Chapéu Vermelho de Sangue

A moça olhava a poeira que levantava quando o carro vinha, já estava escurecendo, fechou a janela pra não sujar a casa, acabara de limpar. Sua mãe entrou com as comprar da semana e botou em cima da mesa.

- Está uma muvuca na cidade, outro morto com buracos pelo corpo, o delegado Santini diz que está sobre controle, mas é mentira, dava pra ver no rosto dele que não tinha nada sabia sobre o crime, aquele delegado é um parvo. Com esse já são cinco mortos, e você Karina querendo se mudar da fazenda e ir pra cidade...

- Não vem com esse papo de novo mãe, aqui também tem assassinatos, lembra quando aquele fazendeiro teve os dois braços arrancados por facão. E deixaram ele no meio dos bois sangrando. E isso aqui não é uma fazenda, é uma porra de um sitio.

- Olha a boca mocinha, é o povo da cidade que te influencia desse jeito. Ainda bem que esse ano você acaba a escola e não tem contanto mais com eles.

- Acabo a escola? Eu estou na oitava série, tem três anos de colegial ainda.

- Até a oitava já tão bom, eu só fui até a quarta série e não sou nenhuma jerica. E seu falecido pai nem estudou.

- E se arrependeu disso até o ultimo suspiro. Ele me disse pra mim me tornar alguém na vida - Karina é interrompida pro uma buzina vindo de fora - Deve ser o Marcio.

- Quem é esse?

- Um colega meu, agente vai sair...

- Você não vai.

- Mãe, hoje é sexta.

- Por isso mesmo, dia de semana, já tá ficando escuro e você tem que me ajudar a dar comida aos porcos. Se quiser sair, sai amanhã que é sábado, hoje não é dia disso.

Karina foi lá fora e explicou a situação para Marcio. Ele disse que estava tudo bem, e foi embora, ela ficou observando carro ir embora sobre a luz da lua cheia. Márcio resolveu pegar o atalho entre a floresta que cercava as chaçaras, era mais rápido pra chegar a rodovia, porém mais deserto e o caminho mais esburacado, havia momentos que quase parava o carro pra passar por tanto buraco. Num desses momentos viu um vulto correndo entre as arvores, foi bem rápido e era grande. "Uma jaguatirica" pensou ele. Chegando em uma grande descida ele nem acelerou, o carro descia sozinho, quando estava no ponto mais baixo algo muito forte caiu sobre o capô, ele brecou e viu duas pernas peludas em sua frente "Um lobo? Não há lobos aqui" A criatura se abaixou e ele viu os enormes dentes enquanto rosnava, e via as mãos enormes, realmente não havia lobos ali, apenas homens-lobos. Uma das mãos do monstro quebrou o vidro e o agarrou pela garganta, puxou-o pra fora mas seu peito se estraçalhou no volante com o impacto da puxada, seu corpo não saiu pra fora, mas a cabeça sim, sai na mão do lobo que uivou na noite.

Já era sábado a noite, Karina estava esperando a chegada de Márcio, enquanto sua mãe fazia quitutes na cozinha ela xingava o mau tempo que fazia a internet via radio cair.

- Filha, leva estes doces pra sua vó, assim ela se esquece da doença. E pega a capa que ela te deu de aniversário, porque pode chover. E não vai pela floresta, lá tem onças e bandidos escondidos.

Karina nem retrucou com mãe, e foi a contragosto, sabia que ficar discutindo só atrasaria tudo. Nem argumento que ali não existe onças e sim jaguatiricas, não disse que a capa vermelha que sua vó fez era de uma pano que se molhasse ficaria pesado, mas pôs o gorro vermelho mesmo assim, por causa do vento que levava terra aos seus olhos. Não disse também que sua vó tinha duas e não uma doença. A vó se recusava a ir ao médico, iria se tratar só com coisas da natureza e Karina sabia que iria morrer por causa disso.

Não por causa da Síndrome de Moebius, que é o não desenvolvimento de nenhum nervo facial, sua vó carece de expressão facial. Não pode sorrir, nem franzir a testa.Também não pode mover lateralmente os olhos nem controlar a piscada dos olhos. Com freqüência é encontrada dormindo com os olhos abertos. Têm grandes dificuldades em soprar, engolir, falar e qualquer atividade na que estejam implicados os músculos da face.

Mas morreria por causa da Fibrodisplasia ossificante progressiva, esta doença dão-se episódios repetidos de inflamação dos tecidos macios e o desenvolvimento de tumores subcutâneos e nos músculos. Estas lesões provocam a formação de osso em lugares onde nunca deveria existir osso, como ligamentos, músculos, tendões, articulações. Os traumatismos também desencadeiam e fazem avançar a ossificação dos tecidos macios. Progressivamente, sua vó irá perdendo cada vez mais a mobilidade até que, por impossibilidade de movimento da musculatura encarregada da respiração, vai morrer por asfixia.

Não queria pensar nisso agora, olhar pra sua vó com essas doenças era muito ruim, lhe causava mal-estar a aparência da avó. Resolveu pegar o caminho da floresta pra chegar mais rápido e foi cantarolando uma musica idiota. Mas parou de cantar quando viu no ponto mais baixo da estrada um carro parado e com frente amassada. Resolveu voltar pra trás, mas uma ultima olhada mudou tudo, viu que era ao carro de Márcio. Desceu correndo e viu algo que não queria. Márcio sem cabeça e com o peito esmagado no volante, quis gritar, mas um uivo assustador a fez perder a voz. Olhou pra cima e viu um ser alto, esquálido, peludo.

Correu por entre as arvores mas a criatura era rápida, sentiu as unhas dela na carne de seu braço, mesmo sangrando ela continuo correndo. Mas a criatura a golpeou mais uma vez, agora nas costas, Karina caiu no chão, o monstro veio com a boca arreganhada em sua direção, ela fechou os olhos esperando o pior, mas nada aconteceu.

Quando resolver abrir, viu outro homem-lobo, este maior, as duas criaturas duelavam em uma briga sangrenta, Karina correu, e correu mais ainda. Quando se deu conta estava no sitiozinho de sua vó, seus pés doíam, tirou o sapato, seu pé esquerdo tinha uma enorme bolha que estourou em sangue quando pisou no chão.

Entrou na casa, se a vó antes era difícil de se olhar agora era pior, seu rosto sem expressão agora não existia mais, seu rosto foi comido por inteiro, as costas deformada estava cheia de mordidas e seus ossos irregulares saltava expostos da carne. A chuva começou lá fora, uma raio iluminou tudo e Karina viu a sombra da criatura na janela, correu pra cozinha e escutou a janela se quebrando, pegou uma faca na pia e se escondeu embaixo da mesa. Em vão, o lobisomem jogou a mesa longe, mas ela foi rápida e passou a faca no tendão direito do monstro. Correu pra fora e o monstro atrás dela mancando.

Karina se escondeu na parede ao lado da porta, quando a criatura saiu ela desferiu três facadas na barriga dele. Mas o homem-lobo lhe deu uma patada no rosto que lhe arrancou a orelha esquerda. Karina se lembrou que um vizinho cortava madeira pra vó pra ela se esquentar no frio e que o machado estava guardado no quartinho atrás da casa. Correu pra lá, o monstro atrás dela, Karina jogou a faca bem no meio da testa dele, mas a criatura tirou o objeto da cara como se fosse nada.

O monstro correu com a cara ensanguentada na direção de Karina. Ela pegou o machado no quartinho e correu também com o rosto ensanguentado em direção ao monstro. Ele veio com a boca aberta, mas ela rápida se ajoelhou no chão quando se encontraram e passou o machado em uma das pernas da criatura, a decepando, muito ágil Karina rodou o machado e arrancou a outra perna dele, enquanto a criatura caia com tentando abocanhar ela, Karina se levantou e disferiu um golpe de machado na vertical arrancando a frente do rosto do lobisomem. Estava toda suja de sangue, o corpo do monstro morto tomou forma de humano, Karina virou o pedaço de cara dele no chão pra ver se reconhecia. Era por isso que o delegado Santini não tinha provas dos assassinatos, era ele o homem-lobo.

No topo da arvore a outra criatura observava, mas virou as costas e foi embora.

Uma garota novinha toda ensanguentada contando histórias de homem-lobo não é fácil acreditar. Ela foi presa pelos assassinatos de Marcio, da Avó e do Delegado Santini. Mas como insistia na surreal história de que havia outro homem-lobo ela foi parar num sanatório. Sua mãe não aguentou e se enforcou. O fato tomou proporções mundias, mas a história da garota de chapéu vermelho levando doces para a vovozinha e enfrentando homens-lobos não era nada fofa.

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Karina acordou no sanatório e deu de cara com um enorme homem negro, quase 2 metros de altura.

- Olá Karina, acredito em sua história.

- Quem é você?

- O homem que te ajudou naquela noite. O outro lobo. Mas apesar do apelido eu não sou da turma dos vilões. Seus dotes para lutar com aquele lobo foram incríveis, mas você precisa de treinamento. Existem muitas coisas por ai, minha organização luta todos os dias contra eles. Pode me chamar de Lobo Mau e eu vim te recrutar pro grupo.

Renan Pacheco
Enviado por Renan Pacheco em 17/03/2012
Reeditado em 18/03/2012
Código do texto: T3560061