Criando um monstro.
Tudo aconteceu em 1862, exatamente há 150 anos atrás, no antigo Reino da Baviera, hoje atual Estado Livre da Baviera, eu nasci, filho de camponeses humildes e católicos completamente devotos à Igreja. A Baviera sempre foi um estado de maioria católica, e um dos centros europeus do cristianismo naquela época.
A vida sempre foi muito simples num pequeno vilarejo próximo a Ulm - que mais tarde seria o local de nascimento de uma das pessoas mais famosas do século XX: o ilustre Albert Einstein – onde nossa economia era basicamente agricultura, já que fomos agraciados com o majestoso rio Danúbio, que cortava toda a cidade. Até os 17 anos eu vivi como qualquer garoto normal daquela época, durante o dia, como de costume, ajudava meu pai na lavoura e a noite íamos para a Igreja, era uma vida completamente tranquila, eu nasci assim e provavelmente iria querer viver daquele jeito até o fim dos dias.
A Igreja sempre foi nossa maior dedicação em vida, ajudávamos nas reformas, nas pinturas e em tudo que o padre precisasse de nós, e era lá também o único meio de conhecer garotas, para enfim formar uma família e casar com a benção de Deus – ou pelo menos assim eu acreditava. –
Não entrarei muito em detalhes nhoque diz respeito aos meus pais, mas posso dizer que minha mãe era uma pessoa maravilhosa, era muito atenciosa e cozinhava muito bem. Já o meu pai, era um sujeito carrancudo mas era uma boa pessoa, apesar do seu jeito meio sem educação as vezes, era um trabalhador honesto que sempre me guiou para ser um homem honesto, fiel e um ser humano decente, acima de tudo. Eles eram tudo que eu tinha, e eu era tudo o que eles tinham, não tive irmãos e irmãs, não tinha primos ou quaisquer familiares, eram apenas nós três.
No auge dos meus 18 anos, em 1880, eu já tinha conhecido uma bela garota na Igreja, ela era bem parecida comigo, também era branca como a neve, cabelos loiros e olhos verdes, ela tinha 16 anos e já apresentava um corpo de mulher que fazia inveja as outras garotas da mesma idade, seu nome era Annabelle, mas eu apenas a chamava de Anna, já éramos bem íntimos, fazíamos planos e mais planos para nossa futura vida juntas. Eu já havia tomado minha decisão, a pediria em casamento em um domingo, depois do culto na Igreja, eu já conhecia seus pais e eram boa gente e minha vida rumava a tudo aquilo que eu sonhava, ter uma boa esposa e no futuro ter vários filhos, quanto mais, melhor! Mas não era isso que o futuro me reservava, e mais tarde eu veria como eu seria amaldiçoado pelos céus.
O grande dia da minha vida chegou, era o dia que eu pediria a mão de Anna em casamento, para seus pais, com a benção do padre e de Deus! Nada poderia estragar meu dia, nem um resfriado forte que minha mãe pegou naquele mesmo dia – que a fez ficar em casa com meu pai, enquanto fui a Igreja sozinho -.
Em cidade pequenas, todos sabem que as notícias voam, e logo Anna ficou sabendo da doença de minha mãe, e assim que eu cheguei na Igreja ela me recebeu com um abraço apertado – o último que eu receberia, e se eu soubesse teria aproveitado mais daquela sensação calorosa e cheia de amor – e disse que estava preocupada com a minha mãe, e que ela havia feito uma sopa para que eu levasse à ela. Eu fiquei feliz por isso, prometi que depois da missa eu entregaria, mas ela insistiu que eu entregasse o mais rápido possível, eu não podia recusar um pedido vindo de Anna, ela era magnífica, sua beleza era estonteante, seu sorriso era meigo e ainda sim sensual. Eu disse que iria o mais rápido possível entregar a sopa e rapidamente voltaria, mas ela e seus pais também quiseram ir entregar pessoalmente e desejar melhoras, eu concordei.
Mas quando estávamos indo, eu ouvi a voz do padre me chamando, basicamente ele precisara de ajuda e eu como sempre fui voluntário, era a mim que ele recorria. No primeiro instante eu hesitei em ir, iria inventar alguma desculpa, mas logo Anna disse para eu ir ajuda o padre, que ela e seus pais iriam entregar a sopa e desejar melhoras. A cidade era pequena, como eu já havia dito, minha casa não ficava muito longe da Igreja, então os deixei ir. Talvez essa tenha sido a pior decisão da minha vida, decisão da qual eu me arrependo até hoje!
Fui com o padre, demoramos cerca de 10 minutos, ele queria ajuda para que eu e mais 2 homens levantássemos uma viga que havia caído e poderia comprometer a estrutura da Igreja. Trabalho feito! Voltei para frente da Igreja para esperar eles voltarem, o que não aconteceu.
Passaram-se 5, 10 minutos e com mais 10 que eu já tinha perdido ajudando o padre, já havia passado tempo suficiente para ir e voltar pelo menos umas quatro vezes, entrei na Igreja e fui procura-los, sem sucesso.
Perguntei do padre se ele os avia visto, mas ele também não viu. E foi então que eu decidi voltar em casa e ver se estava tudo bem. Avistei minha casa de longe e tudo parecia normal, a porta estava aberta de costume, apenas encostada e eu fui logo abrindo, minha casa era pequena, apesar de ter 2 andares, no primeiro havia uma pequena sala de visitas e a cozinha, em cima ficavam os 2 quartos. Me dirigi logo a cozinha, eles não estavam por lá, mas eu pude sentir o cheiro da sopa de legumes pela casa, era um cheiro tão gostoso, parecia deliciosa, tão deliciosa que até abriu meu apetite! Então decidi ir nos quartos, logo que subi a escada percebi que a sopa estava molhando a escada, percebi que alguma coisa estava errada e quando subi mais três degraus eu vi a cena mais horrível da minha vida, se eu imaginasse o inferno, certamente seria algo parecido com aquilo.
Eu não tive reação, meu coração bateu mais forte, eu avistei a mãe de Anna, estirada no chão com o seu vestido todo manchado de sangue, sua garganta parecia ter sido arrancada por algo, seus olhos estavam abertos como se tivesse morrido com um pavor imenso, e ao seu lado, o marido, pai de Anna, com o peito rasgado de uma forma que eu poderia ver todos seus órgãos, – pelo menos o pouco que sobrou deles – nesse momento eu já estava pensando o pior, fiquei ofegante e aquele cheiro de sangue era nojento, eu estava com vontade de vomitar tudo que havia comido no almoço, mas me mantive forte – ou pelo menos tentei – até que eu vi o que eu mais temia, meu pai, cravado na parede com um pedaço de uma de nossas cadeiras lhe atravessando o peito, suas mãos seguravam o pedaço da cadeira como se ele tivesse lutado até o fim da vida para tentar retirar aquilo, foi agoniante! Me virei e não achei minha mãe, e minha amada Anna, nesse momento as lagrimas já começaram a escorrer pelo meu rosto e eu comecei a rezar para Deus protege-las desse demônio, porque para fazer isso, era necessário ser um demônio! Um monstro!
Corri até o outro quarto na esperança de encontra-las vivas, mas o que eu vi foi aquilo que eu mais temia, minha mãe, em sua cama coberta de sangue e também com sua caixa torácica exposta, corri até a cama, eu soluçava, não conseguia dizer nada, gritar nada, e a única coisa que eu pensava era onde estava Anna, foi então que eu olhei para trás.. Eu tinha me distraído ao entrar no quarto e olhar minha mãe na cama que nem olhei o restante do quarto, e quando eu vi Anna, com suas roupas rasgadas, seu vestido branco coberto com aquele sangue sujo e fedorento, seu cabelo grudado com o sangue que estava no chão, sua barriga aberta com as tripas saindo foi então que eu não segurei o grito.. Gritei! Gritei tão alto que toda cidade pôde escutar, talvez tão alto que tenham escutado a milhares de quilômetros de distância, gritei até não ter fôlego! Era a cena mais horripilante que eu já havia visto, aquela linda garota, agora um amontoado de tripas e sangue estiradas naquele chão sujo!
Não demorou muito até toda a cidade invadir minha casa com tochas, foices, procurando por sabe deus o quê eles imaginaram que fosse, logo subiram as escadas me viram aos prantos aos pés de Anna, ou os restos dela.
Foram precisos três homens para conseguir me tirar do quarto e me acalmar, todos estavam pasmos e ninguém sabia o que tinha acontecido ali, nem eu mesmo sabia. Me levaram a força para fora, tentaram me consolar, falaram palavras bonitas, citaram a bíblia e falaram que Deus iria castigar o monstro que havia feito aquilo.. Mas eram só palavras, eu me sentia devastado, eu me sentia traído por Deus, por que ele havia feito aquilo? Com qual propósito? Então eu corri, corri o máximo que eu podia, o mais rápido que eu podia, sem rumo.. apenas corri. Não me dei conta mas estava em frente a Igreja, já vazia por toda cidade estar na frente de minha casa, horrorizada com o acontecido.
Entrei na igreja, olhei a estátua de Jesus no alto da igreja, subi o altar e amaldiçoei Deus, amaldiçoei Jesus e tudo que vinha daquela Igreja!
Por quê? – Disse em prantos – Eu fui uma boa pessoa a vida toda, nunca fiz mal para ninguém, nunca pequei e segui todos os seus ensinamentos até os dias de hoje. POR QUÊ?
Foi nesse momento que eu senti que eu estava sendo observado, mas naquele momento eu não estava raciocinando muito bem, achei que era Deus me observando, e continuei a amaldiçoar todos!
Existem tantas pessoas ruins no mundo e você castiga somente as boas? O que eu fiz para merecer esse castigo? Eu não fui bom o suficiente? O que elas tinham a ver com isso? Elas não mereciam isso! Eu te amaldiçôo, eu desejo que as chamas do inferno queimem todo o céu, desejo que todas as suas criações sejam corrompidas, e que todas sejam levadas diretamente ao purgatório! Peguei uma das tochas e lancei na direção dos panos do altar, e aos poucos a Igreja foi queimando. E eu gritei:
Está vendo? Eu estou destruindo sua casa, eu sei que você está me observando, essa é a dor de quem perdeu tudo, isso são ações de quem não tem nada a perder, de quem perdeu a razão para viver! De quem não tem sonhos. Queime! Queime tudo! Os prantos se transformarem em uma risada doentia, um riso louco, talvez um novo “monstro” havia nascido!
Corri para fora, e logo recebi um golpe e caí. Não desmaiei, pude ver uma mulher que aparentava seus 27 anos com cabelos negros como a noite me carregar para um beco escuro, eu estava tonto, não conseguia associar as coisas que eu via enquanto ela me carregava, tudo que eu enxergava era a Igreja em chamas, mas eu pude ouvir o que aquela mulher misteriosa me falou, e tudo que eu lembro foi mais ou menos assim:
Eu te peço perdão, eu fui a responsável por aquela brutalidade que te transformou nessa pessoa doentia, eu não posso fazer nada para voltar atrás, se pudesse eu o faria, tenha certeza disso. – É difícil explicar o que eu sou, nesse exato momento eu estou falando com você enquanto uso certas habilidades para que minhas palavras sejam cravadas na sua mente. Eu não sei como me desculpar, eu sou mais velha, mais do que aparento ser, o que aconteceu hoje foi um caso isolado, fruto de uma falha minha, eu me descontrolei e a besta me dominou. Eu sei que essa tragédia irá te mudar, provavelmente você acabará com a própria vida, o pouco de humanidade que me resta não quer deixar isso acontecer, eu vou fazer de você a minha cria, o meu protegido. Eu só peço que você não me odeie, e a partir de agora grave bem essas palavras: Eu vou te presentear com a vida eterna, com uma dádiva, mas existem certas limitações. De hoje em diante você é um escravo da noite, fuja da luz, jamais seja tocado pela luz do sol. Não perca tempo com alimentos, a partir de agora seu único alimento será o sangue. E o resto, seus instintos te guiarão, e eu vou te observar até que você possa andar com as próprias pernas.
E eu senti dor, uma dor imensa, mas nada comparada a dor que eu sentia no meu coração, parecia que eu tinha morrido – e de fato tinha, mas eu ainda não sabia disso.
No início dos anos seguintes eu não soube jamais o porquê daquelas palavras nunca saírem da minha cabeça, mas hoje eu sei que foi através de alguma habilidade mental daquela desgraçada. Mas voltando ao que interessa.
Eu acordei, parecia que havia uma pedra em cima de mim – e aquela sensação de estar sendo observado não parava, e aquelas palavras não saiam da minha cabeça, eu achava que era algum anjo se desculpando por Deus – tudo que eu ouvia estava sendo amplificado, a ponto de doer meus ouvidos, e tudo que eu sentia foi maximizado de uma forma surpreendente, toda aquela raiva e todo meu ódio agora eram infinitamente maiores, eu consegui me manter em pé por uns 10 segundos, até que eu apaguei.
Acordei, com um cheiro podre ao meu redor, logo reconheci que era o cheiro de sangue, olhei para o lado e eu estava em uma casa desconhecida e havia sangue por toda parte, mas eu não conseguia sentir nada, apenas mais ódio, parecia não ter fim! Sai da aquela casa em busca de alguém para me dizer o que aconteceu, mas tudo que me vinha na cabeça era aquela mulher dizendo que sangue era o meu alimento. Procurei mais gente e percebi que não havia mais ninguém no meu pequeno vilarejo, que deveria ter umas 70 pessoas morando nele.. Em todas as casas o cenário era o mesmo, pessoas com fraturas expostas, decapitadas, sangue, sangue e mais sangue!
E aquela maldita sensação de estar sendo observado continuava, e eu gritei, gritei várias vezes para quem quer que esteja escondido aparecesse, sem sucesso. Passando por uma das casas eu pude ver meu reflexo, algumas marcas que eu tinha no meu rosto de ferimentos na infância haviam desaparecido, e o pior, meus olhos.. meus olhos haviam passado de verdes para vermelhos, isso me assustou bastante. Seria eu um demônio? Seria eu o responsável por todas as mortes? Essa é a maldição de Deus, a vingança por eu tê-lo amaldiçoado e destruído sua casa?
Mais tarde eu descobri que isso era um defeito da minha linhagem, sempre que nos rendemos a besta, nós herdamos uma de suas características. Bom, eu herdei os olhos vermelhos, o que me deixa bem assustador, porém me atrapalha bastante.
Notei que meu ódio por deus e pela Igreja havia se intensificado bastante com o passar do tempo, aprendi a me alimentar, a sobreviver, e aprendi a odiar mais e mais todos os deuses possíveis! Não vou contar aqui como foi o passar dos meus anos, apenas posso dizer que foi naquele domingo frio de inverno que nasceu o monstro que conhecem hoje. Ah, e aquela sensação de estar sendo observado continuou por anos e anos, eu contei uns 12 anos, e depois desapareceu, e mesmo mais de 100 anos depois, nunca a senti novamente. Hoje eu sei que a pessoa que me criou foi a mesma que destruiu minha vida, eu a odeio por isso, um dia eu também vou destruí-la.
Quem quer que esteja lendo isso, hoje sabe o porquê de eu destruir Igrejas, matar padres, estuprar freiras e destruir tudo que vem dele, por onde eu passo a destruição me persegue, por onde eu passo a Igreja treme. Meu ódio por Ele não tem fim, e como eu prometi, irei destruir todas as suas casas, e levar todas suas crias para o inferno junto comigo. Essa é a minha vingança, esse é meu propósito.
Johan Liebert.
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