Mistério na Madrugada 2

- Ramon, você já estudou Enfermagem. Mesmo não tendo terminado o curso, creio que seja capaz de examinar o corpo dela e concluir se realmente está morta.

- Estudei Enfermagem, não Medicina. Você sabe que ela sofre de Catalepsia Patológica. Somente médicos experientes e com ajuda de aparelhos são capazes de atestar a morte dela. Vamos esperar para ver se ela acorda.

Alexandre estava impaciente. Depois de quase três horas sem qualquer reação de Lisandra, já pensara na possibilidade de estar morta. O corpo dela permanecia rígido, coberto apenas por um lençol vermelho. Não conseguira sequer colocar uma roupa nela. Ramon permanecia reflexivo, olhando pela pequena janela do porão.

- Não podemos leva-la para o hospital. Vão querer saber o que fizemos com ela – Murmurou Ramon.

- Então o que vamos fazer? Já passam das duas horas da manhã, e decerto os pais dela estão preocupados. Não podemos ficar aqui para sempre esperando ela acordar – Alexandre passou a mão pela testa e arreganhou os dentes – Talvez esteja mesmo morta.

- Já disse, não podemos chegar a essa conclusão sozinhos. Temos que manter a calma. Ninguém sabe que ela está aqui. Podemos sair e deixar a porta do porão trancada. Voltaríamos à tarde para ver como ela está.

- O plano parece bom, mas e se ela acordar e começar a gritar? Crises de catalepsia são seguidas de histeria. Ela pode entrar em pânico.

- Você tem razão. Nesse caso podemos amordaça-la. E para evitar que fique histérica e comece a bater na porta, podemos prender seus pulsos.

- Perfeito. Mas o que faremos em seguida. Se ela sobreviver, não podemos simplesmente deixa-la ir. Ela viu demais e certamente nos denunciará.

- E o que você sugere? – disse Ramon, cobrindo as partes intimas de Lisandra.

Alexandre olhou para o corpo de Lisandra com certa angústia. Sabia que se a policia descobrisse o que fizeram com ela, ele passaria longos anos na prisão.

- Ramon, fui eu quem provocou tudo isso. Seria mais que justo que eu encontrasse uma saída para nós dois, mas está cada vez mais difícil. Essa garota não pode sair viva deste porão. Você está entendendo?

- Então quer se certificar de que ela esteja realmente morta? Vai em frente! Use qualquer coisa desse porão para mata-la de uma vez; mas não me inclua nisso. Já estou por demais envolvido em suas loucuras. Vou sair por aquela porta enquanto ainda sou apenas cúmplice.

Quando Ramon virou-se de costas e se preparava para subir a escada de madeira podre, Alexandre lhe deu um puxão que o fez vacilar.

- Desculpe-me, amigo. Você estará nessa até o final, nem que eu tenha que te amarrar também. – disse Alexandre, com a expressão séria. – Não te obriguei a nada, apenas expliquei-lhe o que queria fazer e perguntei se estava disposto. Você, como todo bom curioso, aceitou sem hesitar. Inclusive foi você quem convenceu Lisandra a vir conosco.

- Sim, mas você me garantiu também que daria certo, e que não havia riscos; mas não funcionou! Você acabou falhando e nos causando problemas.

Ramon, sedento de raiva, jogou os copos ainda cheios de sangue contra a parede e os cacos de vidro se espalharam pelo chão. O som vítreo chegou aos ouvidos de Lisandra lhe causando uma pequena reação. Um musculo de sua face contraiu-se quase que imperceptivelmente, porém continuava pálida, com uma pequena ruborização na maçã do rosto. Alexandre percebera o pequeno espasmo, mas limitou-se a fitar Ramon com bastante ira.

- Não sujarei minhas mãos de sangue por causa de um erro que cometi. Se você não quer me ajudar, tudo bem, farei tudo sozinho. Vou enterrá-la, mesmo que ainda haja uma pequena possibilidade de estar viva.

Quando Alexandre já se preparava para carregar o corpo de Lisandra, Ramon o interrompeu, oferecendo ajuda. Os dois carregaram o corpo até o carro de Ramon. Tiveram dificuldade para coloca-la no porta-malas, por isso a deixaram deitada no banco de trás.

Ramon dirigiu até a cidade vizinha. Na infindável escuridão estacionou o carro na beira da estrada. Retiraram o corpo de Lisandra e carregaram até a floresta. O frio era terrível e os sons da noite, apavorantes. Ramon ficou vigiando o corpo enquanto Alexandre buscava a pá. A terra úmida facilitara o trabalho. Cavaram alternadamente até que o buraco estivesse razoavelmente profundo.

- Ramon, se quiser pode rezar pela alma dela.

- Sim, rezarei. Pai nosso que estais no céu... Santificado seja o vosso nome... - Ramon, vendo que Alexandre estava com os olhos fechados, pegou a pá lentamente. – Vem a nós o vosso reino... Seja feita a vossa... Vontade! – e assim ele acertou um golpe na cabeça de Alexandre, deixando seu corpo cair parcialmente na cova.

Lisandra levantou-se limpando a boca e ajeitando os cabelos. Vestiu as roupas que Ramon havia trazido do carro. Fitou a face retraída de Alexandre, que estava devidamente amarrado pelos punhos e amordaçado. Olhou para Ramon com certa desconfiança.

- Pensei que você ia deixar ele me enterrar viva. Por que não seguiu o que havíamos planejado?

- Calma, meu bem. Fiz aquele teatro todo somente para ele não desconfiar. Deixe disso e vamos prosseguir com o plano.

- Está certo. Esse idiota do Alexandre achou que tinha falhado; mas estava bem perto de obter êxito. Já que o meu sangue foi desperdiçado, teremos que usar o dele para reviver o meu amado pai. Você guardou o livro?

- Sim. Está bem guardado. Quando a namorada dele estava quase voltando à vida, proferi algumas palavras que não estavam no livro e ela voltou a dormir eternamente. Enterramos novamente o corpo dela. Depois, guardei o livro no porta-luvas do carro.

- Excelente, meu bem. Agora não podemos perder tempo. Drene todo o sangue dele e jogue o corpo na cova. Em seguida vamos ao cemitério reviver o meu pai.

Alexandre arregalou os olhos de tal forma que pareciam saltar das órbitas. Ramon pegou uma chave de fenda e fez várias perfurações em seu corpo, coletando o sangue que saia. Depois jogou o corpo do amigo na cova e cobriu com terra.

- O sangue dele vai ser suficiente para banhar o corpo do seu pai, minha querida - disse ele, com um sorriso macabro.

Cleiomar Queiroz
Enviado por Cleiomar Queiroz em 09/03/2012
Reeditado em 09/03/2012
Código do texto: T3544875
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