Leia o primeiro capitulo antes desse...

  Cheguei a pequena cede da policia da cidade, vi mais cinco policiais fardados, sentados em suas cadeiras. Estavam todos tristes pelo ocorrido. Um deles tomava depoimento de uma senhora que havia presenciado o acidente. Passei por eles seguindo o delegado, passamos por um portão de grade e avistei José, sentado, debruçado em seu sofrimento. Estava desolado no canto da cadeia chorando a mínguas, lamentando pelas prematuras mortes que ele causara.

 
 - José? – Chamei-o. Ele se levantou, revelando seus olhos vermelhos e melancólicos.
 
 - Você precisa salvá-la antes da sexta – feira santa. Depois disso não terá volta, detetive.
 
 - Eu li um livro ontem. – Eu o disse. – Vocês acreditam mesmo nisso? Não pode ser verdade! – Eu rebati descrente e ao mesmo tempo cheio de duvidas.
 
 - O diabo existe detetive, e ele pode ser muito sedutor. Tenha cuidado! Essa é uma lenda proibida por aqui. Zeni não sabe o que está fazendo. Não sei o que minha filha quer com isso! – Ele contou.
 
 - Qual é a novidade que você vinha me dizer? – Perguntei.
 
 - Ela deixou um bilhete debaixo da porta ontem. Disse que volta na sexta. Á impeça, por favor! – Ele disse me entregando a carta escrita em folha de caderno comum.
 
“Papai, já estou voltando. Logo seremos uma família feliz. Amo vocês!”
 
 Li o bilhete ainda perplexo. Por que afinal José queria que eu a impedisse? Ele não queria que ela voltasse? O delegado estava ao meu lado. Tentei obter mais alguma resposta de José, porém ele apenas deu as costas para mim e ajoelhou-se no canto da cela.
 
  Mas por quê? Eles realmente acreditavam naquela lenda que li à noite? Mas aquilo não poderia ser real. José ajoelhado no canto da cela começou a orar em línguas. Parecia um cântico, eu não entendia o que ele falava, mas podia sentir a perfeita comunhão que exalava de seu espírito enquanto as lágrimas em fuga corriam ligeiras de seus olhos.
 
  Tudo batia perfeitamente, mas ainda assim não podia crer que a garota fizera um pacto com o demônio. E se era isso, onde ela estaria? A encruzilhada, o ovo que o velho Baltazar entregara a ela, a pena de galo encontrada debaixo da cama, a febre de Zeni, a data em que ela desapareceu, a garrafa de vinho que havia sido roubada conforme o pai dela havia relatado em seu relatório.
 
  Eu não conseguia entender o porquê de Zeni querer aquilo. O que ela desejaria tanto a ponto de fazer uma aliança com o diabo.   Foi aí que enfim entendi o porquê do desenho de Roberto. A garota, o diabo, o boi. Ele tentava protegê-la. Por isso havia ficado feliz a me ver. Ele não queria que ela fizesse isso. Pobre Zeni – Pensava com meus botões.
 
  Saí da delegacia certo de que ela realmente estava viva, e precisava encontrá-la antes que o pacto fosse selado. O delegado veio em minha companhia. Foram dois dias intensos, procuramos novamente, certos de que a encontraríamos em algum canto.
 
  Os dias passaram e me deparei com 39º dia, estava cansado, obcecado. Voltávamos de uma tarde estrememente exaustiva. Percorremos campos, fazendas, casas de moradores, acampamentos, tudo o que se podia imaginar, mas não havia sinal nenhum da garota. Eu havia me dado por vencido.
 
  A cidade estava de luto. O que antes era um paraíso, de repente se tornara um inferno. Não bastasse a morte das duas crianças, a primeira noticia que chega até mim é a de que José amanhecera morto na delegacia. Estava dependurado na grade enforcado com um cinto. Fui até lá e vi a cena degradante. Uma enorme tragédia.
 
  Eu precisava achá-la até meia noite. Minha arma estava na cintura. O delegado tal qual uma sombra me seguia.
 
 - Pra onde estamos indo? – Ele me perguntou entrando em meu carro e deixando a viatura a mercê do tempo, as nuvens acinzentadas tomavam o céu enquanto a lua nos despia de toda sua luz.  
 
 - Pra sua casa. Preciso de seu filho. – Contei-lhe tudo que seu filho havia me contado e ele boquiaberto me encarou atônito.
 
 - Eu vou dar uma coça nesse moleque! – Ele ameaçou.
 
 - Não, não vai. Preciso saber onde ele conseguiu isso. – Eu disse revelando o livro que ensinava sobre aquela lenda.
 
 - Familiá? – Onde conseguiu isso? – Ele voltou a indagar.
 
 - Seu filho deu a ela. – Eu revelei.
 
 - Mas, mas onde ele encontrou? – Ele perguntou surpreso.  
 
- Um maldito diabo. Um pacto. Vocês só podem estar loucos! Zeni quer criar um diabo!
 
 - Ela quer? Mas... – Ele dizia enquanto o interrompi.
 
 - Zeni precisava de alguém que tivesse a receita. Por isso ela seduziu seu filho. Aí ela ainda precisava de algo mais importante, o ovo de um galo. E quem poderia ter isso?
 
 - Baltazar, e seus galos de briga. – Ele raciocinou.
 
 - Baltazar! Mas ela não tinha dinheiro e então pagou o velho de uma maneira menos honrosa. E ainda tem a garrafa de vinho que ela roubara de seu pai. A garrafa para prender o diabo. E também há a encruzilhada. Ela foi até lá e ficou esperando, porém pisou encima de um formigueiro. Seu pé afundou na terra. Ela mesmo assim aguentou enquanto a febre chegava afoita. Tirou sua blusa, colocou o ovo debaixo da axila e fez um pacto com o diabo, entretanto o pacto só seria concluído se ela chocasse o ovo por quarenta dias, e isso termina hoje. Seu pai não podia saber, tampouco sua mãe. Ela então entrou pra dentro escondida. Mas eles foram vê-la e sua mãe percebeu a febre dela. E quando eles ameaçaram chamar o médico ela decidiu fugir. Pulou a janela, dava pra ver as pegadas na parede, pronto, desapareceu. Não foi levada por ninguém. Ela estava se escondendo o tempo todo, protegendo uma lenda idiota. Mas para quê? Seu filho deu o livro de receitas. Mas quem deu esse livro a ele? Você?
 
  - Eu não fiz um pacto com o diabo se é o que quer saber! – Ele respondeu rispidamente.
 
 - Pois é, então só há uma pessoa em sua casa que pode ter feito. Só não imaginava que tão bela assim sua esposa fosse capaz disso. – O homem me olhou ironicamente e sorriu.
 
 - Bela? Mas de quem está falando. Aquela velha? Judith é horrorosa. Não precisa mentir pra mim, eu mesmo não transo com ela há anos, se é o que quer saber. – A principio não entendi, mas de repente, percebi que tudo não passara de uma ilusão. 
 
  Chegamos até a casa e entramos, Joaquim estava sentado na sala, e pude ver a foto de Judith, ela era horrorosa, magra, raquítica, seus dentes podres e seus olhos não emanavam vida alguma. Os seios antes suculentos estavam caídos, despencados parecendo estar presos por um sutiã enorme. Ela então saiu do banho usando uma toalha e sorriu para mim, estava a minha frente e eu pude vê-la como ela era.
 
 - Olá detetive! – Ela me disse enquanto sorria desgraçadamente.
 
 - Então é isso. É isso que pediu a ele? Você tem um familiá? Você o usa para camuflar-se, para ludibriar homens que deseja? – Eu perguntei enquanto o delegado a olhava mascando seu fumo.
 
 - Por que acha que gosto tanto desse fumo. Prefiro isso a ter que beijar a boca dessa desgraçada! – Ele me disse cuspindo uma saraivada de tabaco.
 
 - Quem pegou meu livro? – Ela perguntou com a voz irritante de uma mulher mesquinha.
 
 - O seu pai disse que você havia roubado dele. Que você queria meu pai há muito tempo. E foi por sua culpa que mamãe morreu.  – Revelou Joaquim.
 
 - Baltazar é seu pai? – Perguntei completamente confuso.
 
 - Sim, ele é. – Disse o delegado. – Era um homem bom, mas sua mulher o traia e ele não suportava isso. Antigamente ganhava uns trocados com suas brigas de galo, mas ele teve seus olhos arrancados pelos seus próprios galos. Dizem que fez um pacto com o Diabo e criou essa daí, sua filha, após sua mulher ter morrido. Casei-me com ela há alguns anos, mas ainda me pergunto por que fiz essa loucura. – O delegado disse cuspindo seu mascavo como se amaldiçoasse sua própria vida.
 
    - Você usa seu familiá pra nos seduzir. É isso? – Naquele momento tive certeza que sim mesmo que ela não me respondesse. Olhei para o rosto da mulher e senti a total repugnância de meu ser. Eu havia sido enganado e o que mais me incomodava nisso tudo é que ainda assim eu não podia odiá-la. Naquele exato momento entendi o porquê do delegado não abandoná-la.
 
 - Não foram os galos, ele mentiu para todos. Meu pai furou seus próprios olhos quando minha mãe morreu. Ele não queria mais olhar para o diabo. Não queria pedi-lo mais riqueza, mais nada. Tudo que ele havia feito até então foi pela minha mãe e ainda assim ela o havia traído. Mas o diabo nos leva algumas coisas detetive. Como minha mãe. Mas ele te da qualquer coisa. O que você quer detetive? – Olhei-a confuso, ela parecia ler meus pensamentos e eu temi não ceder ao impulso de querer possuí-la outra vez. Aquilo não era um feitiço e sim uma maldição.
 
  - Vocês são um bando de loucos! Tenho que sair daqui. – Eu disse exausto enquanto me perguntava o real motivo de Zeni fazer aquela loucura. Olhei para Joaquim e vi que ele não podia realmente me ajudar. Mas se ela estava sumida há quarenta dias, como ela estava comendo? Alguém devia a estar ajudando, mas quem?
 
  O tempo não parava e eu podia ouvir os ponteiros sorrateiros e ao mesmo tempo inquietantes de meu relógio a cada segundo se deslocarem num estalo quase inaudível, entretanto permanecia compenetrado em meus pensamentos, raciocinando, esforçando-me para chegar a alguma conclusão. Eu precisava achá-la. Foi aí que algo me veio a cabeça.
 
 - Delegado, precisamos ir agora! – Eu o disse. O homem apenas assentiu com a cabeça e me seguiu. Entramos no carro e dei partida. Ele confuso me olhava enquanto o cheiro da poeira já não me incomodava tanto. Por onde passamos não havia fogueira sequer, estava tudo escuro, os postes de madeira sustentavam as luzes fracas que iluminavam nosso caminho. Os faróis do Opala batiam contra a terra batida e o cascalho solto. As ruas estavam esburacadas e os primeiros pingos de chuva começavam a bater contra o para-brisa do carro.
 
 - Para onde estamos indo? – Ele perguntou.
 
 - Para casa de Zeni. – Respondi com tamanha certeza. Olhei de relance para meu coldre e me perguntei se realmente algum dia puxaria aquele gatilho. Dirigi por mais alguns minutos, desbravamos a noite e lá estava a casa. Uma luz acesa chamava a atenção e nos guiava para o local. Descemos do carro e bati a porta, chamando por Tereza a mãe de Zeni.
 
 - Não deve ter ninguém aqui. – Disse e então o delegado sussurrou para mim.
 
 - Ouviu isso! – Ele disse com seu bafo fedorento e eu ouvi algo se mover dentro da casa, como se fosse algo se arrastando.
 
 - Quem está aí? Tereza deve estar no velório de José. – Ele disse.
 
 - Suponho que não. Vamos entrar agora. – Eu disse empunhando minha arma. Vasculhamos ao redor da casa e encontramos um pé de cabra. Arrombamos a porta e entramos seguindo o som do choro abafado e de algo arranhando sobre o piso. Chegando ao quarto, lá estava.
 
 - Não é possível! – Disse o delegado correndo na direção da cadeira que estava caída a nossa frente. – Quem fez isso?
 
 - A mãe é claro. Tudo está se encaixando agora. Ele estava tentando me avisar. Roberto fez aquele desenho para que eu a impedisse. – Eu olhava para a cadeira batendo contra o piso, Roberto estava amordaçado e amarrado a ela, sua testa sangrava pois ele bateu a cabeça contra o chão na tentativa de escapar dali. Ele babava e parecia furioso. Eu corri até ele.
 
 - Roberto, cadê sua mãe? – Eu perguntei.
 
 - Mãe, diabo, pacto, Zeni. Não cura! Não cura! Diabo querer Zeni, não adianta eu salvá-la! – Ele disse, parecendo não estar nada bem. Roberto estava alterado.
 
 - Onde sua mãe está? – Eu perguntei novamente.
 
 - Alto da arvore, brincar antes do acidente. Casa! – Ele disse apontando para uma foto sobre a cômoda. Olhei para foto preto e branco, andei até ela, fixei meus olhos e vi do que ele falava.
 
 - A casa da arvore que vocês brincavam. É lá que zeni e sua mãe estão. Precisamos ir! – Eu disse enquanto que o delegado me olhava pasmado. Antes dei outra vasculhada na casa enquanto que o delegado libertava Roberto.
 
 - O que você entendeu do que ele disse? – Ele me perguntou quando regressei.
 
 - É óbvio demais delegado. A mãe dele é a culpada. Zeni e a mãe tramaram tudo escondidas de José. Ele não sabia de nada. Roberto não aceitou, soube da morte do pai e se revoltou ainda mais. Ele disse que a mãe e Zeni estão envolvidas com o diabo, fazendo um pacto. De certo ele deve ter tentado detê-la. Ela é quem estava levando comida para Zeni.
 
 - Vamos para o carro, eu sei onde fica essa casa, cacei muito por lá. – O delegado disse enquanto ajudávamos Roberto a se levantar.
Dirigi por cerca de quarenta minutos, havíamos procurado naquela antiga fazenda, mas não tínhamos visto sinal da garota. Passamos pelo local do acidente e Roberto se mostrou agitado e então vi o trilho que entrava pela mata fechada.
 
 - É por aqui! – Disse o delegado enquanto eu encostava o carro. Roberto olhava para todos os lados como se estivesse com medo de um possível estouro de bois. Ele não voltava ali há tempos.
 
 - Calma rapaz, não há mais bois por aqui! – Seguimos pelo trilho cerca de dez minutos de caminhada. A noite caia e a chuva parecia querer surgir a qualquer momento, andávamos em fila, ouvindo os sussurros da noite, animais, pássaros, galhos se quebrando e o vento soprando e agitando as árvores que nos cercavam. E então vimos uma luz cerca de trinta metros a nossa frente. A casa de madeira velha jazia no alto de uma árvore. Pude ouvir murmúrios, e tive a certeza que era a voz da mãe de Zeni e de outra pessoa, uma garota cuja voz eu ainda não conhecia.
 
 - Zeni! – Gritou Roberto. As duas então apareceram na janela da pequena casa e pude vislumbrar o semblante preocupado de ambas que se entreolharam receosas.
 
 - Desçam daí agora! – Ordenou o delegado. As duas olharam para Roberto e desceram. Roberto estava confuso, e então correu para abraçar Zeni. Tentei impedir, mas não pude.
 
 Zeni era uma garota ainda mais bonita de perto, tinha um olhar sedutor, mas parecia bem mais magra que na foto. Mais próximo delas vi o ódio que a mulher emanava em minha direção.
 
 - Por que isso! Onde está o ovo? – Eu perguntei apontando a arma para as duas.
 
 - O que você tem com isso detetive? – A mãe perguntou. – Não vai nos atrapalhar, volte para sua cidade grande. É lá que é seu lugar! – Tereza me disse. O delegado a encarou e me aproximei dela e senti algo tocar minha nuca. Senti um empurrão e caí no chão. 
 
 
 - Minha cidade enfim tem algo mais chamativo. Um caso de verdade. E se eu solucionar isso poderei fazer esse lugar crescer. Pense no slogan, São João do Paraíso, a cidade das lendas malditas, ou melhor, a casa do Diabo. Ironia não, o paraíso ser a casa do Diabo. – Ele me disse apontando a arma em minha direção. – E não é um detetive que vive as sombras do velho pai que vai se intrometer.
 
 - O ovo está se quebrando mamãe. Ele está nascendo! – Zeni disse esperançosa enquanto segurava o pequeno e raro ovo em suas mãos. A casca estava sendo rompida por minúsculas garras escamosas, e um mísero choro maléfico, rouco e amaldiçoado já começava a ser ouvido enquanto os olhos pequeno diabo vislumbravam o mundo a sua volta.
 
  A garota, a mãe e Roberto estavam lado a lado, a mãe segurava a garrafa de vidro em suas mãos enquanto que o delegado mascava seu fumo e sorria mirando em minha cabeça. Ele preparou-se para apertar o gatilho e então veio o estouro e uma forte luz iluminou a mata enquanto podíamos ver a cerca de 30 metros as árvores desgarrando-se da terra e caindo seguindo como efeito dominó.
 
  O delegado surpreso virou-se para tentar entender o que era aquilo e num súbito abracei a oportunidade e apanhei minha arma para ele. O homem não satisfeito com a situação e obstinado virou-se novamente para mim e como a primeira vez sua barriga enorme queria saltar para fora da roupa. Ele cuspiu pela ultima vez o seu maldito fumo e antes que ele puxasse o gatilho disparei pela primeira vez.
 
  A bala bisonha e ligeiramente adentrou pelo pescoço do delegado e varou na nuca, ele caiu se engasgando com seu próprio sangue. A ultima coisa que ele viu foi o diabo, que com sua pele visguenta e amaldiçoada era colocado dentro da garrafa. Mais a nossa frente o Veraneio foi barrado por uma enorme arvore e silenciou-se abruptamente, a fumaça saiu do motor, antes barulhento enquanto os faróis ainda nos iluminavam. De dentro do carro Joaquim saiu vindo em nossa direção.
 
 - Zeni! Não faça isso! – Ele implorou enquanto que ela e a mãe já estavam sob minha mira.
 
 - Larguem isso agora! – Eu disse apontando a arma para as duas.
– E você, garoto, fique onde está! – Eu ordenei. Mas Tereza sacou uma faca e disse que não iria permitir que eu atrapalhasse ela a recuperar seu filho. Que só ela e Zeni entendiam aquela dor, nem mesmo José as compreendia e por isso não puderam lhe contar nada. Eu queria que ela recuasse, mas ela avançou. Atirar em uma mulher era algo ainda mais difícil entretanto não tive escolhe, disparei enquanto ela corria com a faca içada, e bradando feito uma lunática endemoniada. O impacto fez com que ela caísse para trás, a bala acertou em seu peito e ela caiu morta. Zeni e Roberto gritaram desesperados por sua mãe.
 
  Zeni me amaldiçoou e então segurou a garrafa pronta para possivelmente pedir que eu morresse naquele exato momento, enquanto que Joaquim abraçava seu pai caído no chão.
 
 - Não faça isso Zeni! Eu pedi. Apontei a arma e vi Roberto se projetar na frente dela. Ele balançou a cabeça negativamente e chorou tirando a garrafa das mãos de Zeni que a principio relutou, porém ele era mais forte a arrancou dela.
 
 - Eu bom assim Zeni. Não arrepender de salvar você, não querer te perder sempre. – Zeni chorou, as lágrimas surgiram feito cascata de seus olhos e eu sabia o que fazer. Apontei a arma na direção deles. Fiz sinal para Roberto e ele entendeu. Lançou a garrafa para o alto e abraçou a irmã.
 
 Mirei e disparei contra o vidro, ouvimos apenas o som arranhado de um grito de despedida, um grito demoníaco, mas quase mudo. O diabo estava morto, assim como o delegado e Tereza. Zeni caminhou até Joaquim e abraçou. Ele se mostrou feliz por vê-la bem e juntos saímos dali.
 
  No outro dia de manhã, preparei-me para sair daquela cidade. Despedi-me de todos, deixei que Judith continuasse com seu familiá, mas acho que ainda estava enfeitiçado por ela, mesmo após saber que tudo não passava de uma ilusão, inclusive sua beleza. Zeni e Roberto foram morar com os tios em uma cidade vizinha, uma cidadezinha pacata como a própria São João do Paraíso. Antes de me despedir dos dois, Zeni veio até mim.
 
 - Obrigado por me salvar das garras do diabo. – Ela agradeceu com um leve sorriso. Eu a olhei, uma garota aparentemente inteligente, sensível, que enfim estava livre da culpa que sentia pelo que havia acontecido com seu irmão. Lembrei-me de cada pista, de cada uma delas. Olhei-a nos olhos e lhe disse:
 
 - Tome cuidado garota. – Eu a disse
 
 - Você também, detetive. E... – Ela dizia.
 
 - O que? – Perguntei curioso.
 
 - Cuidado com o que vai desejar. – Ela disse para mim sorrindo. Eu entendi prontamente a sagacidade dela. Rumei para minha cidade, deixando para traz a poeira de um caso solucionado. Encontrei tudo como antes, o cheiro da poluição, o transito intenso, o rebuliço da cidade grande e todos os prazeres daquele mundo de que eu tanto sentia falta.
 
  Entrei na delegacia certo de que minha promoção estaria sobre a mesa. Caminhei pelo corredor sob os olhares de todos. Pareciam sérios e surpresos. Na metade do caminho, vi a primeira caricatura desenhada em papel oficio. Era um diabo abraçado a mim. E pelo restante do corredor haviam várias outras, xerocadas. Todos vendo minha total frustração começaram a rir e cochichar.  Continuei firme até a sala de meu superior que me aguardava a porta.
 
 - Bom dia detetive. – Ele me cumprimentou.
 
 - Bom dia senhor. – O respondi enquanto as mãos dele pousaram em meu ombro.
 
 - Me responda uma coisa. Que diabos você bebeu ou usou naquela cidade para me escrever um relatório tão idiota como esse. – Vi-me acuado, entramos na sala e ele aumentou o tom de voz. – Acha que isso é uma piada? Te dei uma oportunidade em consideração a seu pai e esse relatório absurdo é sua resposta?
 
 - Mas... – Eu tentava falar.
 
 - Mas nada! Você não pegará caso algum aqui rapaz, e nem em nenhuma unidade. Foram cinco mortes enquanto você esteve na cidade. E o pior é que não havia sido nem um sequestro. Sabe o que isso está refletindo sobre esse departamento? – Ele me perguntou apontando o dedo para minha cara.
 
  Não houve conversa, pelo menos para mim não. Saí da sala e fui em direção a minha mesa pegar meus pertences. No caminho as lágrimas teimavam em rolar. Um misto de duvida e certeza tomava meu ser. Pensei se realmente estava disposto a fazer aquilo. E então olhei para minha maleta.
 
 Lembrei-me do que Zeni me disse; “cuidado com o que vai desejar”. E então eu decidi, era hora de virar o jogo. Não me restava mais alternativa alguma. Eu teria o que eu sempre quis.
 
  Dobrei o corredor mudando meu rumo e segui até o banheiro. Não havia ninguém. Todos na verdade me esperavam ansiosos em ver minha desgraça, mas eu tinha um trunfo. Eu tinha o diabo.
 
  Abri a maleta como quem abre um bombom que tem um desejo surpresa. Ou quem esfrega uma lâmpada mágica, irrequieto, tenso. O que eu faria a seguir mudaria toda minha vida. Enquanto a brecha da maleta se abria, e revelava meu talismã, me lembrei de como eu o pegara.
 
  O delegado estava desamarrando Roberto e eu ainda tentava entender as pistas, todas se amarravam até então. Porém o que realmente me estranhava era a maldita pena debaixo da cama. Depois que havia lido o livro de receitas, tive a certeza que havia algo de errado. Caminhei seguro que encontraria a resposta. Ao chegar no quarto de Zeni destrocei o travesseiro, rasguei-o em pedaços sobre a cama e então ele caiu, quente, vivo, pronto para sair da casca. Um segundo ovo estava escondido ali, como uma apólice de seguros. Sendo chocado dentro do travesseiro, por todos aqueles dias. Apanhei-o e coloquei no bolso indo de encontro ao delegado e a Roberto. Mas não tinha certeza se teria corajem de usá-lo.
 
 
  Olhando agora para a garrafa e vendo o pequeno diabo através do vidro, sinto que posso ter tudo o que quero. O olho nos olhos nesse momento e ele parece-me sedutor. Suas orelhas pontiagudas, sua pequena calda escamosa e seu corpo visguento não me assustam. É como se ele fosse um animal de estimação ou quiçá uma criança com poderes especiais, capaz de realizar todos meus desejos. E o melhor de tudo é que ele é meu.
 
  E agora o que fazer? Bem, vou fazer meu primeiro pedido e selar logo esse pacto.
 
 Portanto, eu desejo...
 
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Fim!
 
Esse conto dedico a querida Zeni, que sempre está presente nessa humilde página.
 
Obrigado querida por todo carinho que expressa por nós, esses autores do recanto, desse nosso recanto.
 
A todos um forte abraço e que Deus lhes abençoe e ilumine sempre!
 
 
Sidney Muniz
Enviado por Sidney Muniz em 25/03/2012
Reeditado em 30/03/2012
Código do texto: T3575069
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