A ESTRADA VON WEIZ( Parte I) A lenda do garoto mutilado.

Era um rigoroso inverno naquele ano de 1838. A neve cobria as fazendas, o que obrigava as pessoas a se recolherem em seus aposentos. É preciso ressaltar que o nosso clima é bastante peculiar ao do restante do país. Aqui não neva como no norte da Europa ou Rússia, mas o frio é suficientemente intenso para nos deixar embutidos em várias peças de roupa.

Assim era a vida no Sul do Brasil do século XIX. Em plena guerra civil ainda havia pessoas que conseguiam encontrar alguma paz naquele louco pesadelo de batalhas. Ali viviam famílias que estavam habituadas ao frio intenso nas longínquas terras do norte da Alemanha. Esses estrangeiros escolheram esta pitoresca terra chamada Brasil para ser seu novo lar, apesar das difíceis condições de vida e sustento que o governo imperial lhes concedia.

Uma dessas famílias, os Von Weiz, se instalou em Santa Catarina, em uma pequena e pacata vila situada no oeste do estado. A família era constituída por um casal e um único filho, Otto Von Weiz, cujo nome batiza esta universidade. Esse garoto foi símbolo de luta e coragem contra a opressão e a bandidagem naquelas terras. Fora naquela estrada, que depois receberia o seu nome, que ocorrera o crime brutal. Naquele lugar, o garoto de catorze anos fora cruelmente assassinado por três homens sedentos por vingança contra o Sr. Von Weiz, pai do menino. Assim tem início a lenda...

Diz-se que desde aquele trágico acontecimento, no mês exato em que o rapaz fora executado, ano após ano aquele rigoroso inverno se repete e nem os meteorologistas sabem explicar o fenômeno. Os jornais da época chocaram os leitores, pois descreveram minuciosamente o crime e a forma como o corpo fora encontrado. Há até alguns relatos de que um garoto mutilado fora visto brincando pela estrada e que seu espírito revoltado com o que lhe ocorrera prendia os viajantes na neve eterna, indignado com os moradores da região que não levaram o caso às autoridades locais por medo de represálias.

Diz-se, ainda, que ele morreu exatamente às 17 horas e conforme esse horário vai se aproximando vão aumentando as chances dos viajantes se depararem com a aparição agourenta e assustadora... - De repente soa uma campainha - ... “E esse vai ser um dos temas do seminário de folclore e lendas da semana que vem. Desejo a todos um bom feriado”. Conclui a professora de antropologia da universidade local.

“Eu não acredito que ainda há pessoas que acreditam nessas baboseiras”. Diz um estudante. “Não existe essa coisa de fantasma, não mesmo”. Esse é Rodolfo Aires, um jovem de vinte anos que veio de São Paulo estudar nessa instituição de ensino superior. De estatura mediana, cabelos castanhos e olhos claros, esse paulista já foi apelidado de “gordinho” em sua terra natal. Ele é um cético convicto. A moça com quem conversa se chama Isabela Eleonora, uma jovem galega de vívidos olhos azuis, espirituosa e inteligente aluna; suas origens são desta terra e o que se sabe é que seus antepassados vieram da Alemanha há muito tempo. “Não vejo dessa forma, Rodolfo”. Opina ela. “É a resistência cultural que persiste até hoje”.

O terceiro integrante do grupo se chama Pedro de Menezes, um carioca alto e forte que também é aluno da universidade. Há ainda a quarta e última integrante do grupo que acaba de chegar à sala de aula. “Faz bem o seu feitio chegar na hora que a aula termina, hein, Pérola Negra?”. Brinca Isabela. Aurora Cristina, a “Pérola Negra” é maranhense e se mudou ainda criança para a Bahia, sendo hoje também estudante da Universidade Von Weiz de Ensino e Pesquisa. “Oxi, quem disse que eu vim assistir aula? Esqueceram que hoje é sexta-feira? Hoje tem Cabana Velha”. Diz com o seu típico sotaque baiano. “E adivinhem, é no caminho da estrada Von Weiz, ui, que medo, grande merda!”. Zomba Rodolfo. “Aff, você é um pé no saco, Rodolfo”. Insulta Isabela. Afoito, Pedro diz em voz alta e radiante: “E sabe do que mais? Meus pais estão viajando, então podemos pegar as bebidas lá do armazém”.

Ao se arrumar, instantes depois, Isabela sente um calafrio incomum. É quando, através das cortinas, vê a silhueta do que parecia um menino, um menino de catorze anos...

(Continua...)