O Jogo da Forca - Episódio II
“Quem sou eu? Cemitério de água, caixão de carne e ossos, vivo eu estava, mas achavam que eu estava morto?”
- Droga, não sei o que faço! Já se passaram dez minutos e ainda não consegui me concentrar.
Treze horas, o sol estava quente, o suor escorria de sua cabeça, molhava seus cabelos negros, ele passava as mãos repetitivamente em sua cabeça, massageando-a.
Os últimos anos de sua vida passavam por sua mente. Vinte anos ao lado de sua esposa, seu trabalho e suas conquistas. Tantas coisas, e de que valiam? Seus amigos. Ele não podia falar nada para ninguém. Lembrou-se do ultimo fim de semana, um almoço no restaurante Bom Paladar, sentados à mesa, ele e seus dois melhores amigos. Quando Rafael perguntou:
- E a família, como vai?
- Muito bem! Dani está se sentindo bem melhor, e Bernardo tem se saído muito bem também no curso de inglês, logo que completar os dezoito e se formar iremos para Inglaterra e aí venderei minhas ações pra vocês dois.
- Sentiremos muito a sua falta! Disse Jonas!
- Eu também! Mas ainda faltam três anos! E quem sabe não convenço vocês a irem comigo. Montamos outra fábrica por lá. Afinal todo lugar precisa de bons amigos.
Era comemoração de dez anos de parceria. Tudo conquistado ao lado dela. Tantos planos ao e agora ele via tudo perdido, ele precisava salvar seu filho. Pensar no restaurante o lembrou que estava com fome. Ligou o carro e parou numa lanchonete, um lugar limpo e discreto. Desceu e se dirigiu ao balcão. Uma moça de cerca de trinta anos o recebeu, tinha um cabelo liso, era ruiva, olhos rasgados, e uma charmosa pinta no canto da boca, além é claro de uma tatuagem de um pequeno anjo no ombro esquerdo e um piercing que atravessava sua língua.
- O que vai querer? Ela perguntou.
- Um café bem forte, por favor! Os minutos passavam. E ele ainda pensando no que fazer. Não poderia chamar a polícia, pois colocaria a vida de seu filho em um risco ainda maior. Pensou novamente em ligar para um de seus amigos, mas novamente desistiu, ele estava sozinho.
- Senhor? Senhor?
- Hum? A voz da garçonete interrompeu seus pensamentos.
- Vai comer algo?
- Sim! Me faça um hambúrguer, por favor!
- Quem sou eu? Ele pensava alto. – Cemitério de água, caixão de carne e ossos, droga! - Vivo eu estava, mas acharam que eu estava morto.
Ele repetia a charada tentando concentrar-se. Já haviam se passado vinte minutos. O que ele iria fazer, seu tempo estava acabando. Ele precisava primeiro descobrir o nome da pessoa. Um conhecido? Uma pessoa que o fez mal? Quem poderia ser? Ele não tinha tantos inimigos, e ninguém que ele realmente acha-se que deveria morrer. Nomes de conhecidos vagavam em sua mente, André, Carlos, Mauro, Tadeu, Flávio, João, mas ninguém que merecesse morrer e poucos com cinco letras. Ele estava aturdido. E continuava pensando alto. As pessoas começavam a olhá-lo desconfiadas, mas ele pouco se importava. Eles só poderiam estar pensando que ele estava louco. E seu semblante havia mudado tanto nas ultimas horas. Ele realmente não estava bem, mas misteriosamente ele conseguia se manter calmo, encontrar algum equilíbrio.
A garçonete passava de um lado pro outro, correndo com pedidos e voltando com guloseimas em bandejas, mas seu hambúrguer não chegava. Ela era outra que o olhava de forma diferente. Ele pegou seu celular, olhou as horas, enfiou a mão no seu bolso e pegou o gravador, uma parte dele estava derretida, efeito do incêndio que ele mesmo provocou em sua casa. Lembrou-se do corpo de sua mulher, e imaginou-o queimado, a pele derretendo-se, os cabelos loiros não existiam mais, a boca, os seios, tudo havia se deformado, ele não pôde nem tira-la de lá. Ela era só um cadáver. Um amontoado de ossos que se viam à frente da carne, um enorme espeto de churrasco humano. Nem em seus pesadelos mais profundos ele poderia imaginar um fim deste pra Daniela.
- Aqui senhor! Interrompeu novamente a garçonete, que viu uma lágrima sair impulsiva do olho de Max.
- Obrigado! – Disse ele enxugando-a desconcertadamente.
- O senhor está bem?
- Sim.
Ela voltou para seus afazeres, pegou a bandeja e entrou novamente na cozinha. Ele abocanhou o hambúrguer, estava morrendo de fome. Já haviam se passado vinte e oito minutos. Ele ainda sem entender a charada. Continuava absorto em pensamentos.
- Cemitério de água, caixão de carne e ossos...
- Um grande peixe? - A garçonete disse enquanto o surpreendia com sua presença novamente.
- Do que está falando? Não entendi.
- A sua charada. Cemitério de água, caixão de carne e ossos. É um peixe!
Max surpreendeu-se com a sagacidade da mulher à sua frente, mas ainda parecia incrédulo.
- Como você... – Ele dizia enquanto ela o interrompeu.
- Você está murmurando isso desde que chegou. Deve ser bem importante.
- Sim, e é. Mas o que quer dizer?
- Não lhe vem nada a mente? A Bíblia?
- Eu sou péssimo nisso. Um verdadeiro cético.
- A bíblia conta que um homem foi engolido por um peixe, ficou lá por três dias, e depois foi vomitado com vida, mais ou menos isso.
- E foi dado como morto? – Perguntou Max.
- Sim! Isso mesmo!
- Você é ótima! Como conseguiu decifrar isso tão rápido?
- Adoro enigmas! A propósito me chamo Nadia! E você?
- Max.
- Qual é o nome?
- Nadia, já disse.
- Não, o do homem que foi engolido pelo peixe.
- O profeta Jonas! Você nunca ouviu essa história mesmo?
Max afundou na cadeira. Tudo que ele prezava estava sendo posto a prova. Olhou estático para Nádia e se viu em um inferno particular.
- Jonas? Por quê? Simplesmente não entendo.
- Hum? – Nádia ficou aturdida com a reação de Max.
- Tenho que ir.
- E a charada? Por que você precisava tanto descobrir? - Ele a pagou com uma nota de cinqüenta, olhou em seus olhos e se levantou apressado.
- Pra matar meu melhor amigo! - Ele disse e saiu da lanchonete em direção a seu carro.
A casa de Jonas não ficava tão distante. Em dez minutos estaria lá. Mas matá-lo? Por quê? Não que isso melhorasse as coisas, mas o assassino disse que ele mataria apenas pessoas que o enganaram. O que estava acontecendo? Ele ainda tinha vinte minutos, dez para chegar, dez para matar. Seu coração batia acelerado. Sua cabeça parecia que ia explodir. Estava em transe. Não via nada ao seu redor, as casas pareciam estar correndo na direção contrária a que ele seguia, passando mais rápidas que o normal. Ele estava a 140 km/h e subindo, quando o telefone tocou. Max olhou o número, era um número diferente do que o assassino tinha ligado anteriormente. Ele então atendeu.
- Alô. – Ele disse.
- Max, o que está fazendo? Era aquela voz mecânica estridente.
- Estou indo para casa do Jonas.
- Eu sei que está indo pra lá. Mas por acaso eu disse pra você se matar! Diminua a velocidade! Você acertou! Tem tempo pra chegar até lá.
Max se assustava cada vez mais com aquela voz, mas algo mais o surpreendeu. Ele olhava pelo retrovisor, para os lados, procurava alguém com um celular ao ouvido.
- Você está aqui? Me seguindo?
- Não me verá Max. Não adianta ficar me procurando. Faça o que tem que fazer logo!
- Você disse que eu mataria pessoas ruins! Jonas é um amigo!
- Jonas é um traidor! Você verá! Vá logo! Bernardo precisa de você!
E o assassino desligou. Max reduziu a velocidade. Sentiu seu pé deslocar suavemente do acelerador, respirou fundo e dirigiu por mais um tempo. Estava agora à metros da casa de Jonas, uma enorme casa no centro da cidade. Ele desceu e foi até a porta, convicto de que não conseguiria matar seu amigo. Bateu, mas Jonas não atendeu. A porta estava apenas encostada. Ele a abriu e entrou cautelosamente, pé por pé, pressentindo que haveria certamente uma cilada, e rezando para que seu filho estivesse ali e tudo aquilo acabasse logo.
- Jonas? Você está aí? - Estou entrando amigo. É o Max!
A casa parecia estar vazia, mas ele viu algo familiar. Uma forca desenhada na parede. Desenhada à sangue e do seu lado uma seta apontando para sala de T.V. da casa de seu amigo, uma casa que ele conhecia muito bem. Max seguiu a direção da seta e lá estava ele, Jonas, nu, dependurado, suas mãos amarradas para trás. Seus dedos dos pés o salvavam apoiados em uma cadeira, uma corda envolvia seu pescoço, estava amarrado ao ventilador. E em seu peito escrito a sangue:
Salve-me papai!
Max queria muito salvar seu amigo. Ele só precisava cortar a corda. Havia uma faca encima da mesa. Ele avançou para pega-la. Jonas balançava a cabeça negativamente, enquanto lágrimas escorriam de seus olhos. Max pegou a faca e viu que sobre a mesa havia um envelope destinado a ele. Estava escrito, ABRA... Ele abriu e dentro havia uma série de documentos, Max não queria lê-los, ele conhecia aqueles documentos, eram papéis que Jonas lhe dava para assinar, ele confiava tanto em seu amigo, que mal os lia.
- O que significa isso? – Ele estava perplexo. - Você Jonas? Você fez isso comigo? – O mundo estava desabando na cabeça de Max. Sua enxaqueca aumentava. - Você? Meu melhor amigo!!- Eu confiei em você!!
Jonas continuava a balançar a cabeça. Ele parecia implorar por sua vida. Lágrimas percorriam sua face, caiam em seu peito e misturavam-se com seu sangue, a cadeira balançava cada vez mais, os pés cantando sobre o porcelanato. Jonas estava com medo, perdia seu equilíbrio, sua força esvaia-se.
Max olhava pros documentos, agora ele andava de um lado pro outro, o tempo corria contra ele. Apenas três minutos. Só isso para ele decidir!
Seu filho? Seu Amigo? Jonas o havia roubado. Tomado tudo, toda sua parte na fábrica. Ele praticamente estava falido, restava apenas o dinheiro do banco, o carro a casa. Sua casa foi incendiada. Sua mulher estava morta. Seu filho, o que ele iria fazer? Ele precisava salva-lo! Olhou para Jonas, leu mais uma vez a mensagem no peito de seu amigo. “Salve-me papai”. Dois minutos, o relógio girava. Max olhava para Jonas, envolto em um misto de tristeza e ódio. Um de seus melhores amigos. Ele aproximou-se de Jonas, o olhou mais uma vez, seu rosto, seus olhos, seu medo. Ele fechou os olhos, deu um grito alucinado e chutou a cadeira que o mantinha vivo.
A corda esticou-se com o peso de Jonas que se debateu feito um louco, dava pra ouvir a sua respiração oscilante, ofegante, a garganta travada, um trincar de ossos, os pés repuxando enquanto sangue saia de sua boca. Um parafuso do ventilador foi arrebentado do teto e caiu no chão, mas ele continuou firme, Jonas ainda se repuxava, bufava, sufocava, seus olhos pareciam de um zumbi, vidrados, congelados, assustados. E finalmente ele parou de respirar e seus pés se entregaram ao acaso e caíram com os dedos para baixo, a corda girando, ele agora era apenas um corpo dançando no ar. O telefone tocou.
Max estava congelado, não via o tempo, não via nada, seus olhos ainda fechados. O telefone continuou a tocar, e Max despertou repudiando a imagem de Jonas que jazia suspenso a sua frente. Viu a imagem de Jonas de relance mas aquilo bastou para uma ânsia terrível o tomar, ele estava com nojo dele mesmo. Virou-se de costas para o corpo e atendeu ao telefone.
- A próxima charada! Fale logo! – Ele disse ao telefone.
- Calma Max! O que está sentindo? Desabafe!
- Eu não sinto nada. Eu estou morto! Assim como você vai estar quando eu te encontrar!
- Gosto de seu espírito! Escolhi bem o jogador. Você é um assassino nato amigo! Frio! Você é como eu!
Max estava com ódio, mas era um ódio de si mesmo. Suas lágrimas haviam secado. Ele já chorara tanto aquele dia.
- Eu nunca serei como você! Você é um monstro! Repugnante!
- Lindos elogios! Vamos para a fase dois! Acho que você vai adorar! E que bom que você conseguiu ajuda! Acho que vou incluí-la no jogo também!
- Do que está falando!
- Da garçonete meu caro. Ela foi impecável!
- Deixe – a fora disso! Isto é entre nós dois!
- Aqui quem faz as regras sou eu Max! E nunca foi entre nós dois. É apenas você!
- Diga a dica, ou a charada logo!!
- Nome de homem com 3 letras,tira 1,fica 4, tira 2 fica 5. Descubra se quiser seu filho vivo!
Continua...