Crime Quase Perfeito

Jorge teve apenas dois dias para planejar o crime. Tinha que ser perfeito, sem deixar pistas. Precisava encobrir as digitais e criar o álibi. Teria que ser de madrugada para não ser visto – ou pelo menos – ter o mínimo de testemunhas. Entraria encapuzado pela porta dos fundos. Ação facilitada pelo fato de possuir uma cópia das chaves. Ela iria gritar, no primeiro instante que o visse. Precisava ser rápido. Subiria as escadas sorrateiramente, segurando um pano embebido de morfina. A vítima não poderia acordar com o barulho, pois seu quarto ficava no final de um extenso corredor e a porta sempre permanecia fechada. Teria azar se ela estivesse acordada. Quando Jane estava com dificuldades para dormir, gostava de ler um bom romance na cozinha. Por isso tinha que entrar pela porta dos fundos e verificar o local primeiro, depois subir as escadas.

Ele possuía uma cópia da chave do quarto de Jane. Eram casados por mais de doze anos; mas ela conheceu um ricaço e acabou se separando. Não foi uma separação amigável. Houve muitas brigas e disputas judiciais. Jane queria ficar com os filhos para receber uma boa pensão e viver do luxo que seu atual namorado poderia proporcionar. Jorge aceitou a separação judicial, mas não a separação de fato. Passou a persegui-la com ligações e visitas habituais até que o juiz deu ordem para manter-se distante dela sob pena de prisão.

Jorge entrou na casa e foi para a cozinha. A luz estava acesa, porém Jane não estava lá. Foi para a sala de estar e viu copos de uísque na mesa de centro. “Com certeza ela está acompanhada daquele riquinho metido...”, pensou ele. Subiu as escadas ensurdecidas pelo veludo. Penetrou o corredor escuro ouvindo o rangido do piso emadeirado. Olhou para as portas dos quartos, todas estavam trancadas. Seguiu para o fim do corredor e puxou uma pequena chave do bolso. O barulho precisava ser o mínimo possível. Girou a chave lentamente e depois a maçaneta. Empurrou a porta como se estivesse dobrando um colchão.

Uma mulher de curvas sensuais estava sozinha na cama. Seu corpo desnudo estava espalhado, de bruços. Jorge foi na ponta dos pés e seus passos ainda eram amortecidos pelo carpete de veludo. Seguiu a luz do abajur que iluminava a face morena dela. Ergueu o pano molhado, esperando a mínima reação. Ela permanecia deitada, impassível. Quando estava de pé ao lado da cama, seu coração deu um salto ao vê-la virar-se para o outro lado. Precisava fazer aquilo agora, antes que ela acordasse e gritasse fervorosamente. Pôs o joelho esquerdo na cama e se debruçou. Esticou o braço que segurava o pano e apertou contra o rosto dela. Ela tentava gritar, mas o som era abafado, quase inaudível. Durante quase um minuto tentava lutar, se esperneando e usando suas unhas enormes para arranhá-lo. Quando finalmente adormecera, Jorge retirou a luva que usava e colocou outra. Puxou a arma que estava em sua jaqueta e enroscou o silenciador. Deu dois tiros na testa, fazendo-a saltar levemente. Retirou o silenciador e guardou a arma na jaqueta.

Ao sair do quarto ele viu, de relance, um vulto se espreitando em um dos quartos de hóspedes. Não havia mais tempo para averiguação. Tinha que sair logo da cena do crime, pois já passava das três horas da manhã. Desceu as escadas e teve o cuidado de trancar a porta dos fundos. Escondeu-se nas sombras das cerca vivas até chegar ao próximo quarteirão. Não poderia chegar sozinho em casa; e se alguém o visse? Precisava chegar acompanhado, para enriquecer o seu álibi. O modo mais fácil era pagar uma prostituta no centro e leva-la para casa. Foi exatamente o que ele fez. Catou a primeira que viu e seguiu a pé até sua casa. Olhou para as casas dos vizinhos para ver se havia alguma luz acessa e alguém observando. A barra estava limpa. Entrou em casa e pediu para a prostituta tomar um banho e subir para o quarto dele. Fez sexo com ela e depois adormeceu.

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Na manhã seguinte um policial bateu na porta da casa de Jorge. Ele acordou, espantado, e correu para o banheiro para vestir a roupa. A prostituta estava nua em sua cama e dormia como uma pedra. As batidas eram ininterruptas. Ele guardou a arma num compartimento secreto embaixo da cama. Desceu ajeitando o cabelo e ensaiando o que ia dizer.

- Pois não, senhor policial.

- Preciso que o senhor me acompanhe até a delegacia.

- Mas por quê? O que houve?

- Assassinaram uma mulher a uns quatro quarteirões daqui. A pessoa que registrou a queixa disse que você invadiu a casa pouco antes do crime.

- Eu? –disse ele, assustado. Não imaginava que alguém o tivesse visto. Talvez, o vulto que vira em um dos quartos de hospedes. Seria a sombra de um visitante que passara a noite na casa de Jane. – Deve haver algum engano, senhor. Passei a noite com uma garota de programa – para não dizer prostituta – em minha casa. Ela está no meu quarto agora, se quiser pode conferir.

- Não será necessário. Peço apenas que me acompanhe para prestar depoimento.

Jorge, tomado por uma enorme curiosidade, perguntou ao policial:

- Quem foi que registrou a ocorrência?

- Não posso dizer o nome, mas sei que é a dona da casa. A mulher que foi morta era a irmã dela que veio da Inglaterra para passar uma temporada. As duas são muito parecidas. O assassino, com certeza, queria matar a dona da casa, mas como ela deixou a irmã ficar no seu quarto e dormiu no de hospedes, acabou escapando. Sorte e azar ao mesmo tempo.

Quando Jorge chegou à delegacia viu Jane sentada numa das cadeiras, com a cabeça baixa e os olhos inchados. Praguejava mentalmente ao perceber que teve todo esse trabalho para nada. Agora tinha que se explicar à polícia.

nota do autor: Fiz dois finais, mas achei melhor esse por ser mais realista.

Cleiomar Queiroz
Enviado por Cleiomar Queiroz em 17/02/2012
Reeditado em 17/02/2012
Código do texto: T3504590