Foi mesmo um pesadelo?

Não sabia onde estava. Era a primeira vez que isso lhe acontecia. Sempre fora tão prendado e correto com seus compromissos. Em seus 26 anos nunca ficou bêbado. É verdade que participou de poucas farras. E também, seria difícil para alguém que não faz uso de bebidas alcoólicas ficar embriagado.

O que estava acontecendo? Mauro realmente não sabia. Teria sido sequestrado e trazido até aquele local? Mas quem faria isso? E por quê? Vive modestamente com os parcos recursos de seu salário, fruto do trabalho como bancário. Ganha o suficiente para viver, mas nada que desperte a cobiça de sequestradores, de invejosos, sim, com certeza, mas de bandidos que buscam altos valores financeiros, isso seria difícil. E para quem iriam pedir o resgate? Vive só há mais de seis anos. Seus moram longe e nunca foram ricos. Mas espere, nem amarrado está. Está em pé.

O ambiente é muito escuro. Esfrega os olhos, talvez esteja sonhando. Permanece onde está. Parece o mundo real, ou irreal dependendo de quem interpreta. Aperta os olhos, o ambiente ao seu redor começa a ficar mais visível, mais claro, está melhorando. Com a luz penumbra ele percebe que seria melhor se tivesse continuado no escuro. A clara luz que lhe proporciona uma visão desconfortável vem de um candelabro fixo na parede com três velas vermelhas. Possui um desenho interessante aquele objeto, não são comuns na cidade onde vive. Na realidade só os viu em filmes de época. Olha ao redor. Paredes que parecem terem sido mal pintadas de vermelho, com manchas escuras espalhadas por toda a superfície, como se um líquido viscoso as tivesse atingido. Vermelho sobre vermelho? Também vê um estranho desenho que se assemelha a um ideograma japonês em uma das paredes. Impossível saber o significado daquilo.

Começa a ofegar, princípio para o desespero. Continua a olhar ao redor, vê apenas um velho sofá, único móvel do cômodo. Talvez esteja em uma sala de estar, muito pequena pode-se perceber e sem nenhum outro móvel. Com apenas dez passos é capaz de chegar de chegar de uma parede a outra. Um ambiente que forma um quadrado perfeito. Há duas saídas escuras, uma em cada parede ao lado do sofá. Nem imagina onde vão dar, nem quer descobrir, apenas sair dali da mesma forma que chegou, num piscar de olhos.

Caminha em direção ao sofá de três lugares que se mostra pouco convidativo, um desses móveis velhos que já deviam ter sido jogados no lixo há anos. Senta-se assim mesmo. Abaixa a cabeça para ler as horas do relógio no pulso esquerdo, e quando ergue, um susto! Uma pessoa está à sua frente. Uma mulher muito alta que parece ter um metro e noventa, usando um vestido branco próprio para uma criança de dez anos. Está descalça. Cabelos castanhos desgrenhados cobrem-lhe o rosto. Não consegue distingui-la, talvez até seja melhor.

- Quem é você? – Mauro pergunta com voz embargada.

Nada de resposta.

- Onde estou? – Continua sentado. Sente vontade de vomitar.

- O que está acontecendo? – Está ofegante começa a beirar o desespero.

A estranha adianta-se caminhando debilmente sem mover os braços. Dá um, dois passos na direção de Mauro que permaneceu todo o tempo no sofá sem conseguir se erguer. Quando seus músculos finalmente esboçam uma reação, levanta-se de um pulo e corre em direção à saída da esquerda.

Antes de lá chegar, mais um ser aparece. Um homem alto, sem rosto. Sem olhos, boca, nariz. Uma pele enrugada toma todo o lugar da face. Mauro arregala os olhos e dá meia volta e tenta correr na direção oposta, quando vê outro ser, dessa vez com o tamanho de uma criança, com roupas maltrapilhas, também sem rosto. Para bruscamente e cai no chão, apoia-se no sofá e senta-se sobre este. O pavor o consome. A mulher ainda estava parada à sua frente, sentia-se cercado por três bestas. O que fariam com ele? Por quer isso estava acontecendo? O que fez de errado?

- Quem são vocês? São demônios?

Nada respondem. Pessoas que não tem boca não podem falar, pensou estupidamente. Os três andam ao mesmo tempo em sua direção. Grita como se estivesse sendo atacado por um animal selvagem!

O grito continuou por segundos após ter acordado. Sentado na cama, olhos arregalados a espreitar o escuro. De um pulo bateu com a mão direita no interruptor da luminária posta sobre o criado-mudo. A visão familiar de seu quarto o encheu de alívio. Suava e respirava fundo. Estava em casa. Estava a salvo. Foi apenas um sonho. Um pesadelo. O pior e mais real pesadelo que jamais tivera.

Deita-se. Não sabe como sonhou com aquilo, há muito tempo não assiste a um filme de terror, nem compartilha estorinhas fantasiosas com ninguém, nunca foi supersticioso. Já passou. Melhor não ficar pensando sobre aquele estranho som. Levanta-se e vai ao banheiro. Bebe um pouco de água na cozinha. Volta ao quarto e deita-se na cama. Foi apenas um sonho, diz mais uma vez para si mesmo e vira-se para a esquerda. Apaga a luz da luminária e tenta dormir. Às suas costas, no canto do quarto, no pequeno espaço entre a estante de livros e a prateleira, uma mulher muito alta, vestida com roupas brancas de uma menina de dez anos, permanece parada. Imóvel.

FIM.