A Sombra Na Sarjeta
Todos diziam que era o mendigo mais repulsivo já visto. Rosto escondido em um emaranhado confuso de cabelo e barba, conversava com uma lata de lixo. Os executivos e prostitutas tinham em comum uma careta de nojo e concordavam: cheirava muito mal.
Era noite. Ele interrompeu seu diálogo com a lixeira e começou a andar pela Sé. Puxava seu carrinho de madeira onde carregava entulhos para vender por alguns centavos, o que garantiria um gole de cachaça. Resmungava algo incompreensível. Ninguém da mendicância local jamais entendeu palavra alguma do que dizia. Parecia outra língua.
Afugentava a todos com seu aspecto grotesco, exceto os comerciantes. Aqueles que vendiam lanches tentavam enxotá-lo, para que os fregueses não perdessem o apetite com o mau cheiro. Já as que vendiam o corpo, tinham medo de lhe dirigir a palavra. Mas tinham medo de qualquer um, pois havia um rumor sobre o desaparecimento de mulheres de “vida fácil”.
O mendigo era apenas uma sombra na sarjeta quando escolheu a prostituta que considerou mais saudável e jovem. A rua era deserta, o pescoço macio. Sorrindo, ele exibiu suas presas que cresciam, grandes e apodrecidas. A mordida foi doída, pois os dentes há muito não eram tão afiados quanto nos bons tempos. Sangue quente e pulsante derramou dentro da boca fétida. A vítima gritou mais do que ele gostaria. Debatia-se e ele não conseguia controlá-la.
Irritado, quebrou-lhe o pescoço. Não podendo beber sangue de defunto, pestanejou. Teria que matar mais do que de costume para saciar a fome.
Saudades dos velhos tempos de glamour.