Fantasma
Era uma noite chuvosa e tempestuosa, mesmo assim ali estava eu, dirigindo por uma estrada estreita e sinuosa, rodeada por profundos despenhadeiros. Estava louco para chegar em casa, meu plantão no hospital onde era enfermeiro prolongara-se demais e por isso sai mais tarde.
Enquanto dirigia pensei diversas vezes em parar e estacionar até a chuva parar e talvez cochilar um pouco, afinal fazia mais de 36 horas que eu não dormia. De qualquer forma teimei em continuar e por várias vezes quase sai da estrada por causa de pequenos cochilos ao volante.
“Só mais um pouco e chego em casa.” – pensei, mas sabia que ainda estava longe.
Mas minha imprudência cobrou seu preço. Mais uma vez eu cochilei, quando abri os olhos já era tarde demais: a minha frente vi somente o pequeno vulto branco de uma garotinha iluminado pelos faróis. Virei o volante sem pensar, apenas para me desviar daquela criança. Infelizmente desviei para o lado errado, só pude sentir meu carro mergulhar no despenhadeiro, capotando diversas vezes. Sentia a dor dos repetidos impactos até que fui atirado para fora.
Rolei o morro ao lado de meu carro por mais alguns metros até parar em uma moita de capim. Desnorteado, tentei me levantar, a dor era extrema. De repente vi um grande clarão e ouvi um grande trovejar, não era relâmpago, era meu carro que explodiu.
- Meu Deus! Eu quase morri!
Fiquei ali no chão por não sei quando tempo, paralisado debaixo da chuva torrencial assistindo meu carro se consumir, até que senti uma mãozinha delicada em meu ombro.
- Tudo bem com você moço? – a pequena criança me pergunta.
Levantei em um pulo, assustado e confuso.
- Sim, eu estou bem... – disse olhando para a garotinha, uma menina com não mais de dez anos e trajando um vestidinho branco todo encharcado pela chuva.
- Mas e você? – perguntei para ela já um pouco alterado – você está bem? Não vê que quase morreu? Não vê que quase me matou? Que droga deu em você? O que estava fazendo na estrada a essa hora da noite menina?
- Desculpa moço – disse a menina começando a chorar – eu só queria ajuda, eu fui para a estrada, mas ninguém parecia me ver, isso até o senhor passar.
Olhei para a menina e senti pena e culpa por tê-la magoado:
- Olha, não fique assim, diga o que aconteceu?
- Um homem mal entrou lá em casa moço, ele...ele...ele bateu na gente, no meu pai e na minha mãe!
Imediatamente compreendi o desespero da garotinha. Sua casa estava sendo assaltada e ela conseguiu fugir para pedir ajuda, e não havia outra pessoa ali senão eu para ajuda-la.
- Não se preocupe – disse eu me abaixando e a abraçando – vou chamar a polícia.
Mas quando procurei pelo celular no bolso da calça eu não o encontrei.
- Droga, meu celular estava no carro.
- Me ajuda moço, me ajuda, o homem mal ainda está lá em casa.
Não poderia chamar por ajuda, peguei a menina no colo e comecei a subir a ladeira de volta para a estrada. Se eu não fizesse alguma coisa logo talvez aquela garotinha ficasse órfã.
- Mostre-me sua casa amiguinha.
Ela me indicou o caminho na escuridão, mas não foi difícil achar, era a única casa, a única luz a beira da estrada. À medida que me aproximava pude ouvir gritos e choro.
- Ele ainda está lá... mamãe, mamã... – tapei a boca da menina.
- Não grite! Ele poderá ouvi-la!
- Mas ele está lá, está maltratando minha mãe e meu pai!
- Olha, confie em mim, eu vou lá, vou surpreendê-lo, mas para isso preciso que fique quietinha aqui, viu?
A garotinha enxugou as lágrimas e acenou positivamente com a cabeça.
- Ótimo, boa menina – disse eu enquanto me abaixava e pegava o mais grosso pedaço de pau que encontrei no chão.
- Moço, promete que vai salvar mamãe e papai?
Olhei para a pequena criança, estava comovido, mesmo sem ter certeza eu confirmei a promessa:
- Sim, eu vou salva-los.
- Obrigada – disse ela.
Eu me virei mais uma vez para olhar a casa, segurei o pedaço de pau firmemente.
- É agora, fique bem quietinha aqui...
Mas quando olhei a garotinha havia sumido, chamei seu nome baixinho, olhei em volta, mas nada.
- Droga, onde ela foi?
Nesse instante ouvi mais gritos vindos da casa.
- Ah não – disse eu – ela foi para lá, essa não.
Corri para casa sem medo do que quer que fosse que me esperava lá. Quando cheguei bem perto me abaixe e espiei por uma janela. O que vi me deixou estarrecido: um homem alto e forte estava de pé chutando outro homem que estava amarrado e todo ensanguentado que tentava em vão se esquivar dos ataques, do outro lado, amarrada a uma cama, uma mulher nua chorava e gritava desesperadamente. Mas foi quando vi o canto do quarto que meu coração se encheu de mágoa e de ódio.
No cantinho do quarto estava o corpo da garotinha, aparentemente sem vida e jogado no chão, na ânsia de proteger sua família ela havia me desobedecido e o homem a atacou.
- Miserável, vai pagar por isso! – falei.
Procurei pela porta, assim que a achei eu a arrombei com uma força que nem eu mesmo sabia possuir. Entrei na casa como um raio e rapidamente estava no quarto.
- Maldito! Vai pagar por isso!
Os três olharam aparentemente sem nada entender. Vi o rosto apavorado do invasor na minha frente e antes que ele pudesse esboçar qualquer reação eu o atingi com uma paulada na cabeça. Ele era muito forte, ainda tentou se recompor, mas eu não tive pena, o atingi diversas vezes e mesmo quando ele estava no chão eu não parei.
- Morre, morre desgraçado – gritava eu tomado de fúria.
Finalmente parei. Ele estava morto.
Corri então para o corpo da criança. Ela estava ferida e perdia sangue.
- Ah minha menina! – chequei seus sinais vitais: ela ainda estava viva!
- Diga que ela está bem! – ouvi uma voz de mulher dizer, era a mãe da criança.
- Ela está, mas precisamos de uma ambulância agora, onde tem telefone? – perguntei.
- No outro quarto – era o pai da menina que havia respondido fracamente.
Liguei para ambulância e para a polícia e expliquei a situação.
- Eles estão vindo – voltei para junto da menina e improvisei algumas compressas e garrotes com pedaços de pano – isso impedirá que ela perca mais sangue.
Então desamarrei o casal que correu para perto da filha.
- Oh meu amor! – chorava a mãe.
- Ela vai viver? – perguntou-me o pai.
- Sim, eu acho que sim – disse eu – ela é corajosa, enfrentou essa tempestade para buscar ajuda.
Vi que os pais da criança me olharam espantados.
- O que está dizendo? – questionou o pai – nossa filha ficou o tempo todo aqui, assim que esse desgraçado invadiu nossa casa ele me atacou, minha filha tentou me defender, mas esse animal a espancou bruscamente.
Fiquei confuso nesse momento.
- Não, sua filha saiu, ela foi até a estrada me chamar.
A mãe da garota olhou para mim.
- Não, ela ficou o tempo toda caída aqui, posso garantir, ela ficou aqui enquanto nos éramos amarrados por esse monstro.
Ouvi sirenes aproximando-se ao longe. Sai. A cabeça girava. Vi quando os policiais e os bombeiros entravam, tentei chamar por eles, mas era como se eles não me vissem.
Imediatamente a equipe de resgate deu o atendimento inicial a garotinha. Eu observava tudo, mas era como se eu não estivesse ali.
- Obrigado por cumprir sua promessa – ouvi a voz da menina atrás de mim e me virei para olhar.
Era ela sim.
- Eu vi você lá dentro agora menina! – disse eu.
- É, metade de mim ainda está lá – ela falou.
Eu olhei de novo, a equipe de resgate continuava seu trabalho na criança sob o olhar de agonia dos pais.
- Mas agora eu devo voltar totalmente – ela disse – você é uma pessoa boa, salvou minha vida e a da minha família, nunca vou esquecer você.
- Mas o que esta acontecendo aqui? – eu não entendia nada.
- Sabe por que ninguém me viu na estrada?
- Não.
- Por que era apenas meu espirito que estava lá. Mas você me viu.
Sim, eu havia visto, e havia visto por um motivo.
- Entendi tudo agora – disse eu olhando para a menina.
- Vá em paz – ela me disse – e mais uma vez obrigado.
A menina foi andando devagar até o local onde estava seu corpo e se deitou sobre ele.
- Ela está reagindo – gritou um dos socorristas.
Vi os pais da criança chorarem de alegria e sai dali.
Lá fora passei por todos sem ser notado, até que um homem barra meu caminho.
- Você! De onde você veio? – era o homem que eu matei.
- De lugar nenhum – disse eu.
- Não vá embora, temos contas a acertar.
Olhei para ele e disse:
- Não há nada a acertar. Devemos ir agora.
- Ir para onde?
- Estamos mortos - disse eu.
O homem olhou confuso a sua volta.
- Eu, morto? Impossível.
Mas, como para confirmar sua morte, de repente ouvimos sons horríveis saindo das sombras. Criaturas nebulosas surgiram e agarraram o homem.
- Não, não, o que é isso?
Olhei com espanto enquanto o homem era contido e um imenso buraco se abria sob seus pés, e de dentro do buraco subiam fogo e enxofre.
- Não, não, me ajude, não deixem que eles me levem! – ele gritava desesperadamente, mas em vão, as criaturas o levaram para o buraco e ouvi seu grito se perder nas profundezas.
Ainda um pouco aturdido olhei uma ultima vez para aquela família.
- Um homem nos salvou! Precisam encontra-lo – disse o pai a um policial.
- Vamos fazer o possível – disse o policial – agora vão para o hospital, ficaremos por aqui por muito tempo ainda, houve um acidente terrível na estrada essa noite e encontraram o corpo de um homem carbonizado.
Eu me retirei dali. Agora sabia o que havia acontecido comigo. Sentei-me em uma pedra e observei o céu, a chuva estava passando, o tempo se abriu e sobre mim uma imensa luz começou a brilhar. Senti uma imensa paz interior, meu ser cada vez mais leve foi sendo conduzido as alturas e eu pude vislumbrar um lugar para descansar em paz.
Enquanto dirigia pensei diversas vezes em parar e estacionar até a chuva parar e talvez cochilar um pouco, afinal fazia mais de 36 horas que eu não dormia. De qualquer forma teimei em continuar e por várias vezes quase sai da estrada por causa de pequenos cochilos ao volante.
“Só mais um pouco e chego em casa.” – pensei, mas sabia que ainda estava longe.
Mas minha imprudência cobrou seu preço. Mais uma vez eu cochilei, quando abri os olhos já era tarde demais: a minha frente vi somente o pequeno vulto branco de uma garotinha iluminado pelos faróis. Virei o volante sem pensar, apenas para me desviar daquela criança. Infelizmente desviei para o lado errado, só pude sentir meu carro mergulhar no despenhadeiro, capotando diversas vezes. Sentia a dor dos repetidos impactos até que fui atirado para fora.
Rolei o morro ao lado de meu carro por mais alguns metros até parar em uma moita de capim. Desnorteado, tentei me levantar, a dor era extrema. De repente vi um grande clarão e ouvi um grande trovejar, não era relâmpago, era meu carro que explodiu.
- Meu Deus! Eu quase morri!
Fiquei ali no chão por não sei quando tempo, paralisado debaixo da chuva torrencial assistindo meu carro se consumir, até que senti uma mãozinha delicada em meu ombro.
- Tudo bem com você moço? – a pequena criança me pergunta.
Levantei em um pulo, assustado e confuso.
- Sim, eu estou bem... – disse olhando para a garotinha, uma menina com não mais de dez anos e trajando um vestidinho branco todo encharcado pela chuva.
- Mas e você? – perguntei para ela já um pouco alterado – você está bem? Não vê que quase morreu? Não vê que quase me matou? Que droga deu em você? O que estava fazendo na estrada a essa hora da noite menina?
- Desculpa moço – disse a menina começando a chorar – eu só queria ajuda, eu fui para a estrada, mas ninguém parecia me ver, isso até o senhor passar.
Olhei para a menina e senti pena e culpa por tê-la magoado:
- Olha, não fique assim, diga o que aconteceu?
- Um homem mal entrou lá em casa moço, ele...ele...ele bateu na gente, no meu pai e na minha mãe!
Imediatamente compreendi o desespero da garotinha. Sua casa estava sendo assaltada e ela conseguiu fugir para pedir ajuda, e não havia outra pessoa ali senão eu para ajuda-la.
- Não se preocupe – disse eu me abaixando e a abraçando – vou chamar a polícia.
Mas quando procurei pelo celular no bolso da calça eu não o encontrei.
- Droga, meu celular estava no carro.
- Me ajuda moço, me ajuda, o homem mal ainda está lá em casa.
Não poderia chamar por ajuda, peguei a menina no colo e comecei a subir a ladeira de volta para a estrada. Se eu não fizesse alguma coisa logo talvez aquela garotinha ficasse órfã.
- Mostre-me sua casa amiguinha.
Ela me indicou o caminho na escuridão, mas não foi difícil achar, era a única casa, a única luz a beira da estrada. À medida que me aproximava pude ouvir gritos e choro.
- Ele ainda está lá... mamãe, mamã... – tapei a boca da menina.
- Não grite! Ele poderá ouvi-la!
- Mas ele está lá, está maltratando minha mãe e meu pai!
- Olha, confie em mim, eu vou lá, vou surpreendê-lo, mas para isso preciso que fique quietinha aqui, viu?
A garotinha enxugou as lágrimas e acenou positivamente com a cabeça.
- Ótimo, boa menina – disse eu enquanto me abaixava e pegava o mais grosso pedaço de pau que encontrei no chão.
- Moço, promete que vai salvar mamãe e papai?
Olhei para a pequena criança, estava comovido, mesmo sem ter certeza eu confirmei a promessa:
- Sim, eu vou salva-los.
- Obrigada – disse ela.
Eu me virei mais uma vez para olhar a casa, segurei o pedaço de pau firmemente.
- É agora, fique bem quietinha aqui...
Mas quando olhei a garotinha havia sumido, chamei seu nome baixinho, olhei em volta, mas nada.
- Droga, onde ela foi?
Nesse instante ouvi mais gritos vindos da casa.
- Ah não – disse eu – ela foi para lá, essa não.
Corri para casa sem medo do que quer que fosse que me esperava lá. Quando cheguei bem perto me abaixe e espiei por uma janela. O que vi me deixou estarrecido: um homem alto e forte estava de pé chutando outro homem que estava amarrado e todo ensanguentado que tentava em vão se esquivar dos ataques, do outro lado, amarrada a uma cama, uma mulher nua chorava e gritava desesperadamente. Mas foi quando vi o canto do quarto que meu coração se encheu de mágoa e de ódio.
No cantinho do quarto estava o corpo da garotinha, aparentemente sem vida e jogado no chão, na ânsia de proteger sua família ela havia me desobedecido e o homem a atacou.
- Miserável, vai pagar por isso! – falei.
Procurei pela porta, assim que a achei eu a arrombei com uma força que nem eu mesmo sabia possuir. Entrei na casa como um raio e rapidamente estava no quarto.
- Maldito! Vai pagar por isso!
Os três olharam aparentemente sem nada entender. Vi o rosto apavorado do invasor na minha frente e antes que ele pudesse esboçar qualquer reação eu o atingi com uma paulada na cabeça. Ele era muito forte, ainda tentou se recompor, mas eu não tive pena, o atingi diversas vezes e mesmo quando ele estava no chão eu não parei.
- Morre, morre desgraçado – gritava eu tomado de fúria.
Finalmente parei. Ele estava morto.
Corri então para o corpo da criança. Ela estava ferida e perdia sangue.
- Ah minha menina! – chequei seus sinais vitais: ela ainda estava viva!
- Diga que ela está bem! – ouvi uma voz de mulher dizer, era a mãe da criança.
- Ela está, mas precisamos de uma ambulância agora, onde tem telefone? – perguntei.
- No outro quarto – era o pai da menina que havia respondido fracamente.
Liguei para ambulância e para a polícia e expliquei a situação.
- Eles estão vindo – voltei para junto da menina e improvisei algumas compressas e garrotes com pedaços de pano – isso impedirá que ela perca mais sangue.
Então desamarrei o casal que correu para perto da filha.
- Oh meu amor! – chorava a mãe.
- Ela vai viver? – perguntou-me o pai.
- Sim, eu acho que sim – disse eu – ela é corajosa, enfrentou essa tempestade para buscar ajuda.
Vi que os pais da criança me olharam espantados.
- O que está dizendo? – questionou o pai – nossa filha ficou o tempo todo aqui, assim que esse desgraçado invadiu nossa casa ele me atacou, minha filha tentou me defender, mas esse animal a espancou bruscamente.
Fiquei confuso nesse momento.
- Não, sua filha saiu, ela foi até a estrada me chamar.
A mãe da garota olhou para mim.
- Não, ela ficou o tempo toda caída aqui, posso garantir, ela ficou aqui enquanto nos éramos amarrados por esse monstro.
Ouvi sirenes aproximando-se ao longe. Sai. A cabeça girava. Vi quando os policiais e os bombeiros entravam, tentei chamar por eles, mas era como se eles não me vissem.
Imediatamente a equipe de resgate deu o atendimento inicial a garotinha. Eu observava tudo, mas era como se eu não estivesse ali.
- Obrigado por cumprir sua promessa – ouvi a voz da menina atrás de mim e me virei para olhar.
Era ela sim.
- Eu vi você lá dentro agora menina! – disse eu.
- É, metade de mim ainda está lá – ela falou.
Eu olhei de novo, a equipe de resgate continuava seu trabalho na criança sob o olhar de agonia dos pais.
- Mas agora eu devo voltar totalmente – ela disse – você é uma pessoa boa, salvou minha vida e a da minha família, nunca vou esquecer você.
- Mas o que esta acontecendo aqui? – eu não entendia nada.
- Sabe por que ninguém me viu na estrada?
- Não.
- Por que era apenas meu espirito que estava lá. Mas você me viu.
Sim, eu havia visto, e havia visto por um motivo.
- Entendi tudo agora – disse eu olhando para a menina.
- Vá em paz – ela me disse – e mais uma vez obrigado.
A menina foi andando devagar até o local onde estava seu corpo e se deitou sobre ele.
- Ela está reagindo – gritou um dos socorristas.
Vi os pais da criança chorarem de alegria e sai dali.
Lá fora passei por todos sem ser notado, até que um homem barra meu caminho.
- Você! De onde você veio? – era o homem que eu matei.
- De lugar nenhum – disse eu.
- Não vá embora, temos contas a acertar.
Olhei para ele e disse:
- Não há nada a acertar. Devemos ir agora.
- Ir para onde?
- Estamos mortos - disse eu.
O homem olhou confuso a sua volta.
- Eu, morto? Impossível.
Mas, como para confirmar sua morte, de repente ouvimos sons horríveis saindo das sombras. Criaturas nebulosas surgiram e agarraram o homem.
- Não, não, o que é isso?
Olhei com espanto enquanto o homem era contido e um imenso buraco se abria sob seus pés, e de dentro do buraco subiam fogo e enxofre.
- Não, não, me ajude, não deixem que eles me levem! – ele gritava desesperadamente, mas em vão, as criaturas o levaram para o buraco e ouvi seu grito se perder nas profundezas.
Ainda um pouco aturdido olhei uma ultima vez para aquela família.
- Um homem nos salvou! Precisam encontra-lo – disse o pai a um policial.
- Vamos fazer o possível – disse o policial – agora vão para o hospital, ficaremos por aqui por muito tempo ainda, houve um acidente terrível na estrada essa noite e encontraram o corpo de um homem carbonizado.
Eu me retirei dali. Agora sabia o que havia acontecido comigo. Sentei-me em uma pedra e observei o céu, a chuva estava passando, o tempo se abriu e sobre mim uma imensa luz começou a brilhar. Senti uma imensa paz interior, meu ser cada vez mais leve foi sendo conduzido as alturas e eu pude vislumbrar um lugar para descansar em paz.