Um Fantasma de Santos

Em noite de lua-cheia, a vaguear as ruas da velha Santos, de seus centenários bondes, portos e barcos, caminhava solitário o pobre vagabundo, seguindo aos fundos da antiga estação de trens, pensando assim, clandestinamente evadir as limitadas barreiras, embarcando no trem Cometa, na última viagem do dia, rum ao planalto paulista.

Sem dinheiro, faminto e parcialmente tomado de embriagues, sua intenção era seguir até a Estação da Luz e lá perturbar o sossego de um amigo que conhecera há tempos.

Com o endereço rabiscado em uma carteira vazia de cigarros, carregava em si a esperança de na manhã seguinte de domingo poder desfrutar de uma bela refeição, cozida pelas doces mãos de dona Rosa.

E assim se fez. Ao chegar à composição, a presença de alguns guardas intimidou-lhe a ação de adentrar nos carros de primeira ou segunda classes, fazendo-o, em manobra arriscada, embarcar nos vãos da velha locomotiva que rebocaria o comboio serra acima.

Após o apitar do maquinista, o trem partiu. O desconforto e os riscos de tal empreitada, certamente seriam compensados pelo que a capital haveria de lhe proporcionar.

Entretanto no meio do caminho, a chuva na serra tomou conta da viagem. Aquele Filho de Ninguém sentia os respingos gelados e dolorosos tomarem-no completamente. Em um ato de desespero, tentou saltar da locomotiva em direção ao primeiro carro de passageiros, escorregando e caindo nos trilhos, sendo cortado aos pedaços pelos rodeiros que se seguiam. Ninguém notou tal acidente e o trem se foi lentamente. Este vagabundo sem nome encontrou seu jazigo ali mesmo, nos trilhos, e as aves e criaturas dos matos deram conta de findar o que restou, usando-o como alimento para suas crias.

Os anos se passaram. O trem Cometa virou ferrugem nos trilhos de Paranapiacaba. A tal locomotiva transformou-se em peça de museu e a estação de Santos está fechada.

Ainda assim, vigilantes que rondam por ali para espantar os noias que tentam fumar seus baseados nas linhas, conseguem ver, ofuscadamente um antigo fantasma, em uma noite escura, naquela velha estação da baixada, cambaleando faminto e sujo, o Filho de Ninguém aguarda ansioso a partida do próximo trem, rumo à São Paulo, na esperança de dormir aquecido e de experimentar a refeição de uma tal de dona Rosa.

Paulo Farias
Enviado por Paulo Farias em 16/03/2012
Código do texto: T3557468
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