Claustrofobia...
Claustrofobia
Jorge Linhaça
João teve uma parada cardiorrespiratória fulminante, apesar dos esforços dos paramédicos, do desfibrilador e das tentativas do respiradouro artificial, não houve como reverter o seu quadro. Hora do óbito, 17:32.
À família nada restou além de cuidar dos detalhes do funeral, não houve autópsia por não encontrarem necessidade para tal.
O sepultamento deu-se na manhã seguinte já que todos os parentes moravam em lugares próximos.Não havia a menor necessidade de se prolongar o sofrimento dos familiares e amigos com horas e horas de velório.
Foi sepultado no mausoléu da família que nada tinha de luxuoso mas evitava cavar-se a terra cada vez que algum parente partisse para a outra vida.
João foi, por assim dizer, devidamente engavetado e os familiares voltaram para suas casas e para a quase rotina, já que naquele dia muito haveriam ainda de refletir sobre o ocorrido.
*****
João despertou em um lugar escuro, com algo a tapar-lhe as narinas impedindo sua respiração. Quase não conseguia mover-se no exíguo espaço que limitava seus movimentos, ainda assim conseguiu alcançar o nariz com uma das mãos e retirar os chumaços de algodão ali inseridos.
Sentiu de imediato o aroma de flores invadir suas narinas e começou a desconfiar de seu destino.O horror estampou-se em sua face e desesperadamente tentava se livrar do claustro onde agora repousava.
O seu desespero cada vez mais se acentuava e o ar ia se extinguindo conforme sua respiração ia se tornando mais ofegante.
A tampa do ataúde parecia ser por demais resistente para que lograsse êxito em sua tentativa desesperada de liberdade.
João continuou a lutar, a tentar com os joelhos forçar a tampa do esquife enquanto com seus braços fazia todo tipo de esforço para desvencilhar-se da fúnebre armadilha.
Por fim a tampa cedeu um pouco, e mais um pouco, até que soltou-se o suficiente ao menos para a entrada do ar viciado do mausoléu.João manteve-a suspensa com os joelho e deu descanso aos seus braços embora o terror ainda tomasse conta de sua alma.
Imaginava uma maneira de sair dali e procurou lembrar-se dos detalhes do mausoléu...a distancia entre a tampa do caixão e a divisória da outra gaveta não seria suficiente para que ele saísse dali daquela maneira.
Tentou gritar por socorro, mas a parede de tijolos abafava seus gritos, de modo que, ainda que houvesse alguém por perto não poderia escutá-lo.
Começou então a balançar o caixão de forma a fazê-lo sair da prateleira. como não tinha a menor idéia de sobre qual lado do mausoléu havia sido posto teve de arriscar a sorte pois a cada minuto passado por certo o cimento que juntava os tijolos de sua única possível saída iria endurecendo e tornando quase impossível a sua fuga dos braços da morte.
O caixão foi aos poucos oscilando para o lado...João emprendia todo o restante de suas forças nessa tentativa desesperada...parava alguns momentos para respirar e quiçá resgatar um pouco das exíguas forças que ainda possuía.
O cheiro das flores o irritavam, o deixavam cada vez mais desesperado. o toque das pétalas em seus braços e mãos eram como os dedos da morte a querer arrastá-lo.
Por fim o caixão despencou,João sentiu o mundo girar e o forte impacto do esquife no solo...em um último e sobre-humano esforço conseguiu arrastar-se para fora do esquife, ainda envolto na total escuridão. Deu um grito de vitória que ecoou pelo mausoléu multiplicando-se em um angustiante eco.
João, já à beira da loucura ainda precisava tatear pelo cubículo para descobrir a parede recém reconstruída...suas mãos foram tocando caixões e paredes rústicas até que por fim seu tato indicou-lhe uma parte onde o cimento parecia mais úmido, de uma textura diferente. João gargalhava a gargalhada dos loucos enquanto socava sem cessar aquela que poderia significar a sua passagem para a liberdade e a vida...
As mãos já estavam em carne viva quando finalmente o primeiro tijolo cedeu, deixando penetrar o ar fresco na prisão macabra.
João continuou empurrando tijolo a tijolo, abrindo passagem para o seu corpo, estava quase livre...enfiou parte do corpo para fora, com os olhos feridos pela claridade do dia , pareceu ver à sua frente um vulto e pediu por ajuda enquanto que ouviu de volta apenas uma frase..." volta pro inferno defunto desgraçado" enquanto sua cabeça era esmagada pela pá do coveiro embriagado.
Depois de abater o defunto e empurrá-lo de volta para o mausoléu, o coveiro calmamente refez a parede destruída, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.
Encerrada a tarefa , acendeu um cigarro , sentou-se sobre a pedra fria e disse...
Tá pensando o quê? De meu cemitério defunto nenhum escapa!
Salvador, 15 de Fevereiro de 2012