A Procissão Dos Escravos
Jorge Linhaça
 
Pelas ruas de pedras coloniais, chamadas de cabeças de negro, caminha a fantasmagórica procissão de centenas de escravos que morreram vítimas de maus tratos.
Seus vultos caminham como que cobertos de cinzas, emprestando-lhes um aspecto ainda mais espectral.
Entoam cantos de lamento, do banzo, enquanto arrastam correntes e carregam instrumentos de torturas das quais foram vítimas enquanto vivos.
 
Vindo do lado oposto caminha uma outra procissão semelhante, composta por capitães do mato, capatazes, senhores e senhoras e suas filhas, assim como capangas dos donos de escravos..
Estes caminham de cabeça baixa, longe da altivez que orgulhosamente mantinham enquanto viveram sobre esta terra.
Estes vinham ladeados por uma quantidade de encapuzados, vestidos de negro que acompanhavam o cotejo e fechavam-no quando a fila chegava ao fim.
 
A neblina da noite dava uma ar ainda mais tétrico aos dois cotejos que se dirigiam a um mesmo ponto.
 
Aqueles corajosos o suficiente, movidos pela curiosidade , espreitavam pelas frestas das janelas dos antigos assobradados.
Outros menos dados ao sobrenatural recolhiam-se rapidamente fazendo o sinal da cruz e entregando-se a todo tipo de orações, implorando pela proteção divina.
 
A tensão e o suspense aumentavam a cada passo dado por ambos os grupos.
 
Encontraram-se por fim em um Largo, bem ao meio do caminho.
O silêncio sepulcral que reinava soberano, só foi quebrado pelas doze badaladas do sino de uma das inúmeras igrejas da cidade, anunciando a chegada da meia-noite.
 
os negros distribuíram-se em um grande círculo ao redor do Largo, enquanto que o outro grupo de miseráveis foi conduzido ao centro do mesmo pelos encapuzados que os iam dividindo de acordo com sua posição quando ainda neste mundo.
 
O terror propriamente dito ainda estava por mostrar a sua face.
 
continua...