SOTERRADOS VIVOS

SOTERRADOS VIVOS

Jorge Linhaça

As chuvas chegaram com fúria peculiar, sem nenhum aviso, e parecia que jamais cessariam novamente.

O povo isolado não tinha como deixar suas casas enquanto as águas tomavam conta das ruas , transformando-as em rios cheios de corredeiras que arrastavam carros, objetos e tudo mais que estivesse em seu caminho como se fossem meros barquinhos de papel.

Carros se amontoavam uns sobre os outros, presos a postes, muros ou qualquer coisa que pudesse, ainda que temporariamente suportar o seu peso.

O asfalto rompia-se formando escoadouros que tudo tragavam, principalmente vidas humanas.

A terra das encostas, já encharcada e sem resistência, rolou montes abaixo como uma macabra avalanche soterrando e arrastando casas destroçadas em meio a gritos desesperados de seus ocupantes.

Uma sinistra argamassa formou-se da lama misturada aos restos humanos, vegetais e escombros.

Sob o mar de lama e destroços alguns poucos sobreviventes tentavam em vão respirar , tendo suas vias respiratórias preenchidas pela lama infecta e mortal.

Centenas de mortos, milhares de desabrigados. Esse era o saldo.

Não, amigos, não foi o fim do mundo, não foi uma vingança da natureza e nem alguma força demoníaca atuando sobre a região. Não foi um ataque alienígena. Nada disso.

Foi a falta de prevenção de alguns, a teimosia de outros e a ganância e irresponsabilidade de muitos, acostumados a desviar verbas de obras urgentemente necessárias para festas de rua e outras obras gigantescas e superfaturadas que possam servir de monumento ao seu nome qual as Pirâmides do Egito.

Enquanto isso no inferno o senhor das trevas sorri, aguardando-os de braços abertos e esperando o momento de sua chegada para cumprimentá-los com os mesmos tapinhas nas costas falsos com que brindam os eleitores em época de campanha eleitoral.

O terror nem sempre é sobrenatural ele está no nosso cotidiano, causado por governantes sem vergonha na cara.

Salvador, 16 de fevereiro de 2012