Alfredo e o Lago

Solenemente sozinho, a cavalo, olhando entre os galhos tortos, estava eu passando sobre o caminho do lago, as nuvens dissipadas do vento mais sulfúrico que poderia ter nessa época do ano, a acidez do ar mostrava quão o exonfre poderia consumir qualquer ser que pudesse habitar a terra.

Em meu peito um sentimento gelado como de uma grande dose de nitrogênio, tão frio que arrepiaria até um rinoceronte adulto, em meus delírios lembrava-me de sua ida. Sentia pelo fato de não o visitar com frequência requerida, era um de meus luxos me inebriar com alguns livros sobre minha poltrona a noite e me esgueirar de meu amigo.

Seus traços pecaminosamente belos, pálido e dentes alinhados, meu amigo, conhecedor de grandes estratégias de lutas, um soldado, dos melhores, porém morto de forma silenciosa e misteriosa, ainda assim julgo descobrir o assinassino ou ao menos a forma que o assassínio se propôs.

Um pássaro de mau agouro me seguia, entre os galhos eu jamais poderia o ver, o trote de meu animal ecoavam abafadiços e apenas entenderia o pio da ave que servia de maldição entre aquele desconexo e lúgubre atalho.

Tinha o aspecto mais negro e triste que já havia visto, as águas assemelhavam ao ébano diluído por ácido numa ação conjunta de uma tragédia emblemática de posições e cargos em um labortário, utilizando de mercurio e exonfre, provavelmente a corrosão do lago e os peixes aparentaria a cena que meus olhos retratam nesse momento.

Alfredo sentia sempre que o ar estava fosco um grande desejo de andar entre a relva e algumas vezes caçar animais estranhos ao entardecer, era sagaz e solitário, não se casara e sua vida era escura e baldia. Conhecia sua propriedade muito bem, mas sequer dava luxo de aproveitar de todas as continuas peripécias que o lugar lhe proporcionaria.

Estranhamente seus criados foram morrendo, até que a última, Helena, morrera de uma doença comum, contraída devido a umidade do ar e o excesso de bolor aglomerado nas paredes e móveis. Era uma mulher velha com saúde debilitada, parecia mais uma hóspede, pois sua função, deixou de ser uma ágil criada e tornou-se uma cozinheira desmazelada.

O pássaro que me seguia, creio eu que gostaria de mostrar algo sutil que não percebera, pois o trote do animal em que estava montado não relutou instante qualquer, mas seu breve pio parecia como uma locomotiva de minha mente, com espectros e uma grande quantidade de vozes soando semibreves e breves, semelhantes ao lamento de um clarinete.

Ao que me parecia mãos gélidas tocavam minha cintura, e nesse momento as achei generosas, estavam tocando algo que raramente fora deflorado por alguém, minha sisudez jamais permitira que eu fosse tão dócil ou agradável. Já intitulado como estranho ou mártir, estava eu com esses sentidos agora, comicamente as cabeças inúteis chamariam de um fantasma, mas o que era fantasmagórico não era esse meu sentir e sim o que estava a pensar, como foram encontrados cadáveres ao lago próximo a casa de Alfredo, desfigurados e todos sem o anelar. Supostamente alguma seita, ou quem sabe um simples pacto entre os mortos.

Veemente que eu não sentia nada que fosse ao lado de minha coxa, ao aferir que se a garupa tem algum indivíduo, por consequência tocaria próximo a carne de sua coxa e sentiria ao menos o volume de outro membro inferior tocando o meu. O ritmo do animal estava acelerado, com essa premissa assumo que estou só sobre meu potro e minha sela.

Mãos finas, finas e agouras é o que sinto em minha cintura, como mãos femininas, geladas e firmes, mas meu consciente elucidava outro destino para meus pensamentos, assim como entender os motivos dos crimes e quais foram os primeiros homicídios.

Ao longo eu avistava o lânguido lago, a morbidez atraia os olhos da lua, qualquer raio de luz irrelevante poderia iluminar uma polegada do corpo sombrio, era absurdamente negro e viscoso.

Auferi as palavras da paisagem que expurgou meu delírio nefasto sobre, o agouro da ave continuamente tocando meus tímpanos, ainda assim não percebera se já teria se tornado um tormento ou realmente ela existira. Grandes e enormes proporções de batalhas era o que eu imaginava, mas de toda minha presunção, meu inconsciente era mais irônico do que poderia imaginar, as respostas trancadas com enigmas lineares de assuntos e chaves lógicas.

Alfredo! Exclamei, a beira de sua lápide torneada em ouro, “Alfredo Fughir, um dos maiores homens de nosso tempo, tragado pela morte ainda jovem, será nosso tenaz soldado para sempre. RIP.”

Minhas lágrimas estiveram o tempo todo a minha espreita, mas não caíram, ate então o que tínhamos acordado em vida era de que aquele que encontrasse o espírito encapuzado se aquietaria de vez e assim permaneceria ao outro, sem palavras ou lamentações.

Preferi caminhar sobre a terra escura, espiar e afrontar os maus pressentimentos que o lago me traria, mesmo ciente de que toda e qualquer luta que tivesse de nada adiantaria, meu pobre e pequeno corpo carnal contra uma valsa de espectros praguejando e atormentados de seu fim determinado.

Ainda que a atmosfera estivesse pesada como meus pés, eu estava em paz, meu espírito estava acomodado a meu princípio, a visita fora concluída e o que me restava era aproveitar um pouco mais da morbidez da qual meus lábios se estreitavam.

Como não perceber isso, morto há tanto tempo, ainda quando um soldado, suas mãos obviamente seriam gélidas e leves, mas ainda não sei a espessura de uma mão que não vi, certamente eu sabia o porque de estar aqui, mas ainda que não tivesse ganho eu teria ludibriado meu consciente contra o misterioso inconsciente, era claro o motivo de sentir a mão de Alfredo sorrateiramente sobre o ílio, seu assovio personificado em um pássaro ou quem sabe um de seus amigos espirituais. Com toda pompa e gracejo me guiou até o local onde nos dois estaríamos em plena e sã harmonia, meu querido amigo me trouxe ao local combinado de nosso trato e jazeríamos aqui ou penaríamos até o esquecimento.

- M. Leite

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