O GATO MALDITO
Fernando estava de pé em frente a pia do banheiro, indignado. O gato. Novamente ele a pertubar o seu sono. Era a sexta noite consecutiva que o maldito animal aparecia, caminhando e miando desesperadamente no telhado fino que estralava em grandes estrondos. Parecia que havia um homem marchando ali. Olhou-se pelo espelho acima da pia e notou as olheiras enormes que ganhara. Praguejou o pequeno animal e jurou que se livraria dele na primeira oportunidade...
Seus amigos de trabalho notaram sua aparencia deteriorada por noites não dormidas e sua indisposição exagerada. Quando perguntado sobre o que estava acontecendo ele respondia sem a sua foramalidade habitual, aliás, aos gritos, que um gato não lhe deixava dormir. Todos acreditaram, pois sua aparência horrenda delatava fato.
Mas na noite seguinte ele pegou seu inimigo. Havia preparado, no quintal dos fundos, um grande e suculento pedaço de carne dentro de uma rede com arames entrelaçados. Funcionava como uma espécie de ratoeira, apesar do "rato" em questão ser bem maior. Ficou esperando no sofá, quieto. Depois de algum tempo começou a ouvir a familiar canção noturna da gato e ficou em alerta. Os miados cessaram, um momento de expectativa que parecia eterno e...trek! O som dos arames se fechando. Rapidamente Fernando correu para o quintal e prestigiou obssessivamente seu feito. Decidiu dar um fim bastante doloroso naquela praga. Pegou o saco com o gato se debatendo e chorando loucamente, mas ele nem se deu conta disso; estava em êxtase com seu sucesso. Sentiu-se como um caçador de alces americano. Jogou o saco dentro do carro e decidiu rodar pelos arredores de sua casa. Não o mataria agora. Precisava se deliciar por um momento. Rodou por algum tempo e sentiu o corpo extremamente pesado. desejou dormir em sua cama e toda vez que pensava nela, ria escandalosamente.
Num desses acessos histéricos Fernando teve uma idéia aterrorizante. Não aguentaria ficar acordado tempo suficiente para torturar-lo da forma que queria, então resolveu enterrar o pobre animal ainda vivo e fez isso sem nenhum sinal de arrependimento.
voltou para casa e dormiu como nunca.
Sua vida retornou aos eixos depois do ocorrido. No trabalho, voltou a ter o mesmo rendimento satisfatório de antes. Já se olhava no espelho com mais entusiasmo porque tinha perdido, enfim, àquela aparência cadavérica que lhe tomava. Entretanto uma notícia abalou tudo. Marcos, seu melhor amigo e o único a saber de seu segredo nebuloso, lhe procurou com um ar sombrio. Dissera a Fernando que havia descoberto, por acaso, enquanto lia um livro empoeirado na biblioteca da cidade, que segundo as lendas indianas, quando uma pessoa comete um ato de crueldade com algum animal ele é amaldiçoado a ter o mesmo fim. Inicialmente ele não acreditou, mas os dias foram se passando e a idéia absurda de acordar dentro de um caixão invadiu seus pensamentos. Passou a evitar o sono. Deixou de ir ao trabalho porque não queria se cansar e ser obrigado a dormir. Não saía mais de casa e pouco a pouco foi perdendo seus amigos. Tomava remédios compulsivamente para afugentar o sono. Dormia apenas uma hora por dia e somente pelo fato de a natureza não lhe deixar ficar vinte quatro horas acordado. Comprou um gravador que segurava loucamente com as duas mãos afim de não perdê-lo. Queria ao menos, no caso de não resistir ao sono, registrar sua experiência como um morto ainda vivo; era assim que ele se via. As feições cadavéricas retornaram gradativamente e ele se sentia como o pior dos homens, arrependido. A mais baixa das criaturas. Um ser esquelético e deteriorado pelo próprio medo.
Enfim, não resistiu e adormeceu prfundamente...
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"Acordei, mas não tive coragem de mover-me. Apesar de sentir dentro de minha alma que de fato estou... bem, não ousei fazer o movimento que informaria minha localização. Depois de um longo tempo de indecisão, resolvi abrir os olhos, porém nada enxerguei além do breu absoluto. Tomei coragem e ergui os braços: Bati com força em uma superfície rígida acima da minha cabeça; bem perto do nariz. O ar me faltava todo o tempo e apesar da brutalidade de meus esforços para erguer aquela superfície ela sinplesmente não se moveu. Parei, ofegante, respirei e senti um cheiro de terra úmida.
Afinal não tive como duvidar de que me encontrava dentro de um caixão...
Senti uma profunda vontade de gritar, mas não gritei. Quem me ouviria? Deus me castigou por querer dormir tranquilo e por fim tive meu merecido descanso. Estou resignado com o fato. Só me restou chorar e o fiz. Ainda sim pude distinguir nitidamente um som. Desejo, em meu leito de morte, ter enlouquecido, pois em meio ao meu pranto pude ouvir claramente o ronronar manso de um gato...