O Gênio da Garrafa de Cachaça

Cristiano era um homem infeliz. Fato que sua vida a muitas andava declinando, verticalmente, caindo em um abismo de desespero. Separara-se da esposa a poucas semanas e por causa de sua constante embriaguez nem o filho poderia ver mais.

Os seus amados filhos. Eram gêmeos, um menino e uma menina. Só que sua filha havia morrido ao completar os dois anos, nascera com um coração tão frágil e fraco. Ficou meses no hospital quando nasceu e os médicos disseram que não poderia viver muito sem um transplante. Que nunca aconteceu, pela espera ser longa demais e logo a verdade da inevitável morte chegou. Os dias antes disso arrastaram-se esvaindo lentamente o que restava da vida de sua menina. E foi depois de um velório de puro sofrimento que Cristiano começou a beber muito mais que o habitual e mais, cada vez mais, querendo simplesmente esquecer tudo.

Um ano depois, desempregado, alcoólatra e sem um teto para se abrigar, vagava sem rumo pelas ruas pedindo esmolas para o único objetivo que tinha na vida, beber. E nessa rotina das ruas, o homem sofrendo por suas desgraças, tropeça em uma garrafa, daquelas de plástico fosco com uma cachaça bem ordinária. O bêbado se ajoelha na calçada e agarra a garrafa pensando na sorte que tivera, abre de uma vez só arrancando a tampa com um giro. Eis que surge um homem na sua frente, Cristiano juraria se pedissem, que esse homem saíra de dentro da garrafa.

- Meu amigo! - diz o homem da garrafa, de terno cinza e rosto igualmente acinzentado e prossegue a saudação - Como estás? Levanta-te e vem cumprimentar quem vem lhe salvar a vida!

- Salvar minha vida? - pergunta confuso o bêbado ainda no chão esparramado segurando a garrafa.

- Claro que sim, salvar-te da sua vida infeliz. Venha, vamos naquele bar tomar uma cerveja e conversar sobre meu intento - e dito isso o homem da garrafa levanta o trôpego “amigo” do chão, que apoiado pelo sujeito de terno consegue se manter em pé e juntos vão ao bar.

Cristiano nem pensava direito, sua boca se enchera de água ao pensar na cerveja gelada e gratuita que iria ganhar. O que conseguiu deduzir com seu cérebro banhado em álcool era que o homem não havia “aparecido“ da garrafa, mas surgiu muito rápido na frente dele e a conversa de “salvá-lo” provavelmente era algo sobre Jesus. É isso, pensa o ébrio, sem realmente se importar, principalmente quando sentado no bar recebe a bebida. Agora Cristiano ouviria toda a conversa religiosa do homem de terno, poderia ser de qualquer tipo, com tanto que viesse mais cervejas.

- Então homem, fale sobre a minha salvação - incentiva com a voz embargada.

- Acho que tu não entendeste ainda, não sou um homem, sou um gênio da garrafa! - e dando uma risada o gênio observa a surpresa nós olhos do bêbado, era sempre tão fácil.

- Nossa, eu mal comecei a beber, não sou de acreditar logo de primeira, mas se me der mais umas cervejas... - responde também rindo da graça que o outro havia feito.

- Ainda não, preciso que acredites como estas agora - e com um aceno da mão faz aparece um copo azul com detalhes em ouro e pedras preciosas incrustadas no vidro. Com essa mágica, Cristiano arregala os olhos e abre a boca surpreendido. O homem de cinza inclina-se sobre a mesa e fala numa voz hipnótica uma frase feita dos filmes de gênios da lâmpada:

- Qual o seu desejo, meu amo e senhor - e prossegue num tom casual quebrando o encanto da hipnose - Mais uma cerveja agora?

- Acho que... não - o bêbado responde a muito contragosto e fica a pensar esforçando-se em como aquilo seria possível e se não seria uma alucinação por ele estar muito embriagado e semi-consciente em algum beco imundo. Não, pensa Cris, não pode ser, estou bem acordado, logo deve ser verdade, conclui esperançoso.

- Então, quais seus desejos...

- São três, certo, que nem nos filmes - interrompe afobado.

- Isso, são três desejos, dos mais impossíveis aos inimagináveis - diz o gênio astuto com um largo sorriso no rosto e conclui - o que tu quiserem, mas tem umas regras, como não pedir mais pedidos ou infinitos pedidos com um desejo, não pode me tornar seu escravo e bem, tem um trato no final.

- Claro, faço o que o senhor quiser, já posso pedir um desejo?

- Sim, só que deves concordar com o trato, é bem simples eu explico após pedir mais uma cerveja para meu novo amigo Cristiano! - completa alegre o gênio, Cristiano o interrompe com a mão.

- Preciso ficar sóbrio para fazer os pedido - afirma decidido. Quantas vezes não imaginara algo parecido, alguém que poderia ajudá-lo a corrigir sua vida, já tinha os seus maiores desejos na ponta da língua em ordem de importância e tudo o mais. Um gênio mágico que sorte tivera, quanta sorte.

- Certo, muito sensato e vejo que já tem seus pedidos, mas primeiro devo explicar o trato - faz uma pausa e vendo que tem a atenção do ébrio, explica - Tu deves concordar no final dos pedidos, dizendo apenas “sim” para qualquer pergunta que eu fizer, só que antes que eu a faça, entendes?

- Quase, é só dizer sim para essa pergunta sem ouvi-la, isso?

- Exato! - concorda o gênio com sua cara mais inocente - é uma regra entre os gênios, só burocracia.

- Ah, sim. E concordando com o trato no final posso pedir o que eu quiser?

- Tudo, dinheiro, inteligência, imortalidade e até ressuscitar os mortos... - fala o homem de terno cinza malicioso em pensamentos e com a voz desprovida de qualquer maldade.

- Concordo - e levantando com urgência, Cris, pega o braço do homem e o conduz até a rua sem uma palavra.

Andam juntos pela calçada enquanto o bêbado explica o primeiro dos pedidos. Riquezas, não que fosse essencial para uma vida feliz, entretanto quem não gostaria de ser rico e poder comprar o que quisesse. Com dinheiro ilimitado, podendo ter uma casa enorme com piscina, um carro do ano, e todos os luxos que sua mulher poderia desejar. A sua esposa, conseguiria ela de volta se tivesse esse dinheiro. O gênio sugere que ele vá pedindo coisas como a casa e o carro que ele lhe concederia elas logo para que pudesse ter onde viver. E quanto ao dinheiro, um cartão de crédito ilimitado e que não precisasse ser pago nunca.

Muito grato Cristiano assim fez e logo instala-se na sua modesta mansão. Só que sem perceber, o pobre ébrio não estava realmente em uma casa dos sonhos, mas em um terreno baldio cheio de lixos, onde sentava-se em sacos abertos com a comida putrefata espalhada e ratos, muitos ratos. Os “móveis” eram caixas de papelão e pneus velhos, junto com uma infinidade de sujeira e podridão. O infeliz bêbado nada percebia e contemplava sua casa imaginária com olhos cheios de alegria.

Cris em seu delírio permanecia, enquanto o “gênio” escondido pela ilusão cavava a “piscina” com uma pá, deixando depois de alguns minutos uma cova bem profunda. Como foi fácil, pensava o homem cinza de terno, ou o demônio que era e a muitos séculos aplicava aquele golpe do gênio, que facilitava para que conseguisse o que precisava ter...

- Me diga agora qual seu segundo pedido ó mestre e senhor - bajula o demônio e o iludido começa a explicar.

- Não adianta nada ter todo esse dinheiro e ser um bêbado doente e acabado, foi por isso que minha mulher separou de mim, quero minha saúde de volta e que o vício vá embora.

- Feito! Amanhã quando acordar será um novo homem, não vai precisar de nenhum tratamento médico e sua mulher vai considerá-lo um homem muito bom, assim como todos seus amigos do trabalho e seus pais também.

- Sim! Obrigado meu amigo, o senhor gênio é a melhor coisa que já me aconteceu! - diz com lágrimas nós olhos o coitado do ébrio.

Senta-se no “sofá” e vai preparando seu coração para o próximo pedido. O mais importante de todos, o único que realmente importava, a sua menininha, seu bebê, que tivera a vida interrompida tão cedo. Fez o pedido com a voz cheia de emoção. O gênio falou que como havia passado um ano a menina teria três anos de idade, o que pouco importou para Cristiano que só queria sua filha de volta e aceitou a condição.

Algo bateu a porta da mansão fracamente e uma vozinha infantil chamou pelo “papa“. O pai correu a porta, que abriu antes que ele alcançasse como por mágica, e lá estava sua filha morta. Com a aparência que teria com três anos. Nada mais era que uma ilusão, uma miragem como em um deserto onde você se vê cheio de sede e alucinado com a visão de um oasis. Cris, abraçou a filha e sentiu o que a mente sedenta de saudades queria sentir.

Após passar um bom tempo com a imagem da filha no sofá imaginário, o infeliz homem, vai colocar a menina na cama, ela diz estar com muito sono. Feito isso o ébrio cuja felicidade não cabia dentro de si volta a “sala de estar” e segurando nas mãos do gênio demônio diz com toda a sinceridade:

- Sim para qualquer pergunta que faças, pois sou o homem mais feliz por ter minha filha de volta! - e com a expressão mais exultante que a do bêbado, o que parecia muito mais sinistro que alegre, o demônio abraça o “amigo”.

- Bom que cumpriste a tua parte do trato, agora relaxas, ainda é cedo, nem entardeceu, vamos comemorar os pedidos antes que eu vá embora - e prossegue - Um mergulho na piscina depois desse dia quente seria ótimo, sou um gênio, mas tenho necessidades humanas também.

- Claro meu amigo! Vamos lá! - e indo até o quarto falso veste um calção de banho que não existe e oferece outro ao homem de terno que agradece e vai até o lavabo se trocar.

Na beira da piscina o pobre Cristiano oferece ao seu amigo gênio que faça as honras, esse recusa educadamente e diz que o dono da casa deve ir primeiro. Um salto em direção a morte e Cristiano cai exatamente dentro da vala e quebra o pescoço, mas não morre imediatamente agoniza alguns minutos enquanto o demônio com pá leva terra para tapar o buraco com o ébrio ainda vivo a olhá-lo de dentro da cova e vai dizendo um epitáfio longo acompanhado de risadas de escárnio:

- Aqui jaz Cristiano o bêbado, cuja vida abriu mão por uma ilusão e a alma entregou ao Diabo. Aqui jaz um pai que viu a filha morrer e esqueceu que ainda tinha uma esposa e filho vivos, um inútil que perdeu tudo o que tinha por um copo de cerveja - e rindo-se ainda da desgraça do infeliz que acabara de enganar e desgraçar o demônio assenta a terra com a pá e parte a procura de mais almas perdidas.

Alda M. J. Duarte

Leiam também os meus outros contos de terror: "Uma sombra na escuridão" e "Vida Vazia". Espero que apreciem a leitura.

Alda MJD
Enviado por Alda MJD em 17/01/2012
Código do texto: T3446536
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