No Poço das Tocandiras

O Poço das Tocandiras

Jorge Linhaça

Arrastaram-me pela floresta até o pé de uma árvore secular.

Vi quando cavavam o solo com rudimentares instrumentos, cavando uma espécie de poço quase de minha altura...uma colônia de tocandiras começou a se mobilizar inquieta enquanto era mantida à distância dos cavadores por outros que as "varriam" com ramos de árvores até a execução da tarefa sinistra.

Fui arrastado em direção ao buraco que fervilhava das venenosas formigas cuja colônia havia sido parcialmente cortada...não adiantaram meus gritos e pedidos de clemência, amarrado, nada podia fazer senão confrontar o meu destino.

Tão logo meus pés tocaram o solo jogaram sobre mim a terras retirada anteriormente, enterrando-me vivo deixando apenas a minha cabeça para fora para que eu não sufocasse e eles assim ficassem privados de

desfrutar de todo o desenrolar de meu martírio.

Senti as primeiras picadas das furiosas formigas em meu corpo nu, parecia que fogo corria em minhas veias, efeito do veneno toxico das tocandiras...gritei de dor, tentei de alguma maneira livrar-me daquele túmulo demoníaco.

Tentava em vão mover meu corpo para um lado para o outro mas a terra apenas se compactava mais com meus movimentos...as ferroadas se multiplicavam causando-me uma dor insuportável enquanto que o veneno corria pelo meu sangue já atingindo o cérebro, causando-me alucinações, as imagens distorciam-se à minha volta qual uma tela de Picasso...o estômago se convulsionava em uma ânsia infernal como se os próprios órgãos internos tentassem forçar a passagem pelo meu esôfago.

Embora já não pudesse sentir meu corpo, a esta altura já provavelmente tomado de milhares de calombos originados das picadas, a dor era insuportável...rezava para que aquilo logo acabasse e a morte me viesse como um anjo para libertar-me de tal suplício.

À minha volta os meus carrascos riam como que tomados pelos espíritos de mil demônios enviados do inferno para comemorar a minha tortura.

As formigas agora deslizavam pelo solo em direção à minha cabeça imobilizada, tentei soprá-las para longe com o restante de minhas parcas forças em meu estado de semiconsciência letárgica.

Tomaram meu rosto qual um exército mongol a cair sobre suas vítimas, invadiram minhas narinas e ouvidos, picaram meus olhos, meu couro cabeludo... até que enfim a suave mão da morte tocou-me a face disforme e carregou minha alma para fora do corpo martirizado.

Foi assim que eu morri, que deixei aquele corpo material disposto a executar minha vingança....

Salvador, 1 de março de 2012