Socorro! (O horror da vida real)
Socorro!
Por Ramon Bacelar
Em uma noite escura e chuvosa, um bêbado com uma garrafa de pinga na mão - à procura do último bar -, ouviu pela terceira vez um chamado distante.
“Socorro!”
— É a tua seu bosta! Fala di novu que eu infiú esse garrafa bem no meio...
“Socorro!”
— Miseráviú! Mim deixa em paz!!
Irritado e encharcado dos pés à cabeça, tampou os ouvidos e por fim encontrou abrigo nos fundos de um hospital.
— Tem gente qui num tem mermo o qui fazê ... Acho... – bocejou - ...acho que vou durmir um pouquinho pra isquecer dos pobrema. – diz a si mesmo.
Mal pegou no sono, despertou com um grito de medo: “Socorro!”
— Vixi meu Deus, um socorro dentro de mim; esses pesadelo num me deixa em paz! – pausou irritado e respirou fundo – Mas que fedor disgraçado de ruim! Vô imbora.
Antes de alcançar a calçada, ouviu um miado emanando do fundo de um beco. Solitário e curioso, vasculhou a escuridão e encontrou um bichano, de rabinho pra fora, entalado em uma imensa lata de lixo.
— Vixi Maria bichinho, que qui tu tá fazendo infiado no meio desse fedozão?! – olhou para cima com cenhos franzidos - A chuva passô... Vamú imbora daqui.
Colocou-o no colo, porém antes de partir, a lata de lixo sugou sua atenção com uma visão; suspirou incredulamente e com os olhos marejados, mergulhou em memórias aparentemente extintas; cerrou os punhos e disse ao bichano:
— A festa foi das boa! – retirou o achado da lata - Desde criança que eu não encho uma bola de soprar... e da merma corzinha das bola do meu aniversário de deiz ano. Óia só!!
Ele soprou, soprou, mas o pobre coitado – alcoolizado que estava – não notou que tentava inflar um feto morto.
— Huuumm... Acho que tá cum pobrema, num enche de jeito ninhum.
Pegou um cordão umbilical e disse ao bichano:
— Esses colar é paricido com os que a gente usava quando ia pras festa de antigamente, bem bonitão! Assim ó... Como aquele filme... – enredou-o no pescoço ensaiando passos de dança em meio a chuva - Quando, quando... ai, ai...num vô lembrá dessas coisa que num vorta mais não, nem...
“Socorro!”
— Ai!!
De tão forte que foi o susto, que o gato por pouco não lhe escapou ao abraço.
— A merma vóiz pidindo socorro! Num acredito!!
Olhou a lata:
— Tem algum vivo aí? – aguardou - “Craro seu burro, se tá chamando é purque tá vivo, né?” - disse a si mesmo quando colocou o gatinho no chão.
Enfiou-se no lixo e gritou:
— Quem tá aí?! Tá ouvindo não? Vô te sarvar, guenta só... – pausou quando achou ouvir outro pedido – Não tô ouvindo direito, repete de no...
“Estou faminto: Socorro!!!”
Com a última súplica, a lata cerrou as enferrujadas mandílbulas no pescoço curvado e com um arroto alcoolizado, expeliu os restos mortais na calçada musgosa.
O pobre bichano, assustado e tremendo de frio, espreguiçou as patinhas e adormeceu na ossada do seu Salvador.
FIM