A companheira de viagem

                              

Raul era uma pessoa simpática e brincalhona, mas os amigos o consideravam irresponsável com determinados assuntos que mereciam maior seriedade. Mas, ao que tudo indicava, isso em nada o atrapalhava no modo de se relacionar com as pessoas.

Sempre com um sorriso agradável para qualquer situação que se envolvesse, angariava novas amizades com surpreendente facilidade, fazendo que fosse muito estimado no pequeno círculo em que vivia numa cidade do interior.

Era uma espécie de palhaço da turma, o que sempre tinha uma piada na ponta da língua, pronta para detonar no momento apropriado, ou não. Uma figura disputada pelos amigos e pela mulherada em razão do belo aspecto físico que fora agraciado pela mãe natureza.

Não era um aluno que se projetasse. Tinha fama de relaxado nos estudos e que se esforçava apenas para auferir notas médias para passar de ano.

O tipo bonachão que a todos agradava e divertia com uma irreverência que, ocasionalmente, motivava críticas veladas dos mestres, devido ao modo descontraído e gozador que o deixava em sérios apuros.

Gostando de viver uma existência divertida, conforme dizia, chegou ao último período no colégio em que estudava desde criança. E no dia da formatura, quando todos estavam reunidos no pátio para o recebimento dos certificados, lá estava ele fazendo brincadeiras com os colegas formandos e as pessoas presentes à colação de grau.

Ao final das festividades estudantis, resolveu fazer uma viagem a cidade próxima, local onde conhecia alguns amigos e pretendia passar uma temporada e descansar a mente para os novos desafios que enfrentaria.

Após arrumar o essencial, prometeu aos familiares que voltaria em tempo de fazer a inscrição para o vestibular numa universidade da capital. Algo que não deixaria para mais tarde, já que o prazo ocorreria em dez dias, tempo que achou suficiente para descansar antes de iniciar os estudos para o ingresso no curso superior.

Chegando à rodoviária, comprou passagens de ida e volta, prevenindo qualquer eventualidade. Sua família não perdoaria se perdesse o prazo. Bastava a fama de eterno gozador e irresponsável. O que diriam se não levasse a sério esse compromisso?

Acomodou-se na última poltrona, perto do banheiro, local que geralmente ficava vazio em razão do cheirinho que exalava. Mas, era o seu lugar preferido, porque podia esticar as pernas e tirar uma boa soneca, sem falar que num “aperto” estaria com a “mão na massa”.

Antes que o veículo entrasse em movimento, uma passageira retardatária entrou apressada e veio em sua direção.Talvez indo ao banheiro, pensou. Pará sua surpresa ela sentou-se ao seu lado, esboçando o sorriso mais lindo que tinha visto

Ficou excitado em viajar com uma gatinha que parecia ter simpatizado com ele, ao exibir lábios carnudos e dentes de uma brancura exemplar, sem falar nas coxas grossas, rígidas e torneadas que exibira enquanto sentava no assento contíguo.

Raul, a essa altura estava achando que a viagem seria inesquecível. Afinal, com tantos lugares vazios, por que razão sentara justamente ali? Talvez tivesse sido atraída pelo sua sedução de reconhecido conquistador na região em que vivia.

Não querendo deixar passar a oportunidade, apresentou-se com mesura para causar boa impressão, ao tempo em que mostrava o seu melhor sorriso, como fator coadjuvante ao ensaiado desempenho de galanteador.

Totalmente receptiva, ela retribuiu da mesma forma, acrescentando o encanto de mexer sensualmente os cabelos loiros, lançando-os para trás com um movimento rápido de cabeça; um gesto comum a quase todas as mulheres.

A seguir, olhou para ele com os enormes olhos azuis e estendeu a alva mão para cumprimentá-lo e dizer que sentia imenso prazer em estar conhecendo o companheiro de viagem, acrescentando que enquanto estivessem conversando não sentiriam o tempo passar.

Formalizadas as apresentações, acomodaram-se da melhor maneira e iniciaram uma conversa formal que incluía as perguntas básicas para esse tipo de conhecimento casual: o nome, onde morava, o que fazia e se tinha compromisso.

Saciados em suas inquirições iniciais, ficaram algum tempo olhando para os lados à procura de algo substancial que sustentasse aquele relacionamento recente, pelo menos até a chegada o destino final, e que duraria em torno de três horas, aproximadamente.

Raul, enquanto procurava iniciar uma conversa mais duradoura, não pôde deixar de olhar para aquela criatura com mais atenção, sempre que tinha oportunidade. Não queria constrangê-la e somente iniciava a observação quando ela estava com a atenção voltada para a paisagem que se descortinava, à medida que o ônibus avançava monotonamente rumo ao seu destino.

Nesse instante, avaliou que possuía atributos excitantes. Não somente belas pernas e coxas, mas uma cintura fina, seios consistentes e de belo formato, além de uma pele cheirosa e lisa, como lhe convinha, fazendo que imaginasse uma maravilhosa cena futura caso aquele contato casual fosse mais proveitoso para ambos.

Após alguns instantes de indecisão, tomou a iniciativa e começou a falar dos seus projetos após se formar na universidade para a qual faria vestibular. Divagou também sobre as possibilidades da escolha de uma profissão que oferecesse um rápido retorno financeiro e lhe facultasse uma vida despreocupada antes que completasse os quarenta anos.

Então, percebeu que ela estava com um ar distraído, como se não estivesse interessada no que ele dizia com tanta ênfase. Talvez a conversa não fosse ideal para o propósito que tinha em mente: conquistar a beldade para realizar os sonhos mais loucos que estavam acalentados em sua mente. 

Deveria mudar de tática e iniciar uma conversa que a agradasse e induzisse a dar a devida atenção ao que dizia. Por certo que seria da maior relevância, permitindo que tivesse alguma oportunidade de conseguir algo mais do que uma simples companhia de viagem. Não podia perder a oportunidade com uma garota do outro mundo.

Antes que iniciasse um diálogo mais interessante aos seus propósitos, ela o interrompeu indagando se ele era uma pessoa popular no meio em que vivia, e se sentia satisfação em brincar com coisas sérias.

Qual a razão dessa inquirição? Será que a sua fama de gozador ultrapassara as fronteiras da região em que morava?

Este pensamento fez que sorrisse sem jeito, já que fora pego de surpresa e não teve tempo para retrucar.

Refletiu rapidamente a respeito, tentando entender a razão da insinuação. Talvez alguns de seus amigos tivessem repassado informações a esse respeito. Sim, deveria ser isso.

Indagou a razão daquela pergunta tão pessoal. Ela, demonstrando naturalidade, disse que tinha ouvido falar dele, dando conta que era popular e divertido, razão que a motivara perguntar a respeito.

Estranhou que dissesse isso. Não tinha lembranças de conhecê-la e sequer ter visto em alguns dos muitos lugares que frequentava com os amigos. Também, não recordava de terem se “esbarrado” em nenhum outro local, mesmo na cidade que se dirigiam. Portanto, a pergunta continuava carecendo de melhor explicação.

Ela sorriu e desviou o olhar para a paisagem que se descortinava através da janela aberta, fazendo que o vento provocasse uma turbulência em seus cabelos, fazendo que esvoaçassem harmoniosamente, como embalados por uma breve e aconchegante brisa de Verão. 

Uma cena digna de ser fotografada, pensou, esquecendo momentaneamente a curiosidade acerca da intrigante pergunta que ainda lhe martelava o cérebro.

Reconheceu que aquela silhueta feminina possuía propriedades singulares, assemelhando-se a uma pintura elaborada pelos grandes mestres. E na medida em que avançavam pela estrada, o entardecer conferia ao ambiente uma tonalidade avermelhada que aos poucos passava para cinza, denunciando a chegada do entardecer.

Quando ia reiniciar a inquirição, percebeu que ela tirava da bolsa uma escova de cabelo de cor azul e se dirigia ao toalete.

Neste lapso de tempo, pode apreciá-la melhor e descobrir que possuía nádegas empinadas e aparentemente de boa consistência muscular, o que lhe conferia uma sensualidade digna de nota.

Após fechar a porta atrás de si, Raul ouviu nitidamente o barulho do ferrolho sendo acionado por dentro para travá-la, não podendo evitar um pensamento maroto: se ficasse lá dentro com aquela gatinha seria sensacional, inesquecível, mesmo com o balanço e o exíguo espaço existente para uma só pessoa.

Estava absorto nestes pensamentos quando ouviu um barulho maior, como se alguém ou alguma coisa houvesse caído do lado de dentro do banheiro. Pelo som parecia pesado como... Um corpo?

Meu Deus! Gritou sem que pudesse evitar. Será que ela sofrera um mal súbito e desmaiara?

Algo precisava ser feito! Imediatamente bateu na porta seguida vezes à busca de um sinal que revelasse o que teria ocorrido. Como não obteve resposta, segurou a maçaneta e tentou girá-la para ver se abria o reservado, porém sem sucesso. 

Já descontrolado, deu com os ombros na divisória para que cedesse e permitisse o acesso ao seu interior. Mas, em que pese os esforços desenvolvidos, a porta não havia sido movida um milímetro sequer do batente.

A essa altura, os passageiros e o motorista, que já havia parado o ônibus no acostamento, vieram correndo saber o que estava acontecendo, fazendo que o diminuto espaço ficasse saturado de gente, a ponto de ocasionar pequeno tumulto.

Com todos falando ao mesmo tempo, e procurando colocar ordem na tremenda confusão, o motorista pediu que se afastassem do local, permitindo que se inteirasse da situação.

Os passageiros retornaram aos seus assentos, embora continuassem com as atenções voltadas para o local. Raul, aflito, disse ter ouvido um estranho barulho no banheiro e achava que a passageira estivesse desmaiada em seu interior, já que não havia respondido às sucessivas batidas feitas na porta.

Pedindo licença para aproximar-se, o motorista tirou uma chave do colete do seu uniforme e tentou abrir a fechadura que aparentemente estava fechada por dentro. Porém, ao introduzi-la, e antes que a movimentasse, o compartimento abriu naturalmente, como se estivesse destrancado. E ao contrário do que esperavam, não havia ninguém lá dentro. Estava vazio, sem vestígios da mulher ou qualquer objeto que tivesse despencado e provocado o barulho que Raul se referia ter ouvido.

Como seria possível? Onde estava a moça que se trancara diante de seus olhos? E o barulho que ouvira? O que o produzira? Como poderia sair daquele pequeno espaço sem que ninguém a visse? Não existia janela internamente como saída de emergência. Mas, não havia ninguém lá dentro. Inacreditável!

Para resolver o problema, o motorista fez a contagem dos passageiros para ver se faltava alguém. Após a verificação, posteriormente checada com os bilhetes recebidos, constatou que o número de passageiros estava exato, ou seja, não faltava nenhum passageiro.

Raul sentiu estranha sensação, fazendo que empalidecesse e sentisse tonteiras, obrigando-o a sentar para que não caísse no assoalho do veículo.

Ajudado, a sua expressão demonstrou intenso pavor pela experiência que passara. E por mais que raciocinasse, não entendia o que ocorrera. Estaria sonhando? Que destino tomara a figura em forma de gente que se desvanecerá sem uma explicação razoável? Como somente ele notara a sua presença num ônibus com mais da metade dos lugares ocupados? Como aquela criatura sabia coisas a seu respeito?

Estas perguntas ficaram martelando o seu cérebro nos meses subsequentes ao evento, que ficou registrado como o mais bizarro que vivenciara.

A partir desse dia, Raul nunca mais foi o mesmo, perdendo o jeito especial que o tornara uma pessoa popular e disputada pelas inúmera amizades que possuía. Nem fez a inscrição para o vestibular devido ao precário estado de ânimo. Agora era outro indivíduo: sério e apático, como que tentando encontrar uma explicação plausível para o que tinha acontecido naquela atemorizante viagem. E essa incerteza permaneceu em sua vida até que veio falecerbde causas desconhecidas pouco tempo depois desse peculiar acontecimento.

Após o seu passamento, a vida continuou o ritmo normal na pequena cidade em que vivera, e Raul acabaria esquecido naturalmente, não fosse à ocorrência de estranhos eventos narrados por pessoas merecedoras de todo crédito: 

Alegavam que uma linda jovem constantemente era vista ao lado do seu túmulo. Segundo as mesmas, a visão estava com seus longos cabelos loiros sempre esvoaçantes, mesmo quando não havia vento que os agitasse, o que tornava a cena ainda mais intrigante para os que a observavam a uma respeitosa distância. Diziam, também, que sempre segurava uma escova azul e com ela alisava os cabelos regularmente.

Nunca ninguém soube ao certo de quem se tratava, e muito menos se atrevera interpelá-la a respeito, mas os amigos de Raul diziam que se parecia muito com as descrições que ele fizera da sua estranha companheira de viagem naquele dia de puro terror.

 

 

 

 

 

 

 

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