O Devorador de Almas
O Devorador de Almas
Jorge Linhaça
Nas ruas da grande cidade é farta a caça, almas perdidas e agoniadas caminham sem saber do próprio destino, entregues ao comportamento de manada, seguindo as tendências e os modismos sem mesmo saber o porquê. Saem, distraem-se, entregam-se a todo tipo de atividade que os faça, ainda que por instantes sentirem-se vivos.
Sem se dar conta, são quase zumbis ocupando o limbo entre a vida e a morte , agonizando dia após dia no seu anonimato e diante da indeferença da sociedade a que acreditam pertencer.
Não são mais apenas os párias destituidos de recursos que se amalgamam nessa massa disforme e ao mesmo tempo homogênea, pessoas de todas as classes são sugadas para essa bolha do caminho mais fácil, acreditando que isso os possa levar a algum lugar.
Nas sombras da grande cidade o devorador de almas vai desempenhando o seu papel sem portas ou paredes o possam impedir de alimentar-se dioturnamente das almas enfraquecidas.
Tal como um vampiro que suga o sangue dos seus doadores sem levá-los à morte instântanea, o devorador alimenta-se em doses homeopáticas da desesperança e angústia correntes entre os milhares de habitantes.
Não há pressa, as presas permanecem acreditando em sua liberdade e a cada dia , na ânsia de encontrá-la mais se entregam ao devorador de almas.
Pelos becos e ruas infectas multidões se entregam aos mais diversos vícios turvando a mente e os olhos acreditando no poder de suas escolhas egoístas.
Muitos acreditam que seus problmas são apenas seus e que nada afetam a vida de seu semelhante, e reverberam sem nada entender que exercem o seu livre arbítrio.
O devorador chega de mansinho através de seus emissários, já escravos da depêndencia e da euforia da falsa liberdade. Aliciam novos componentes quando os percebem perdidos pela estrada e com o moral em baixa.
A partir da cooptação de novos integrantes da massa depressiva ele entra em cena e passa a adquirir controle sobre os noviços do seu não declarado culto.
O devorador alimenta-se através dos umbigos, sugando a energia vital de todo ser humano que caia em suas mãos. A apatia destes aumenta a cada dia na mesma proporção em que os desejos ligados à sua pseudo-liberdade ganha cada vez mais espaço, até que parecem condenados a um caminho sem volta, reféns do sentimento de inadequação ao mundo "normal"
O devorador parece onipresente, alimentado-se desses medos, receios e euforias que vão se incrustando a cada dia na sociedade moderna.
O único antídoto eficaz para livrar a vítima do devorador é a luz interior que ainda possa existir e subesistir dentro de cada um.
O terror se espalha, os zumbis se alastram pela noite e pelo dia, invadindo vidas e contaminando outros ao seu redor qual um virús que se transmita pelo ar.
Tudo passa a parecer permitido e tolerável, não se percebem os limites de suas ações, qual nos filmes de teror devoram cérebros para manter-se vivos, embora não o façam de modo literal. Os novos zumbis devoram e são devorados de forma energética, não caminham trôpegos, pelo contrário, muitos deles andam bem vestidos, frequentam baladas e fazem do sexo o caminho de entrada para incubus e sucubos desprendendo as energias que são avidamente sugadas pelo devorador de almas que aguarda ansioso pelo próximo banquete.
A cada dia que passa, os miseráveis escravos do devorador buscam mais e mais oportunidades para tentar prencher o vazio que trazem na alma e, a cada nova investida, vão se tornando cada vez mais
dependentes de suas pseudo-conquistas ao mesmo tempo em que a euforia vai se esvaindo cada vez mais rapidamente tal e qual um usuário de drogas que precisa de cada vez mais doses para sentir o prazer inicial que lhe provocou a primeira experiência.
A sensação de serem conquistadores ou donos de seu próprio mundo vai se dissipando cada vez mais rapidamente pois , a cada vez que o devorador de almas se alimenta através deles, aumenta a ausência de luz dentro de cada indivíduo.
O Devorador de Almas campeia por entre as cidades, olha para ti e espera a próxima refeição.
O horror dos filmes não é nada comparado com o horror de nossa realidade cotidiana, assim como os protagonistas e coadjuvantes de tais filmes, nós mesmos criamos as nossas próprias armadilhas facilitando a ação do monstro.
O devorador de alma está desde sempre num "cinema" perto de você.