Amigo Oculto - Amigos Não Abandonam Amigos
Nosso grupo de amigos é tão sem noção que inventa brincadeiras.
Vocês são bacanas demais. Obrigado pela amizade virtual de vocês... Mesmo parecendo piegas, mas é bom ter vocÊs como amigos(virtuais)
- Só isso que eu queria dizer.
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Cheguei por volta das onze da noite. O prédio era um antigo armazém das épocas áureas do porto da cidade, mas agora, era uma conhecida casa de shows. Pensei comigo, que o dinheiro para alugar o lugar tinha sido muito bem gasto.
Fazia algum tempo que conhecia aquele grupo de sequazes, por meio de animados bate papos que adentravam nos segredos da madrugada. Eles, já me tinham feito rir inúmeras vezes, tinha bebido muito vinho lendo as malícias deles. Agora, estava curioso para conhecê-los pessoalmente.
Estacionei o carro na vaga ao lado de uma velha van vermelha, notei que ela estava toda amassada, parecia que tinha capotado, pois as janelas estavam todas trincadas e o pára-brisas estava quebrado. Havia um adesivo escrito “LIVE AT LIVE” na traseira, que me chamou a atenção, pois achava já ter visto aquilo antes.
Saí do carro e coloquei minha mochila nas costas. Ao meu lado, duas motos estacionadas, estavam com o tanque completamente amassado, uma com o guidão retorcido e a outra com o pneu fora do eixo e a luminária arrancada. Pareciam ter vindo da sucata.
- Por isso que não gosto de motocicletas.
- Ora, meu caro. – uma voz polida e suave surgiu do nada – Aposto como se fosse uma de mil cilindradas, você gostaria de dar uma voltinha.
Assustei-me e, rapidamente, rodei nos calcanhares. Não vi ninguém, seria um fantasma? Mas, notei uma silhueta no escuro. Um passo a frente, e pude ver quem falava: um homem moreno, que não devia passar dos “quase trinta” olhava-me com um sorriso simpático no rosto. Imediatamente, o reconheci.
- Sidney Muniz!
Ele levantou as mãos para abraçar-me e pude ver que trazia um embrulho com um belo laço vermelho. Sidney vestia uma camisa preta e uma calça jeans escura. Seu pequeno cavanhaque por sobre a boca o deixava com um ar irônico. Sidney era homem de pouco corpo, mas tinha um tom altivo, que lhe dava ares de nobreza.
- Cadê a família? – perguntei-lhe animado.
- Ficou em Minas. – respondeu-me com um sorriso ainda maior.
- Juatuba, terra boa!
- Bote boa nisso! – falou com um sotaque característico.
Tirei a mochila das costas e passei a alça apenas no ombro direito.
- Vamos para a festa? – animou-se – Afinal, vim de longe e não vou ficar olhando para sua cara feia a noite inteira.
- Deus me livre. Vamos, e vamos rápido.
Entramos no velho armazém por uma porta destrancada. Ao longe, podia-se ouvir o som de uma música, me parecia Legião Urbana. Quanto mais nos aproximávamos do som, maior era o burburinho, pois lá estava o resto dos nossos amigos.
- Nervoso? – perguntei-lhe.
- Ansioso, seria a palavra certa.
Abrimos a porta e um pequeno salão de festas se revelou para nós. Estava todo decorado com algumas faixas pretas, em um tom gótico. Havia duas caixas de som, uma enorme mesa com comida o suficiente para alimentar um exército. Duas geladeiras em um canto e várias cadeiras disposta ao redor da mesa. No teto um canhão de luzes e uma Disco - Ball iluminavam o ambiente.
Imediatamente, pude reconhecer rostos familiares. O grupo estava sentado na grande mesa, o que me levou a pensar na figura da santa ceia de Da Vinte. Fernando, ao nos ver, correu seus olhos claros por todo o salão e pouco depois, levantou-se com duas canecas nas mãos e veio em nossa direção. Lee saiu de onde estava e veio nos encontrar. As outras meninas ficaram sentadas ouvindo um homem moreno que falava palatinamente.
- Murilão, és tu mesmo, cara? – disse-me, enquanto me passava uma caneca de chopp. – Aqui, está geladinho!
- Já vamos começar?
Sidney pegou a outra caneca e brindamos. Lee chegou, falando com sua voz doce:
- Meninos. Que coisa interessante. Quanto temos para conversar. Sidoca, Murillo... Onde estão as nênias?
- Ela não esquece as nênias, mesmo hein?
Todos rimos. Corri os olhos nas outras pessoas presentes e perguntei:
- Quem mais veio?
- A Michele, a May, o Mauro... – citou Calixto.
- Murillo... Quantos M. – interrompeu-o, Lee.
Sidney baixou a cabeça com um sorriso contido, mas não resistiu e começou a gargalhar.
- Como somos bobos.
- Bobos não, apenas, inconstantes. – defendeu-nos, Calixto.
Tomei mais um gole de chopp. O bigode de espuma deixou-me com uma expressão infantil.
- Olha, pensei que padre só tomasse vinho. – disse Lee.
- Ora, mas Deus perdoa. –respondeu Sidney.
- E, como perdoa. – replicou Calixto.
- Assim, espero.
Fomos cumprimentar as outras pessoas. Michele tinha os cabelos curtos em um penteado Chanel clássico, um vestido azul-marinho que lhe tocava até os joelhos. Usava um pequeno enfeite na cabeça. Seu batom vermelho e seus olhos profundos me chamaram a atenção. Seu corpo magro era coberto por um pequeno casaco. Notei que suas pernas estavam arranhadas, mas achei melhor não comentar.
Mauro vestia uma camisa do Vasco da Gama, bermuda jeans e calçava uma sandália de aventureiro. Parecia ser uma pessoa simples, mas suas conversas na internet eram de alto nível. Mauro não tinha uma perna. Pareceu-me estranho ele não ter uma prótese ou algo do tipo. Ele já comentara a respeito, mas era tão brincalhão na internet que confesso, pensei que mentisse a respeito de sua deficiência.
May estava com uma camiseta vermelha e um grande sorriso amarelo. Seu aparelho róseo saltava-lhe dos dentes o que lhe dava um tom engraçado. Disfarcei com um sorriso para ela, nos abraçamos e beijei-lhe a bochecha. Senti um pequeno odor vindo dela parecia carne podre, fiz uma pequena careta, mas disfarcei bem.
- Até que enfim, né? – perguntei.
- Verdade. – disse depois de um gole de vinho.
- Vinho?
- Vinho! Sei que também gosta. Por que está com uma caneca de Chopp?
- Ora, pois, pois. – falou Mauro – Porque hoje tomaremos duas caixas e jogaremos muita conversa fora.
- Então, Sr. Calixto? – perguntou – Vamos bebemorar ou não? Seu Carniça.
Calixto pronto para uma bacanal, apenas sorria e soltou uma piada engraçada, mas não ouvi, pois estava com o olhar fixo em uma cadeira vazia que estava na cabeceira da mesa.
- Onde está Júlio dos Santos? – perguntei.
- O Júlio esta no banheiro. – respondeu-me May – Está passando mal, dor de cabeça e enjoou.
- Detesto quando a minha cabeça está parecendo que vai explodir. – comentei.
- A dele, pelo visto, explodiu. – soltou Fernando.
Rimos da piada idiota. Quando notei que Michele não sorria e olhava-me com o rosto pálido. Parecia que alguma coisa a incomodava, seus olhos eram de uma tristeza imensa, pensei que uma lágrima poderia escorrer dali a qualquer momento, bem ao contrário de mim que estava imensamente feliz.
Sentei-me na mesa, ao me lado Sidney. Calixto e a torre de chopp estavam de frente. Lee, a minha esquerda. Mauro pegou outra caneca e sentou-se na outra ponta da mesa. May e Michele vieram logo em seguida.
Conversávamos animadamente sobre algum assunto banal, quando Lee levantou-se e disse:
- Acho que já está na hora de começar o amigo secreto, não?
***
- Meu amigo secreto é escritor amador, conheci-o pela internet e nunca o tinha visto, antes de hoje.
Todos riram alto, o que me levou a pensar que estávamos ficando bêbados. Eu, principalmente, pois uma náusea leve me veio ao estomago.
- Ora, dona Lee, vamos fale logo.
- Meu amigo secreto tem olhos da cor da mata...
- Calixto... Calixto! – gritou Mauro – Eu que queria essa miguxa.
Lee abraçou Fernando e deu-lhe um beijo no rosto. Falaram alguma coisa que não entendi. Então, ele abriu o presente, tinha ganhado uma camisa preta. Depois, ele revelou quem era seu amigo oculto:
- O meu é formado em táticas militares, pois onde ele mora é preciso disso para ir comprar pão.
- Fácil, Mauro Alves! – falei.
Mauro abraçou Fernando e abriu o presente. Era uma grande caixa de papelão. Vi seus olhos brilharem quando, de dentro da caixa, tirou uma coleção de livros, cada qual maior que o outro.
- A série Torre Negra! – disse choroso – Eu te amo, Calixto.
- Saí pra lá, tejubina.
Todos rimos. Como era bom encontrar amigos tão queridos, mas minha cabeça começava a dar sinais de embriaguez, pois comecei a sentir-me diferente.
- A minha amiga secreta é uma pessoa que eu gosto muito. – começou Mauro – Ela é minha vizinha de estado e é branquela demais, pois parece que não toma sol.
- É a May. É a May – bradou Fernando.
Foi aí que notei que estava bêbado. Comecei a me sentir muito tonto. Não vi a Mayara indo beijar o Mauro e não vi seu presente. Pareceu-me que, de repente, “A bebida me pegou”. Vi apenas, as pessoas na sala gritando meu nome. Olhei de relance e vi a Michele com sua cara triste olhando para mim, mais uma vez, pensei que ela estivesse abalada, pois não deu nenhuma palavra durante a noite toda.
- Obrigado! – falei.
Ao certo, não sabia o que estava ganhando, muito menos o que estava fazendo.
- Gente, eu to bebo. – e comecei a rir.
Ouvi gargalhadas ao fundo, tudo me parecia confuso. Olhei para o Fernando e ele ria exageradamente. O rosto da Lee estava estranho parecia distorcido. May estava serena como a noite de luar. O Mauro, apenas, olhava para o lado, parecia não se importar com o que eu estava falando. Mas, Michele, ela continuava do mesmo jeito: tristonha, calada e sem vida.
- O meu amigo secreto é o maior fanfarrão que eu já vi.
- Mas, o Fernando já saiu! – disse Lee.
- Ele é o cara que mais escreve em quantidade e qualidade.
Neste momento, notei que ele não estava ali.
- Ei, mas cadê o filho da mãe? – perguntei-me em voz alta – Ele estava no banheiro? Não volta nunca? Fininha?
- Eu estou aqui! – falou, firmemente, a voz de Júlio.
Quando virei-me não agüentei o que vi. Vomitei na hora.
Dosan estava deformado. Sua cabeça estava amassada e pude ver seu cérebro por sobre a testa. Um olho havia saltado da orbita. Seu nariz estava quebrado e roxo. Sua roupa branca estava toda carcomida de sangue. Em seu peito, havia uma barra de ferro trespassada.
Não agüentei mais e o mundo girou. Caí por sobre a cadeira. Apenas, ouvi gargalhadas e ao longe a voz firme de radialista do Fernando dizer:
- Acho que ele bodou. Melhor para levá-lo.
Abri meus olhos, novamente, e vi que todos os meus amigos estavam completamente deformados. Com tripas à mostra e sangue por toda parte. Aquela visão horrenda me fez querer vomitar novamente. Vi o rosto de Michele estava mais sereno do que nunca, foi quando reparei que olhava para um defunto.
***
O sinal estava vermelho. Parei.
- Quase... – falei em voz alta para mim mesmo.
Depois, larguei e comecei a acelerar. No meu retrovisor, uma van vermelha apareceu.
- Não vai passar! – falei, imitando Gandalf e acelerei mais ainda.
Duas motos surgiram com três homens, tentaram ultrapassar-me, mas não deixei. De repente, uma curva surgiu e eu reduzi bruscamente. O acidente estava feito as duas motos foram arremessadas para o acostamento. Pelo retrovisor, pude ver as luzes girando no ar e os corpos dos motociclistas voando. Uma das motos acabou acertando em cheio a van, o motorista perdeu o controle e a van desceu um barranco.
Parei no acostamento e voltei para ver o estrago.
A van ainda estava capotada, deve ter virado várias vezes. Vi corpos sendo arremessados pelas janelas e sangue nos vidros. Perto do asfalto havia o corpo de uma menina estirada. Usava um vestido azul-marinho e um cabelo Chanel. Fui até ela, mas já estava morta. Lá em baixo, pude ver na traseira da van um adesivo “LIVE AT LIVE”.
Voltei para o carro. Não poderia me atrasar para a festa de amigo oculto.
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Meu amigo secreto é o mesmo do texto! O perigote do terror nacional, futuro Jango Fett da assombração brasileira, o ilustre senhor J.Dosan.