando banho no seu micro-apartamento, quando a campainha toca. Cristianildo - que abreviaremos para "Nildo" - está cansado e não atende a porta. Continua seu banho; e assim evita todo o desenrolar da história.
Ok, brincadeira. Na verdade colocou um roupão e olhou pelo olho mágico, quando viu um cão São Bernardo sentado em frente à sua porta, como se estivesse o encarando. Nildo abre apenas uma fresta e fita o cachorrão, que está com a língua pra fora, ofegante com aquela cara que só os cachorros sabem fazer. Os dois se encaram por alguns segundos, ao que Nildo fecha a porta e liga pro porteiro:
- Portaria, boa noite!
- Oi, é o Cristianildo do 121...
- Quem?
- Cristianildo...
- Ah! Do 121, sei.
- Escute, tem um são bernardo parado na frente da minha porta. Como foi que ele entrou aqui?
- Um o que?
- São bernardo, o beethoven do filme...
- Ah, um beethoven?
- ........
- Que que tem ele?
- Não sei, está aqui parado, me olhando - Nildo vê pelo olho mágico que o cão ainda está ali sentado.
- E o senhor quer que eu faça o que? - Diz o porteiro, enquanto come um pão de queijo.
Nildo não suporta esse porteiro ignorante. Preferia muito mais o Seu Joaquim, senhorzinho gordinho de bigode, sempre disposto a ajudar. Ele disse que ia se mudar pro interior, pois haviam nascido seus netos, e nunca mais se ouviu falar.
- Tudo bem, não faça nada. Obrigado. - Diz Nildo, batendo o interfone.
O enorme são bernardo encara a porta, como se estivesse esperando pra entrar. Nildo percebe que ele tem um colar no pescoço - um colar mesmo, não uma coleira - com uma plaquinha de metal escrita alguma coisa que não dá pra ver pelo olho mágico. Então ele abre uma fresta na porta, e o cão vira para encará-lo, diretamente nos olhos. Na plaquinha está escrito "boa noite" (esqueci de mencionar, mas é quase meia-noite). Nildo abre a porta para o cão, que entra, deita no sofá, e dorme até a manhã seguinte.
Quando Nildo sai pra trabalhar, o cão acorda e vai com ele até a porta. Eles se encaram de novo. A plaquinha parece diferente, está escrito "bom dia" dessa vez. "Eu devo estar com sono", pensa Nildo, enquanto coloca alguns pães à disposição do cachorro, e enche um pote com água, como se estivesse hospedando o visitante. Tranca a porta e vai trabalhar.
Chegando em casa, ele imagina o que aquele cachorro estará fazendo com o apartamento dele, e por que ele o deixou entrar, afinal...
- Cheguei - diz Nildo, enquanto fecha a porta e coloca a corrente. O cachorro desce do sofá e vem ao seu encontro, e na sua plaquinha está escrito "boa noite". Intrigado, Nildo pega no colar pra ver como aquilo é possível, pois as letras estão gravadas no metal, em baixo relevo. - Eu preciso comprar ração pra você. Qual você gosta? - Nildo fala como se esperasse o cachorro responder, ou a plaquinha trocar pra um "gosto de whiskas presunto!", como naqueles contos de terror que ele lê quando não tem nada pra fazer no trabalho. Não que nos contos os cachorros gostem de whiskas, mas se a plaquinha mudasse seria bastante assustador, né? Só que ela não muda. Ele vai no mercadinho do lado do prédio, e volta com um saco de 8kg de uma ração mediana - ele não queria dar da mais barata pro são bernardo, porque sabe que as mais caras são melhores, aí eles comem menos e não fazem tanto cocô. Os pães haviam sido todos comidos, a água estava acabando. Ele lava e enche com água de novo, e coloca a ração em outro pote. O são bernardo encara ele por um tempo antes de provar, como se desconfiasse de alguma coisa.
- Pode comer, não acha que eu iria te envenenar, né?
Ele reluta um pouco, mas acaba comendo - parece gostar - depois, deita no sofá e dorme.
- Que cachorro mais estranho - pensa Nildo. Então ele janta, toma um banho, e vai dormir.
De manhã, saindo para o trabalho, o são bernardo acorda e vai ver ele novamente, como se fosse dar um "bom trabalho, até depois!". Então Nildo olha pra plaquinha, esfrega os olhos, e vê que ainda está escrito "boa noite".
- Essa plaquinha nunca mudou, não é? Não tinha como você fazer uma coisa dessas. De qualquer forma, cuide da casa até eu voltar, e bom dia pra você! - Diz Nildo, abrindo a porta, sorridente.
- Bom dia. - responde o cão.