João Boca de Ouro
Jorge Linhaça
 
João boca de ouro era assim conhecido porque seus dentes eram todos feitos do precioso metal.Dono da única agência funerária da pequena cidade, outrora próspera,não se podia dizer que era um homem rico mas também não se podia dizer o contrário. Sua única ostentação e vaidade eram os dourados dentes que fazia questão de exibir como troféus.
Na verdade os dentes foram postos quase que um a um durante os últimos anos.
 
João tornara-se uma dessas figuras quase caricatas e ao mesmo tempo folclóricas de seu município, Afinal, qual pequeno município não tem algumas dessas figuras entre seus munícipes, não é mesmo?
 
As coisas caminhavam de maneira pacata na cidadezinha, raramente algum acontecimento marcante ocorria, uma ou outra briga entre os bêbados, algum flagrante de traição conjugal e pouco mais do que isso.
 
Um dia de finados porém ficou marcado para sempre na história Taperópolis.
 
Na véspera de finados, João fechou a funerária no mesmo horário de sempre e recolheu-se à sua casa no andar superior. Foi assistir TV e adormeceu tomado por um sono pesado e pouco comum.
Despertou com o barulho que vinha de seu estabelecimento e apanhando sua arma desceu as escadas cuidadosamente, pensando tratar-se de algum gatuno.
 
O relógio na parede marcava 23:50 da véspera de finados, João esperou que seus olhos se acostumassem com a semi-escuridão, que só não era total porque a iluminação pública da praça permitia que a claridade entrasse parcamente pelas vidraças.
 
23:55
João desce as escadas seguindo o ruído que se tornava mais intenso e percorria a exposição dos caixões que mantinha como mostruário e ao mesmo tempo estoque.
 
23:57
O ruído agora parecia vir de partes diferentes ao mesmo tempo, e João começou a achar que havia algo de muito estranho, seus dentes de ouro cerravam-se em sua boca e sua respiração estava quase que suspensa.
 
0:00 vários vultos saem de por detrás dos caixões e João avisa que está armado e vai atirar...os vultos continuam a avançar sobre ele
sem se importar com suas ameaças...João descarrega seu trinta e oito sobre os vultos que continuam incólumes o seu avanço macabro em sua direção. Com a proximidade dos mesmos, João começa a reconhecer neles seus clientes mais seletos, aqueles mesmo que deveriam ter sido enterrados com suas alianças e jóias que João havia desviado para seu próprio interesse e mandado fundir para fazer os seus famosos dentes de ouro.
 
O terror estampou-se em sua face como que percebendo as intenções das macabras criaturas...tentou correr...gritar...mas era tarde demais...as criaturas avançaram sobre ele e arrancaram de sua boca dente a dente aquilo que lhes havia sido roubado.
 
João foi encontrado sem vida, a face era uma verdadeira máscara de horror e sua boca um poça de sangue pútrido e ressecado.
O crime ficaria sem explicação não fosse pelo fato de que, ao visitarem os túmulos de seus familiares, algumas das famílias mais antigas e proeminentes da cidade tenham elas encontrado sobre as frias lápides os dentes de ouro que até então enfeitavam a boca de João Boca de Ouro.
 
Salvador, 13 de fevereiro de 2012