Um Novo Destino

Josh estava preso nas ferragens do velho Corsa que havia capotado diversas vezes após uma quase colisão frontal com uma carreta. Michel e Antony estavam mortos e Kelly agonizava enquanto ele se contorcia na esperança de escapar. A gasolina se espalhava pelo chão e uma simples fagulha seria suficiente para causar uma explosão. Precisava ser rápido, nem que fosse necessário amputar alguma parte do seu corpo para facilitar a fuga daquele emaranhado de ferro retorcido. O braço esquerdo ficara preso nas ferragens e ele o puxava com tanta força que sentia a pele rasgar-se e os ossos estalando ruidosamente. Quando conseguiu soltar-se, viu um manto vermelho cobrindo seu braço e um gelo percorrendo a carne. Sensação desagradável e inimaginável.

Ele precisava soltar a perna que estava presa na dobra formada pelo banco traseiro e o dianteiro do motorista. Naquela situação era mais fácil escapar de um helicóptero submerso. Josh sentia o cheiro de gasolina queimada e seu corpo tremia na possibilidade de um incêndio consumir seu corpo enquanto estava vivo. Virou-se de costas e esticou a perna até sair na janela do carro. Com as duas pernas se espreitando no pequeno espaço, projetou-se para fora sentindo os estilhaços de vidro rasgando sua pele. Com o corpo já gelado e o suor frio escorrendo pela face, gritava pedindo socorro. Ao ouvir o último suspiro de vida de Kelly, chorou ruidosamente. Continuava sua luta desenfreada para escapar do carro, arreganhando os dentes ante a dor que sentia.

Já podia ver os raios de sol que iluminavam o exterior abrasante. Movia as costas no estofado dando impulso para sair. Continuava gritando, mas quando se está preso no terror da morte iminente, não se tem juízo das coisas. Não sabia que estava num lugar afastado, num matagal próximo a uma enorme erosão. Milagre não ter caído lá, senão já estaria morto. Segurou a moldura do vidro com o braço esquerdo e puxou seu corpo com a força de um leão. Um pedaço enorme de vidro penetrara sua costela cortando sua carne perpendicularmente. A dor lancinante era abafada pela exultação de ver seu corpo praticamente liberto dos ferros retorcidos.

Finalmente saíra do carro e correu o mais distante que podia. Josh viu quando a carcaça pegou fogo e os corpos de seus amigos eram consumidos pelas chamas. Iniciou a caminhada rumo à cidade mais próxima. O clima estava mais abrasador que o interior do carro, mas o alívio de estar vivo era suficiente para atenuar o calor. Depois de quase quatro horas de caminhada, chegou a um pequeno município.

Feliz por estar vivo, Josh entrou num bar caindo os pedaços. A madeira podre e úmida dava uma aparência repugnante ao local. Pediu um copo de Uísque e sentou-se numa das cadeiras. O bar estava vazio, nem uma mosca pousava nas mesas de madeira podre. O cheiro de urina impregnava o ambiente, aliado ao odor de vaso sanitário mal lavado. Estranhou o fato de o local estar tão vazio àquela hora. Olhou os pôsteres de mulheres nuas estampadas nas paredes. Eram modelos de uma época de pouca censura e muita liberdade. O dono do bar o fitava com um ar de surpresa. Ele encheu mais um copo de Uísque e ofereceu a Josh.

- Tome, filho. Faz tempo que rapazes como você não vêm aqui. Chamo-me Gerson e por anos sirvo pessoas como você.

- Como assim? – perguntou ele, sentindo-se surpreendido.

- Ora, você ainda não sabe? Por Deus, sempre tem um que demora a entender a situação.

- Do que está falando? Não estou entendendo nada.

O dono do bar baixou a cabeça. Fez-se um silêncio desconcertante por tempo suficiente para uma rajada de vento penetrar pelas janelas.

- Pois bem, fique à vontade. Não sou eu quem vai explicar as coisas para você. Meu trabalho é servir as pessoas.

Josh franziu a testa e segurou o copo de uísque com certa hesitação. Ameaçou leva-lo à boca, mas deteve-se no momento em que dois rapazes entravam no bar acompanhados de uma moça. Pode identificar com clareza a face morena de Kelly e o cabelo espetado de Michel. Sentiu um espanto repentino e o terror percorrendo seu corpo. De boca aberta deixou o uísque derramar-se na mesa.

- Michel? – perguntou ele, numa súplica.

Ele não respondeu. Apenas segurava o braço de Kelly e caminhava arrastadamente em direção ao balcão do bar. Antony o seguia com o rosto inexpressivo.

- Amigos, vocês estão vivos! Como isso é possível? Eu os vi morrerem!

Michel pediu um copo de Cachaça e Kelly o abraçou com força. Antony chorava, segurando um pedaço de jeans. O homem que os atendeu era diferente. Era carrancudo e tinha cabelos brancos até os ombros.

Josh levantou-se e seguiu em direção ao balcão. Gerson estava ao lado do velho de cabeleira esbranquiçada. Ele falava com os olhos pedindo para Josh não se aproximar, mas ele ignorava. Josh pôs a mão direita no ombro largo de Michel.

- Meu brother, não se lembra de mim?

Michel não teve qualquer reação. Continuava tomando goles pequenos de uísque. Kelly o abraçava intensamente e Antony debruçou-se sobre o balcão. Gerson fitava Josh com reprovação.

- Eles não irão te ouvir... – disse Gerson.

- Por quê? Estão mortos? Afinal, os vi morrerem no acidente.

- Por Deus. Você não viu o que o seu amigo estava segurando?

- O que, o pedaço de jeans? De quem poderia ser?

- Olhe para a sua jaqueta.

Foi então que Josh viu sua jaqueta rasgada até a altura do cotovelo. Olhou para Antony que chorava copiosamente segurando o pedaço desfiado. Kelly também chorava no ombro de Michel. Este, por sua vez, mantinha-se inexpressivo, com os olhos inchados.

- Mas eu os vi morrerem! Que está acontecendo aqui? Estou sonhando?

- Não meu jovem. O que você viu lá foi apenas um sonho. A realidade começou quando você cruzou a porta deste bar. Quem morreu foi você, apenas não seu deu conta ainda.

Josh caiu de joelhos segurando a barra da calça de Kelly. Michel deixou cair uma lágrima quente no chão sujo. Gerson ergueu o corpo dele com um puxão rápido.

- Componha-se, rapaz. Ainda preciso leva-lo ao seu novo destino.

Cleiomar Queiroz
Enviado por Cleiomar Queiroz em 25/02/2012
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