Noite das Máscaras
- Vamos lá! – Eduardo suplicou.
- Não sei Edu... – Carol respondeu ansiosa, as mãos fechadas em frente ao rosto numa posição de receio – Parece perigoso.
- Que nada – Fernando incentivou a amiga – Vai ser divertido.
- É... todo fim de ano fazem isso.
- Calma... Me conta de novo – Carol pediu.
Eram três crianças sozinhas no quarto a três dias da virada de ano, eles construíram uma barraca com lençóis velhos e sob a luz de um abajur conversavam. Eduardo, um ano mais velho que os demais, fizera dez anos a pouco mais de um mês e tentava a cerca de meia hora, junto com Fernando, convencer Carol a algo que faria o fim de ano inesquecível.
Eduardo bufou pronto para repetir a história.
- É um teste... de coragem. No dia 30 de dezembro todas as crianças daqui do bairro vão para aquele prédio abandonado, aquele lá perto da Anchieta, assim que o Sol se põe. Elas esperam um tempo, entram no prédio e começam a procurar.
- Procurar o que? – Fernando perguntou só para ouvir Eduardo repetir.
- O fantasma...
Um arrepio varreu as costas de Carol.
- Porque você quer achar um fantasma? – Ela perguntou encolhida.
- Não sou eu que quero achar. Faz parte do teste. Você quer ser corajosa não quer?
Carol se encolheu ainda mais, claro que queria ser corajosa, mas querer era diferente de ser... Encarou Fernando esperando encontrar consolo todavia tudo que encontrou foi a empolgação do amigo.
- E as máscaras? – Ele perguntou com os olhos brilhando.
- Elas são usadas para o fantasma não reconhecer a gente, assim ele não sabe quem somos depois que saímos do prédio. E também faz parte do teste porque, pelo que me disseram, o fantasma usa uma máscara também.
- Que tipo de máscara?
- Parece que é uma máscara de gato.
- Como é esse fantasma?
- É uma criança também, da nossa idade, ouvi dizer que é uma menina.
- E quando acham ela o que acontece?
- Daí todo mundo sai correndo.
- Que coisa mais besta. – Carol falou sem conseguir esconder o medo. – Porque todo mundo procura a menina para depois correr?
Eduardo olhou para os lados como se temesse que a cobertura proporcionada pelos cobertores não fosse suficiente. Embora tivesse feito a pergunta Carol tampou as orelhas para a resposta.
- Porque quem ela pegar... Ela leva embora.
*****
O crepúsculo era o prelúdio da noite.
Eduardo queimava de excitação, perto dele Fernando e Carol esperavam nervosos. Eduardo usava uma máscara de caveira que ganhara dos pais no último dia das bruxas, Fernando vinha com uma touca de lã que deixava somente os olhos expostos, Carol era a única que recusara algo sombrio e portava um sorridente rosto de Papai Noel.
O trio estava encostado em um poste na rua quase deserta, salvo uma dezena de crianças que se dividam em grupos também esperando a hora derradeira. Próximos a todos residia o esqueleto de um grande edifício. A estrutura abandonada a décadas não tinha mais vidros, a pintura já havia sido arrancada pelo tempo e um garrafal “Perigo! Não entre!” era a inscrição logo acima da porta principal. O prédio era como um castelo vencido por saqueadores, esquecido e solitário, o esqueleto do tempo montado sobre a terra.
Mais dez minutos se passaram e o Sol se tornou apenas um fio de luz no horizonte. Minutos depois esse fio também desapareceu e as estrelas começaram a brilhar como vaga-lumes numa caverna escura. A luz da rua não acendeu no início da noite permitindo que pouco a pouco uma grande faixa de luz cobrisse o céu, a galáxia que abrigava a pequena rua, aparecendo para espiar os corajosos seres humanos que enfrentariam o maior de seus desafios.
- Nós não deveríamos entrar? – Fernando perguntou.
- Temos que esperar alguém se mexer – Eduardo respondeu, por mais excitação que tivesse não seria o primeiro a pôr os pés ali.
Passaram-se mais cinco minutos, tempo suficiente para que mais e mais crianças em máscaras chegassem, e foi logo após a chegada da última delas, um garoto com máscara de Hulk, que o desafio começou.
O garoto com máscara de Hulk avançou violando o espaço de solidão, o bloqueio criado pelas demais crianças. Ele avançou primeiro olhando para os lados, como se temesse os colegas de empreitada, então seu olhar foi raptado pelo grande edifício e por todos os mistérios que a natureza ali guardava.
Um garoto com a máscara de algum Power-Ranger foi o segundo a quebrar o bloqueio e parar ao lado do Hulk. Eduardo entendeu aquilo como a deixa para avançar.
- Vocês têm certeza? – A voz de Carol subiu cortando o ar com uma nota de medo.
- Vai ficar tudo bem – Fernando disse estendendo a mão para ela – Eu vou estar com você.
Eduardo apressou o grupo. Ele foi o terceiro a quebrar o bloqueio e se posicionou ao lado do Hulk e do Power-Ranger.
- Vamos entrar – o Hulk falou.
- Vamos – Power-Ranger e Eduardo responderam.
Dezesseis garotos e garotas se juntaram ao trio, entrando por uma porta com cadeado destruído e encontrando um hall vazio. Uma a uma elas tiraram lanternas que até então estiveram ocultas sobre as vestimentas e passaram a iluminar o espaço.
O esquecimento estava presente. A solidão do piso empoeirado, das teias de aranha, dos quadros caídos, das paredes manchadas, das histórias que nunca mais seriam contadas... O esquecimento é o deus dos abandonados e era o deus presente na escuridão que os observava.
- Vamos ver todo o andar. Se não encontrarmos nada subimos para o próximo. – Eduardo falou.
Eles se dividiram. Fernando e Carol se juntaram a Eduardo e seguiram para dentro das trevas, as lanternas iluminando apenas um halo na escuridão que a muito tempo não era profanada. Eles abriram portas que não eram abertas a anos. Trilharam caminhos já trilhados pelos mortos. Ouviram sons que poderiam tanto vir de outros grupos quanto do fantasma que ali habitava.
Quando todo o andar foi visto eles se reuniram novamente no hall de entrada.
- Esse andar está vazio Caveira – uma menina com máscara de bruxa falou para Eduardo.
- Vamos continuar subindo então.
Eduardo assumiu a dianteira, Fernando e Carol perdidos entre as demais crianças. A seu lado agora seguiam Hulk e Power-Ranger, os três se tornando oficialmente os líderes daquele teste. No primeiro andar eles dividiram grupos que nada encontraram e que os seguiram para um segundo, um terceiro, um quarto e mais dois andares antes de se reunirem pela última vez.
- Não achamos nada até agora – Power-Ranger comunicou – Só falta a cobertura...
A tensão chegara a um ponto máximo, com o resto do prédio vazio aquele era o último espaço para encontrarem o que quer que tivesse de ser encontrado. Caveira assumiu a dianteira, porém antes de atingir a cobertura ele precisava passar por uma porta que como muitas outras estava fechada.
A diferença era que aquela em si não cedia as suas investidas.
- Está trancada – Hulk falou – Vamos ter que achar um outro caminho. Por aqui Caveira, tinha uma outra escada do outro lado.
Caveira assentiu e começou a descer, passando a ser o último da fila que até então conduzira.
E quando tudo parecia se encaminhar para uma continuação naquela busca um vento gelado envolveu a todos, não no nível físico mas além, fazendo pelos se arrepiarem pelos corpos de todos os mascarados. Uma bruma envolveu o chão ocultando os pés de todos e a atmosfera foi dominada pelo ozônio, criando um cheiro tão forte que ardia as narinas a cada respirar. Um ranger encheu o ar, tão doloroso quanto uma alfinetada, arranhando a audição do grupo e levando-os a uma constatação.
- Você não disse que estava trancada Caveira?
A pergunta do Power-Ranger se perdeu no ar, dezesseis lanternas convergiram para a porta outrora trancada e lá miraram uma figura que as observava.
Era uma menina da mesma idade deles. Uma máscara de gato cobrindo sua face e ocultando suas feições. Cabelos loiros caíam cobrindo suas orelhas e partes da máscara, por um momento fazendo-os crer estarem olhando para a cabeça de um animal em corpo humano. Seus olhos eram dois faróis de milha, brilhando como supernovas na escuridão.
Poucos poderiam ter uma atitude sensata naquele momento mas por sorte Hulk teve.
- Corre! – O garoto gritou gerando uma onda de berros e passos que se espalharam como um tsunami.
Caveira se esforçou para acompanhar os demais mas no fim da escadaria acabou tropeçando devido a bruma, sua boca batendo contra o chão e fazendo uma onda de dor repercutir por todo o rosto, sendo seguida pelo gosto de sangue que inundou o paladar. Mesmo com lágrimas de dor ele levantou e partiu escada abaixo, acompanhado pela névoa pálida que já havia dominado todos os andares.
- Hulk! Power-Ranger! – Gritava em meio ao desespero que o envolvia como uma hera – Fernando! Carol! Socorro!
Não houve resposta para nenhum de seus apelos. Ele estava sozinho naquela escuridão, acompanhado somente por seu fantasma. O medo o instigou a continuar e assim ele o fez, descendo andar após andar sempre com aquela sensação de perigo iminente as costas, algo gelado como um cadáver. Com muito esforço seus pés o levaram até o hall do andar térreo, local onde todo aquele teste começara. Ali Caveira arriscou a primeira olhada por cima do ombro e para sua surpresa não encontrou nada além da escuridão o acompanhando.
Mas isso não significava que o fantasma havia desaparecido.
Quando encarou a porta que o levaria para fora, que estava livre até um instante atrás, viu a criança agora em seu caminho. Seus olhos brilhando como dois faróis mesmo sem nenhuma lanterna apontada para eles. Caveira parou, o medo impedindo-o de se mover. Estático ele viu a mascarada se aproximar, parando a três passos dele.
- Você é o último – ela falou esticando um dedo e tocando sua testa – Então tá com você.
*****
1 anos depois
- E as máscaras?
- Elas são usadas para o fantasma não reconhecer a gente, assim ele não sabe quem a gente é depois que saímos do prédio. E também faz parte do teste porque, pelo que me disseram, o fantasma usa uma máscara também.
- Que tipo de máscara?
- Parece que é uma máscara de caveira...
FIM
**********************
Obrigado a todos os comentários pessoal, e desculpem a ausência dos últimos tempos, muita coisa acontecendo!