“A Encruzilhada”.
Eu era um rapaz muito forte. Na roça em que trabalhávamos, havia aproximadamente trinta pessoas. Dessas, doze eram jovens de treze a dezenove anos. Nesta época eu tinha dezessete anos mais ou menos. Na roça todos tinham armas, revolveres, facas, punhais, e os mais pobres sempre andavam com pedaços de pau, em forma de cacete, eu usava um machete, que foi de meu avô. Machete é uma espécie de facão, só que inferior. É realmente a arma do pobre. Só que este me acompanhava vinte e quatro horas. Mesmo sem noção de luta, aprendi a manuseá-lo com rara habilidade. Estava num nível que dificilmente alguém com arma branca teria alguma vantagem sobre mim. Nosso serviço era direto. Salvo se houvesse temporal. Quando isto acontecia, havia um rancho de sapé, e nos escondíamos nele até a chuva passar. Às vezes a chuva demorava, então alguém contava histórias, os famosos causos. Entre tantas interessantes havia as de onça, de boi bravo, de saci, e caipora. Contavam uma de arrepiar. Que em algum lugar, numa encruzilhada, quem passasse tal dia e hora, seria pego por mortos vivos, zumbis, enfim toda tribo do mal. Após ser sodomizado a vítima passava a fazer parte do satânico grupo. Passou-se algum tempo, mas eu nunca esqueço histórias macabras. Algum tempo depois fui fazer uma pescaria. Choveu muito e com a pescaria prejudicada, voltei para casa. No caminho de volta, com muita chuva me perdi e andei por várias horas e caminhos nunca vistos. Quando dei por fé estava em uma encruzilhada. A chuva já havia passado, mas a neblina estava serrada e uma estranha luz bruxuleante clareava tudo. Parecia dia e devia ser mais ou menos dez horas da noite. Bateu-me um frio na espinha quando me lembrei da história. Eu estava na encruzilhada maldita. Agora só faltava aquele desfile macabro que me falaram. Do nada começaram a surgir estranhos seres fazendo barulho estranho, gemidos, correntes, arrastar de pés. Como eu não tinha religião, segurei meu machete. Era a única coisa que me ajudaria. Vou virar um açougueiro, vou tirar bifes até umas horas. A princípio vinham de uma direção, mas depois de todo lugar aparecia cada vez mais horríveis criaturas e sabia que eles me queriam. Minha força me valeu e despachei corpos como bom açougueiro. Realmente aquele ataque frenético e aquelas mãos que me pegavam tinham um comando. O único que não se mexia só me apontava. Todos os corpos eram mutilados, sem braços e pernas, mas todos tinham cabeça. Já cansado de tentar fugir. Gritei bem alto e ataquei. Fui encima do chefe do bando, e o mutilei forte. Cortei seu braço e uma perna e num relance também decepei sua cabeça. Foi como apagar uma vela ou uma luz, tudo parou, o corpo sem cabeça não se movia. Aguardavam ordens que não viriam mais. Virei às costas e corri como nunca. Desmaiei de cansaço, quando acordei de manhã, estava todo ensangüentado. As pessoas corriam de mim, eu não largava o machete. Chegou a policia me desarmou e prendeu. Não conseguiam saber o que ocorrera, e eu não falava porque sabia o que iria acontecer. Contar história é uma coisa, provar que aconteceu é outra. –Estou preso no manicômio judiciário. Dizem que eu matei meus colegas de serviço. Mas é tudo armação. Acho que o chefe morreu e eles querem me colocar em seu lugar. Mas sou esperto, não durmo, antes eu ficava de olho na porta. Descobri que eles conseguem atravessar paredes também. Já ouvi barulho aqui ao lado, eles querem me pegar, sabem que estou aqui. Vou escapar deles consegui um pedaço de lata. Passei na parede até fazer corte. Se eles vierem, não vão me levar. Vou cortar meu pescoço. Se eu fizer direito, consigo me decepar antes de morrer. Eles estão chegando, estão disfarçados eu sei. Fingem-se de enfermeiros de médicos. Mas não vou deixar, é dó segurar este pedaço de lata assim... Calma rapaz queremos te ajudar, somos amigos, ouça vamos conversar. Eles pensam que me enganam, vejam o que eu faço, vocês não vão me levar. –Olhem... Acho que ele morreu. Quase decepou o pescoço. Seria droga doutor, Não sei cubra com lençol. Vamos avisar a polícia. Acho que estes casos acontecem por falta de ajuda da família. Curioso é que quase todos falam nesta tal encruzilhada. Qualquer dia vou lá. Mas é melhor levar uma arma, não se sabe o que vai encontrar.
Oripê Machado.