Pesadelo Real
Ela acordou como sempre acordava todas as noites: as três horas da manhã. Olhou o relógio de cabeceira, como sempre fazia apesar de já saber que horas seriam. Havia anos que sempre acordava nesse mesmo horário. Parece que alguém a despertava, para fazer-lhe se sentir mal, ter maus pensamentos e lembrar-se de coisas ruins que aconteceram. Para fugir disso, passou a ir para a cozinha tomar um copo d’água gelada e depois ia para a sacada observar o mar. O mar sempre lhe acalmava as angustias da alma. Diante da imensidão do oceano ela se sentia pequena e insignificante, e sua angústia diminuía proporcionalmente também.
Houvera tempo em que orava, orava de forma fervorosa a Deus. Mas a proximidade com Deus, fez suas orações ficarem sem sentido. Deus ensinara-lhe a ver o mundo como algo para sempre estragado e suas orações não fariam com que o mundo se tornasse melhor. Suas orações não protegeriam as pessoas ou ela própria da maldade e injustiças. Então ela se limitava a pensar em Deus, a contar-lhe suas angústias, seus medos, suas tristezas. Sim estava triste havia uns meses. Sua alma angustiada tinha trabalho em carregar consigo seu corpo pesado. Queria dormir o tempo todo. Pensar fazia doer a alma. Nada era o suficiente para deixá-la feliz ou animada.
Aquela noite porém sentiu algo diferente e muito ruim. Teve um medo macabro. Olhou para seu marido que dormia tranquilamente voltado para a parede de costas para ela. Deixou-o na cama e foi para a sala. Lá chegando teve uma surpresa desagradável, seu marido estava sentado no sofá acordado e olhou para ela naturalmente. Ficou em pânico! Como poderia? Ela acabara de deixá-lo no quarto. Algo errado estava acontecendo. Ele parece que percebeu seu pavor, e deu-lhe um sorriso apavorante, gelado e demoníaco. Levantou-se do sofá e veio em sua direção, agindo como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.
Quem é você? Perguntou desesperada. Ele riu e respondeu apenas: Sou seu marido, oras. Qual o problema? O que há com você? Está louca? Continuou a se aproximar dela lentamente... ela deu passos trôpegos e desesperados para trás. Tinha medo de se virar e correr. Tinha medo de estar enlouquecendo. Mas aquele não era de fato seu marido. Era um completo estranho, com um riso sarcástico na boca. Ela correu até o quarto. A única forma de fazer essa criatura maligna sumir era acordar seu marido adormecido. Foi até ele na cama, e tocou suas costas de leve: Amor acorde! Ele permaneceu imóvel. Ela o sacudiu com mais força, seu corpo estava rígido como na morte. Ela tornou a sacudir cada vez mais desesperada. O homem estranho parado na porta, rindo em deboche do desespero dela. Como se soubesse que quem estava no controle era ele. E seu marido era apenas um fantoche sem vida nesse momento.
Ela puxou –o pelo pijama, fazendo –o virar –se para ela. Seu rosto inerte se virou e ela encarou desesperada aquela pessoa amada e sem vida. Sua face estava pálida, a boca vazia de expressão. Ele estava completamente vazio e sem alma. Ela entendeu que não adiantava sacudi-lo. Começou a gritar desesperada e aos prantos com ele:
_ Por favor, acorde, acorde, acorde...
Mas ele não acordava. E talvez não acordasse nunca mais.