O Fantasma do Mar

Acordei meio assustado com um barulho vindo do convés. A escura madrugada de doze de julho trazia em si o frio intenso do inverno de 1964 juntamente com o ruído sombrio das ondas rebentando no casco do barco.

Ao meu redor, os outros marinheiros, profundamente adormecidos, obstantes da circunstância.

Voltei-me ao leito, cobrindo os pés a fim de proteger-me do gelo que pairava o local.

Novamente o ruído se fez, mas de uma forma diferente. Parecia o som rouco de alguém, muito distante pedindo ajuda. No meio daquele imenso mar não costumamos ouvir pedidos de ajuda, até porque, o barulho das águas impediria o ecoar da voz humana.

Tomado de terror e curiosidade, calcei meus chinelos, envolvi-me num casaco e tentei enfrentar as correntes de ar gelado para desvendar tal mistério. O risco de pegar uma pneumonia era grande, e distantes da terra, o socorro seria impossível.

Ao sair no convés, enxerguei apenas a escuridão, levemente tocada pela tímida luminosidade das estrelas.

Repentinamente, o som ecoou de forma mais voraz, e parecia vir da proa.

Como a curiosidade superou o medo, corri até o local, e para minha surpresa uma mulher, alta e envolvida em um longo vestido vermelho me olhava, de pé e com um lenço tapando o rosto.

Ora, nenhuma mulher embarcara conosco. Seria uma viajante clandestina. Indignado comecei a ofendê-la à distância com palavras obscenas, enfatizando sua estada ilegal naquela embarcação.

Então, a tal misteriosa aproximou-se sem proferir palavras. Meu medo começou a aumentar, pois mais próxima, era possível ver que não tinha uma das mãos. Seus curtos passos traziam consigo um estranho calafrio, que me tocava dos pés à cabeça.

Quando abaixei meus olhos para ver seus pés...não haviam pés. Ela flutuava pelo convés em minha direção.

Dei um, dois passos para trás e o medo começou a me envolver de forma incontrolável. Comecei desesperadamente a correr rumo ao porão do barco. Neste momento, a tal mulher, de longo vestido vermelho também acelerou os "passos", retirando o lenço que cobria seu rosto.

A cena era terrível. Na região de seus lábios haviam centenas de vermes corroendo-lhe a face, gotejando sangue.

Ao chegar na escada, o tamanho desespero fez com que eu caísse degrau abaixo. Foi a última cena que me lembro.

No dia seguinte, acordei em minha cama e respirei aliviado por aquilo não ter passado de um sonho.

Quando dirigir-me ao banheiro, a fim de escovar os dentes, senti algo estranho em minha boca, além de um odor anormal e um gosto horrível.

Ao me aproximar da pia senti algo cair dos meus lábios e se mexer por entre o sabonete e a escova de dentes.

Aterrorizado fiquei quando vi aquela pequena larva, ainda viva sair de minha boca. Mas antes que reparasse melhor, caíram mais três, seguidas de pequenas gotas de sangue.

Corri até o espelho, que ficava no corredor. Durante o pequeno trajeto, caíram mais umas dez larvas e muito sangue. Eram tantas que não conseguia fechar minha boca.

Ao olhar no espelho, meus gritos eram apenas contidos pela presença de tais vermes. Atrás de mim, a mesma mulher da noite anterior me olhava com satisfação, agradecendo-me por ter-lhe concedido um novo rosto, enquanto o meu era comido a cada instante. Já no chão, podia ver, sem nada poder fazer, outros vermes saindo pelas foças nasais, acompanhado de uma dor imensa e devastadora até meus olhos escurecerem e apagarem de vez. Então acordei.

Paulo Farias
Enviado por Paulo Farias em 02/03/2012
Código do texto: T3530427
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.