O MISTÉRIO DO VELHO CASTELO - PARTE 12
-Certo dia me deparei com uma situação nada agradável. Foi pouco antes de eu me mudar. Eu estava indo na casa de meu vizinho buscar minhas ferramentas, quando o encontrei caído no chão. Sempre soube que ele fora um alcoólatra, mas do jeito que ele estava ali, a forma como havida morrido, aquilo era horrível. Pior do que isso foi ver seu filho de seis anos chorando em pé, ao lado da porta. Procurei pela mãe dele e ela estava na cozinha com um cigarro na mão. Chamei por ela várias vezes, até que me dei conta de que também ela estava morta.
-Que situação Sr. Ricardo... O que o senhor fez?
-Isso não me assusta Armand. Trabalho na polícia há 25 anos. Já encontrei coisas muito piores de se ver. Tirei o menino de lá e o levei a delegacia. Ele ficou lá, sentado por umas duas horas até a assistente social ir busca-lo. Senti pena da criança, descobri que iria para um orfanato pois não tinha família nenhuma além de seus pais que eram dois viciados...
Enquanto Armand e Ricardo conversavam, o pequeno poodle saboreava um prato de arroz com pedaços de carne de galinha. Após tanto tempo sem comer, em menos de 02 minutos limpou a tigela e começou a latir, pedindo mais. Era de se notar que era um cachorro animado. Apesar de fraco, a comida já o fizera se esquecer dos horrores vividos no porão.
-Olhe nosso amigo Armand... Parece que ele quer mais comida – Ricardo se levantou, tirou dois pedaços de frango do forno e os colocou na tigela do cãozinho, misturando mais um pouco de arroz.
-Precisamos dar um nome a ele senhor Ricardo, ao menos enquanto estiver conosco.
-Bem, não me vem nada à cabeça. Por mim pode escolher o nome à vontade.
-O que acha de Rex?
-Meio clichê não? Mas tudo bem... Rex é um bom nome. Bem Armand, já está ficando tarde – Ricardo olhou para o relógio da cozinha. Eram 17 horas – Vou até o armazém comprar carne seca, logo após vou passar no tintureiro e pegar um terno meu. Antes de escurecer já estarei de volta. Enquanto isso, eu preciso que você fique aqui e termine as caixas. Leve o Rex no porão com você, assim terá companhia. Quantas caixas faltam?
-Oito caixas. Mas já embalei as maiores. Termino a tempo de o senhor voltar.
-Certo Armand. Bom, estou indo lá. Você acha que termina até 17:30? Se não me engano o rapaz virá aqui antes das 18 horas.
-Certamente Senhor. Devo convida-lo a entrar?
-Não. Peça a ele que espere na porta. Assim que terminar de embalar as caixas, leve todas para cima e as deixe na sala. O resto o próprio rapaz fará quando chegar.
Dito isso Ricardo deu meia volta e se foi. Armand o acompanhou com o cachorro no colo, e seguiu em direção ao porão. Passando pela sala, Ricardo pegou sua capa vermelha e seu chapéu e saiu, fechando a porta atrás de si. Uma vez sozinho Armand entrou no porão e acendeu a luz. Só então se lembrou da voz que escutara lá embaixo. Ressabiado, seguiu em direção à mesa, dando crédito a sua imaginação por aquele acontecimento.
-Vem Rex. Aqui!
O cachorro obediente deitou-se de barriga no chão, e calmamente apreciava o trabalho de Armand, alheio a escuridão sombria daquele lugar.
Armand se concentrou, e em poucos minutos terminou seu trabalho. Levou as caixas até a sala, as maiores com alguma dificuldade. Colocou-as próximas ao enorme relógio de madeira e foi para cozinha preparar um chá. Havia conversado tanto com o Senhor Ricardo e acabou não comendo nada. Rex havia se deitado no tapete da sala e agora dormia relaxado.
-Bom, vamos ver o que tem para se comer nesta casa.
Armand preparou um lanche e o comeu ali mesmo na cozinha. Ia se levantar e subir para o seu quarto quando o cachorro começou a latir.
-Deve ser o homem das caixas – pensou ele.
Caminhou até a sala quando viu que o cachorro latia em direção ao porão e não a porta de entrada da casa. Armand não estranhou. O fato de o porão ser enorme e que podia estar cheio de ratos lhe passou pela cabeça.
-Fique quieto! – esbravejou.
O cão o ignorou e continuava latindo freneticamente.
-Porcaria... Está certo, está certo... Vou descer lá...
Armand abriu a porta e Rex entrou correndo sumindo em meio à escuridão.
-Venha cá seu sarnento! Mas que droga... – ele fechou a porta atrás de si e acendeu a luz. O cachorro não estava lá. No fundo do porão, em algum lugar que ele não enxergava, Rex latia furiosamente. Estava descontrolado. Não parecia o fraco cachorro que ele havia encontrado á uma hora atrás – certo, vou buscar uma vela.
Ignorando os latidos estridentes do cão, Armand foi até a cozinha e voltou com a vela acesa. Entrou novamente no porão e se dirigiu em direção aos latidos do cão. O que encontrou a princípio o chocou, mas lembrando-se do hobby do senhor Ricardo, respirou aliviado. Sobre um canto do porão, havia umas 10, talvez umas 12 carcaças de animais amontados. Uns inchados, outros em pele e osso, mas todos cuidadosamente abertos exalando um cheiro fraco de formol. Certamente Ricardo os havia preparado para depois os empalhar. Armand apenas não entendia o porquê de deixar os animais secando no úmido porão ao invés de no jardim, por exemplo.
-Talvez ele não queira que ninguém saiba – pensou. -Certamente deve ser por isso que os mantém aqui.
Rex agora não latia mais. Havia se sentado no chão e olhava Armand, com uma cara enigmática. Ele abaixou e o pegou no colo, pronto para sair do porão.
-Cachorro idiota, me fez descer até aqui por nada!
Quando Armand o pegou, viu que ele estava sentado em cima de uma foto. Ele soltou o cachorro de lado, pegou a foto e a observou. Um casal morto, em cima de uma cama com a caixa peitoral aberta e um pentagrama desenhado sob a cabeceira. Em volta deles, velas, que pela tonalidade da foto, Armand julgou serem pretas ou vermelhas.
Assustado, colocou a foto no bolso e pegou o cachorro no colo.
-Venha, vamos sair daqui.
Seguiu em direção à luz acesa próxima a saída do porão, quando a mesma se apagou. Somente com a luz da vela, seria muito difícil achar a saída, de forma que a mesma não iluminava quase nada a não ser o seu rosto e um pedaço do chão. Respirando e procurando manter a calma, Armand olhou para o chão e viu Rex atento, com as orelhas em pé ao seu lado. Abaixou o pegou no colo, sem perceber o rosto vermelho que aparecera atrás de si.
Sentiu que havia algo de errado e olhou pra trás. Nada.
-Calma... É o escuro... Não tem nada aqui...
Seguindo em direção aonde julgava estar a lâmpada queimada. Ele esbarrou em uma caixa. Olhou para baixo, e percebeu que ela estava cheia de fotos. Pessoas mortas, outras pareciam estar drogadas... Um misto de morte com sobrenatural. Foi quando uma das fotos chamou sua atenção. Havia alguns caixões abertos, com corpos sem cabeça. Os caixões estavam dispostos em circulo, e no centro, outro caixão menor, com várias cabeças humanas, e sobre a extremidade, uma cabeça de bode, que parecia sangrar sobre as outras embaixo dela.
Armand estremeceu. Percebeu que estava suando frio. Pegou a foto e a guardou no bolso de seu casaco.
-Tenho que sair daqui...
O silêncio do lugar o incomodava. Nem mesmo Rex fazia barulho, de forma que ele só conseguia escutar a maldita água correndo. Foi quando se lembrou de que havia encontrado o cachorro próximo ao córrego. Resolveu ir até lá, quem sabe se lembraria do caminho.
Quando estava bem próximo, ouviu um dos potes com formol cair ao chão e quebrar. Pronto, com esse barulho ele acharia a saída. Seguindo a passos rápidos para não se perder novamente, se descuidou e fez com que a chama da vela se apagasse. Agora sim ele estava encrencado.
Riscou um fósforo e acendeu. No meio da tênue chama, viu um rosto desfigurado surgir na escuridão.
-Merda... – Armand gelou.
A chama apagou. Tremendo, riscou outro fósforo e viu o rosto sobre si em forma de uma grande gargalhada. Assustado, jogou o fósforo no chão correu procurando inutilmente pela saída. Rex havia ficado para trás latindo furiosamente, como antes de eles entrarem no porão.
Armand olhou para trás e viu que uma sombra, muito mais negra que a escuridão, vindo em sua direção. O que ouviu, o deixou ainda mais aterrorizado. Um misto de gemidos e suspiros sôfregos invocando nomes de pessoas que ele conhecia.
-Ricardo... Armand... A família... Os Monteiros...
Apavorado, ele riscou outro fósforo e viu Rex correr em sua direção. Armand ainda corria olhando para trás, quando tropeçou e caiu no chão. Desesperado, quando estava ficando de pé, sentiu uma mão agarrar seu tornozelo e o puxar para trás. Ele foi arrastado, e sua perna queimava, quando subitamente tudo parou. Aquele inferno havia sido interrompido pela luz que entrava no porão.
-Tem alguém ai?
-Sim! Estou aqui! – “Até que enfim, rapaz das caixas”.
Armand correu até o homem e o cumprimentou.
-Obrigado por abrir a porta. Deixei minha vela apagar. Você não tem noção de como este porão é grande.
-Ah tenho sim – respondeu o homem.
Dito isso, ele seguiu em direção à porta e desapareceu. Armand ficou perplexo. Será que estava ficando louco?
Chamou por Rex, e ainda assustado, saiu do porão, fechando a porta atrás de si. Estava quase escuro. A pouca luz do dia era suficiente para que ele enxergasse. Olhou pela janela e viu meninas brincando na rua, garotos correndo, pessoas indo e vindo. Enfim, ele estava de volta à normalidade.
Armand não sabia onde ficava o gerador. Olhou para lareira e acendeu o fogo. A luz era tudo o que ele precisava agora. Tenso, sentou-se no sofá pensando no que havia acabado de presenciar. Tirou as fotos do bolso e as observava.
-Alguém em casa? – uma voz ressoou do lado de fora, seguida por algumas batidas na porta.
-Sim? É o rapaz que veio buscar as caixas?
-Sim senhor! –bradou a voz do outro lado.
-Um momento, por favor! – Armand se levantou e abriu a porta. Do outro lado, um rapaz alto o esperava.
-É por aqui. As caixas estão ali. Quer que eu o ajude?
-Não, obrigado senhor. A propósito, meu nome é Eduardo.
-Prazer.Me chamo Armand. Vamos, vou ajuda-lo.
Armand carregou algumas caixas e as colocou sobre uma velha carruagem parada sobre a calçada. Terminado o serviço, Eduardo o agradeceu e foi embora. Agora mais calmo Armand voltou para a casa, mas não entrou. Sentou-se na escada em frente e esperou. Achou melhor respirar um pouco de ar fresco e assim, aguardou pelo retorno de seu patrão.
Continua...