Sozinho no Escuro (Republicação)

Esse conto foi publicado há tempos.

Faz tanto tempo que não escrevo, que me senti nostalgico, mas estou republicando, pois em breve deve vir coisa nova por ai.

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Eu estava em frente aos muros azuis da velha casa, eram desbotados pelo tempo e me faziam pensar em quanta carnificina tinha acontecido ali. Os muros ainda eram recobertos por alguma velha trepadeira que já estava morta, pois havia apenas galhos murchos, mas serviram muito bem como suporte para minha escalada. No topo do muro, minha mochila foi jogada ao chão, para facilitar minha decida.

A casa silenciosa me causava um leve arrepio. Antes eu tinha caminhado pelo cemitério, mas aquele lugar era muito mais assustador.

O sol da tarde fazia minha testa suar. Antes do escurecer, minha missão estaria completa.

Cruzei o jardim, cheio de flores pútridas e plantas desconhecidas minhas. Aqueles canteiros macabros eram assustadores, cheios de anelídeos e nematelmintos, vermes, mas ali na verdade havia muita vida, pelo menos em potencial.

Caminhei em direção à porta da casa. Era um velho sobrado abandonado, parecia ser do início do século passado. A casa tinha várias janelas e uma enorme varanda, o que apesar do aspecto fantasmagórico, tinha a sombra do que um dia fora um lar aconchegante.

Forcei a porta, estava trancada. Tábuas de madeira deviam estar pregadas no outro lado. Não queriam que ninguém entrasse ali, principalmente, durante o dia.

Tirei a mochila das costa e procurei o pé de cabra que tinha trazido. Forcei a porta com ele e nada aconteceu, em um acesso de raiva chutei a maldita com toda a força, mas a porta não se moveu. Não iria entrar por ali. Procurei uma janela lateral, forcei, forcei, mas nada. Tentei outra janela e nada, mais outra, nada. Quando já estava começando a perder as esperanças, uma janela cedeu. Imediatamente, pulei para dentro da casa.

O lugar era mais escuro que a noite mais densa, o ar pesado era fortemente caracterizado pelo cheiro de mofo. A luz que entrava pela janela clareava o ambiente até certo ponto, mas o resto da casa permanecia numa densa penumbra. O vento começou a soprar o que fazia um barulho estranho e figuras disformes surgiram na escuridão. Fiquei arrepiado na hora.

Procurei na mochila minha lanterna. A luz espantou as trevas do lugar, mesmo que discretamente, pude ver que os fantasmas que eu vira, na verdade, eram móveis coberto por lençóis empoeirados. Respirei o ar pesado da casa e um pouco de tranqüilidade veio a minha mente, mas a idéia de que lá fora escurecia logo, me fez querer cumprir minha missão e sair dli.

Fechei a janela, estava sozinho no escuro. Comecei a explorar a casa. O pensamento de que ali era tão sombrio e quente, mas que lá fora o sol era de soberano, me fez dar um leve sorriso medroso.

Estava no que parecia ser a sala de estar. As formas de um imenso sofá e uma mesinha de centro eram perceptíveis sobre os lençóis. Um belo e empoeirado candelabro de cristal pendia do teto. Rumei para a cozinha, era toda revestida de um velho azulejo amarelo que estava esbranquiçado pelo tempo, não havia nada lá.

Voltei para a sala e segui pelo corredor que havia ao lado das escadas. Havia quatro portas nesse corredor. A primeira dava para um quarto vazio. A segunda estava com o trinco quebrado, não deveria ter nada de importante do outro lado, talvez outro quarto vazio. Na terceira porta, havia apenas, um gigantesco armário marrom.

Entrei no quarto da terceira porta e andei em direção ao armário, as tabuas do piso pareciam estar podres e gemiam, com o peso, sob meus pés. Abri o armário. Havia muitas fotos, fotos de muitas pessoas diferentes. Por um breve momento, pensei que a foto de minha amada deveria estar ali em algum lugar.

Fechei os olhos e lembrei-me do seu rosto, seus olhos redondos, os lábios carnudos e o nariz redondo. Falei baixinho para mim mesmo:

- É por ela que eu estou aqui.

Voltei para o corredor e segui para a quarta porta. Era um banheiro. A privada estava imunda havia vestígios de sujeira seca de mais de anos ali, o fedor não era tão grande, mas incomodava um pouco. A velha pia estava quebrada em dois lugares. O chuveiro de metal estava todo enferrujado. Entrei no Box, onde há muito tempo as pessoas tomavam banho, havia um pequeno tapete ali, um daqueles que as donas de casa colocam na porta para as pessoas enxugarem os pés ao saírem do banho. Ele estava remexido, com uma aba virada. Com o pé tirei-o do lugar e o dobrei ao meio. Algo metálico refletiu na escuridão quando encontrou a luz da lanterna. Era uma argola que abria um compartimento secreto, um alçapão.

Havia escadas ali.

- Um porão. – sussurrei – é o covil.

A luz da lanterna se perdeu antes de chegar ao fim dos degraus. O porão era completamente escuro, mas aos meus olhos parecia ainda mais escuro que o resto da casa. Fiquei com medo, mas não era covarde, tinha que entrar lá. Fiz o sinal da cruz e desci as escadas rapidamente, sem fazer barulho.

Um quarto surgiu, não era um grande porão como eu imaginava. Era um cômodo circular, diferente do resto da casa, esse compartimento era limpo e não havia a menor sombra de poeira.

O foco de luz da lanterna me revelou seis castiçais, sujos de cera de velas há tempos usadas e velas novas no lugar. A cada dois castiçais havia um caixão, dispostos de forma que formavam um macabro circulo.

Eram os vampiros.

Um daqueles ataúdes era o da maldita, um daqueles caixões guardava a sanguessuga que matou minha amada há muito tempo. Desde então, meu coração sempre quis vingança.

Deixei a mochila de lado e abri a tampa do primeiro caixão.

Uma vampira morena estava em transe, dormia o seu sono maldito. Seus seios fartos e os lábios carnudos me chamaram a atenção. Ela estava congelada em seus trinta e poucos anos. Era muito sexy, devia seduzir suas presas com decotes como aquele.

-Vaca! – falei - vai queimar no inferno.

Seu nome era Crystall. Lady Cristall, a primeira irmã vampira.

Segui o circulo macabro e violei o segundo caixão.

Um vampiro estranho jazia ali. Era muito branco, tinha as feições do rosto suave, seu nariz pontiagudo e os lábios roxos. Sua expressão era de serenidade. Figura esquisita, mas eu não sabia quem era aquele desgraçado.

Olhei para o próximo esquife.

- Ela deve estar ali. – sussurrei.

Abri o ataúde e dei de cara com ela. Uma linda loira da pele extremamente pálida, apesar de que as maçãs do rosto dela eram levemente rosadas. Não era tão voluptuosa como sua irmã vampira, mas era muito mais sexy, a sua maneira. Ela era maldita, era a responsável por todos aqueles anos de sofrimento e dor. A vingança começou a arder mais fortemente no meu peito. Era hora de matá-la de vez. Seu nome era Lady Bernhard.

Lembrei-me do dia em que nossos destinos se cruzaram.

***

Passava pouco das oito da noite, eu e minha amada saíamos da missa, apesar de ela ser evangélica, uma vez por mês ela me acompanhava na missa católica. Saímos da igreja e fomos para uma lanchonete perto dali, fizemos um rápido lanche, eu comi goiabada com queijo e ela quis comer pêssegos em calda.

Quando havíamos saído, notei que havia esquecido minhas chaves na mesa. Pedi para ela esperar um momento, enquanto eu voltava para buscá-las. Não demorei mais que dois minutos, apenas dois minutos, mas quando voltei, ela havia sumido.

No chão, estava jogada sua carteira, com o celular dentro. Apanhei tudo e saí a sua procura.

Na solidão noturna daquelas paragens, ouvi ao longe um grito. Era ela. Corri com todas as minhas forças para o fim de um beco sem saída. Lá vi a cena mais grotesca que já tinha visto, até então.

Minha amada jazia nos braços de uma mulher pálida. Ela mordia seu pescoço, e um liquido vermelho escorria dali. Não pensei duas vezes, aproveitei o impulso da corrida e chutei as costelas da assassina, parecia que eu chutara um bloco de concreto. Caí com o calcanhar torcido. A coisa olhou para mim.

Pela primeira vez, eu vi seu rosto. Era uma mulher linda, mas de sua boca escorria sangue, o sangue da minha amada. A vampira deu um grito e saiu voando por sobre o muro de concreto. Não sei por que ela não me atacou. Talvez, eu fosse mais feliz hoje, se ela tivesse me assassinado ali, também.

Com o corpo sem sangue de minha amada nos braços, eu jurei vingança.

Alguns dias depois, entrei para o seminário, onde alguns anos depois, eu fui formado padre. Todo esse tempo, eu estudava em segredo. Eu estudava os segredos do Nospheratus.

***

Retirei da mochila uma estaca de madeira e o martelo. Da cintura retirei o afiado cutelo que trazia comigo. Posicionei a estaca sobre o peito da linda coisa loira.

- Essa é pela minha amada, sua maldita. – disse.

E bati o martelo na estaca com toda a força que tinha.

Senti quando a estaca penetrou em seu peito, rumo ao coração. A dor a fez despertar do transe, ela rosnou como um gato acuado e por reflexo, colocou a mão na estaca, antes de eu bater novamente o martelo atravessar seu coração. Ainda ouvi ela gemer.

- Padre.

Gritei

- Morra sua maldita!

Ela, finalmente, ficou estática. Saquei o cutelo e arranquei sua cabeça.

Minha vingança estava concluída. Porém, não podia deixar que aquelas criaturas demoníacas continuassem a solta. Tirei da mochila a gasolina e espalhei por sobre os caixões, fiz uma trilha até a saída da casa. Acendi um cigarro, dei uma única tragada e joguei-o na gasolina. O fogo caminhou rapidamente, logo toda a casa estaria parecendo o inferno, onde Lady Bernhard sofria agora.

Já era quase noite quando eu saí da casa. Antes de pular o muro, ao fundo pude ouvir os gritos de Cristall. Olhei para trás e gritei ensandecido:

- Queimem seus malditos.

***

Naquela noite na sacristia, o padre tomava seu vinho. Agradecia a Deus por ter tido coragem de fazer o trabalho sujo e ainda ter tido paz de espírito.

Entre um gole e outro ele ouviu uma janela ser quebrada. Poucos segundos depois, uma mão podre, fedendo a carne tostada e sangue, esmigalhava sua traqueia. Pouco antes de sentir os caninos da vampira Cristall sugarem sua vida, a partir de sua jugular, o homem ouviu:

- Padre, tu serás tão maldito quanto eu.

João Murillo
Enviado por João Murillo em 06/02/2012
Código do texto: T3483702
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