Pena de Morte - Capítulo XI - Queimados vivos
O vento soprava enfadonho, enquanto algo parecia mudar naquele ambiente. Os olhares estarrecidos dos três membros dependuradas demonstravam a angustia e dor que eles sentiam. Gritos agonizantes, que se perdiam, sendo propagados pelo vento, naquele deserto, sob as nuvens densas que agrupavam-se no céu.
As três fogueiras estavam acesas sob os pés dos políticos que clamavam por misericórdia. Entretanto aqueles eram tempos infernais e seus apelos pareciam não chegar aos céus. O calor sondava suas peles, em toques nada sutis, enquanto a dor chegava espontânea e as lágrimas escorriam por seus olhos, deslizando por suas faces, e saltando do queixo ao fogo, num toque único, evaporando-se como as chances de sobrevivência de cada um dos três.
- Deus, nos ajude! – Gritou Ilmar Candido, representante de Brasília, em meio á uma crise de tosse. Sua fogueira era a maior das três, portanto a que gerava mais fumaça. Sua cruz também era a mais alta e isso o dava mais tempo. Os olhos do brasiliense ardiam como se tivessem pingado gotas de pimenta sobre eles. Já se mostravam avermelhados e nublados, pela irritação que a fumaça os causara. Meio ao delírio que já o tomava pela exposição excessiva aos UVA’s, debatia-se loucamente. Entre gemidos e gritos, sentia o leve balançar daquela Cruz, enquanto inspirava o monóxido de carbono e se asfixiava lentamente e angustiantemente. Suas mãos atadas esticavam-se, seus dedos estendidos, tencionados, mas impedidos de chegar até seu rosto para protegê-lo da fumaça. Ilmar estava a ponto de perder sua consciência, mas continuava suplicando pela misericórdia de Deus.
- Aaaaaaaa... Meus pés! – Gritava repetitivamente José Alfredo, membro representante do estado do Ceará. Este por sua vez estava amarrado cerca de oito metros á direita de Ilmar, uma fogueira pequena sob seus pés, que eram contorcidos tal qual sua necessidade e dor. As pontas de seus dedos queimando como o próprio inferno, suas unhas derretendo-se parcialmente. Aquele era um tártaro sarcástico, que zombava dele, enquanto bolhas estouravam-se, as queimaduras tomavam seus pés. As chamas ultrapassavam a primeira camada de sua pele, alcançando a epiderme. Num esforço quase sobrenatural, José segurava suas pernas suspensas no ar, tal qual estivesse sentado mantendo as mesmas esticadas, suas costas apoiadas na cruz, mas o calor e a situação de desespero o causavam uma angustia horrível. O fogo invadia sinuosamente o madeiro e elevava-se. As chamas o perseguiam enquanto ele, naquele pequeno espaço que lhe oferecia refugio, insistia exaustivamente em preservar sua vida, mantendo-se distante ao extremo das labaredas que continuavam ao ameaçar.
Airton Ribeiro estava preso a terceira fogueira. O representante da Bahia estava imóvel, em meio a uma crise de soluços e um choro lamentável. Sentia o medo enquanto as chamas tomavam a corda que o amarrava. Seus gritos eram abafados pela própria corda que também adentrava sua boca, amordaçando-o. O gosto estranho do pó que jazia espalhado pelas linhas espessas, o apavorava ainda mais. A mesma prendia seus braços, dava voltas pelo seu corpo, parcialmente imobilizando-o, entretanto como os outros, suas pernas permaneciam livres, e entre elas o que sobrara da corda decaia a centímetros da flama. O fogo tocou a ponta pendula da corda que tal qual um pavio acendeu-se, em meio á faíscas que surgiam ao queimar do feixe de fibras. A chama seguiu a trilha e partiu de encontro ao corpo de Airton, que mordia a corda desesperadamente, como um cão abocanhando uma coleira na ânsia de escapar daquela maldição que seu dono o havia imposto. Os dentes do Baiano tentavam cerrar a corda, enquanto sua saliva escorria pelos cantos de sua boca e untavam-se a corda. Inevitavelmente o baiano aproximava-se de seu fim.
...
O clone permanecia sentado, naufrago de seus pensamentos, enquanto os cinco membros restantes e o clone do presidente permaneciam presos às suas poltronas. Aquela missão estava chegando ao fim e logo ele teria seu prometido premio. Tornar-se-ia alguém de verdade, não apenas a imitação de um assassino. E teria suas lembranças removidas, deixaria de ser a parte podre da maçã. Afundado em suas complexas lembranças, procurava sentido para seus sentimentos, enquanto lembrava-se da primeira vez que abriu os olhos.
“CPCNE - Centro de Pesquisas Científicas do Novo Estado
- Acha que isso vai dar certo? – Perguntou o assistente.
- Não Hugo, tenho certeza disso. – Respondeu o doutor Mariano, que olhava admirado para a estranha estrutura orgânica em formato de pêra invertida, que jazia dependurada no teto daquela bisonha sala. O local enorme situava-se na parte subterrânea do laboratório. Toda planta havia sido elaborada pelo Doutor Danilo. Os embriões haviam sido colocados ali há três anos. Trinta úteros artificiais dependurados na laje que mais parecia uma teia de aranha, mas seus fios eram como veias sanguíneas. Os úteros eram estudados, vigiados o tempo todo. Venerados pelos cientistas que esperavam a qualquer momento o nascimento deste novo ser. Graças á nanotecnologia, uma forma de manipular os hormônios do crescimento foi algo vital para que um clone nascesse com a idade desejada, além dela outro fator importante para assegurar a perfeita formação do corpo, era o aceleramento do crescimento ósseo, que estava ligado a vários fatores; o código genético, o fator nutricional, fator físico, e como já dito, o fator hormonal. Mariano passou dias, meses em claro, pesquisou os corpos de cada condenado minuciosamente, analisou as aptidões físicas, neurológicas, calculou cada possibilidade remota de falha, no intuito único de inibir as falhas anteriores. Sua equipe médica tinha os mais renomados nomes do país. Cada qual em sua função, viviam confinados naquele laboratório. Suas famílias, dadas ás condições de sigilo, estavam condenadas a permanecer ali, junto deles, naquela subterrânea e secreta, cidade administrativa.
Mariano sabia bem o que era isso, mas aquele era um risco que precisava correr para salvar seu filho. Olhando para os estranhos úteros que pulsavam, como um coração humano, vivos e presos á uma rede de tubos siliconados, cada qual exercendo sua função para evolução do corpo dentro daquele órgão, o doutor admirava cada detalhe, mentalmente sussurrando seus nomes. – Tuba uterina, Ligamento próprio do ovário, Colo sigmóide, Mesovário, Ligamento uterossacral, Corpo lúteo, Istmo, Óstio externo... Enfim ele parou ao ver o liquido que escorria pela parte inferior daquele sistema, olhou para a tela do computador, a qual acompanhava cada passo; pressão, temperatura, batimentos cardíacos, dilatação... E virou-se para Hugo.
- Prepare-se para entrar para história garoto! – Ele disse entrando em êxtase enquanto a bolsa começava a se mexer. Naquele momento lembrou-se da primeira vez que ela havia se movido. Apenas duas semanas de gestação, aquela peculiar bolsa de tecido orgânico em tom avermelhado, e de pele sintética, tal qual a própria carne, estava suspensa no ar à sua frente. Já passavam das dezoito horas, o Doutor estava sozinho na sala, quando algo o tomou e ele andou de encontro ao útero, sorriu, um riso de glória. Deixou que suas mãos tocassem a superfície viscosa e tremula do órgão, suas mãos escorregavam por aquele útero indutivo, que se assemelhava tanto ao original. Fechou os olhos no intuito de imaginar sua criação, enquanto sentia a umidade viscosa daquela superfície. Foi quando uma espécie de calombo surgiu como se a criatura lá dentro quisesse tocá-lo em resposta á seu afago. Mariano sentiu a oscilação sob sua mão, e passou a palma de sua mão acariciando o local até que repentinamente o útero voltou á sua condição normal. Aquela foi a primeira vez que o clone sentiu que havia algo lá fora.
- O que vamos fazer? Ele está adiantado em relação aos outros e o Doutor Fernandes está numa conferencia no Pará. – Disse Hugo, trazendo-o de volta de suas recordações. Doutor Fernandes era o obstetra que havia sido indicado para acompanhar o nascimento de cada ser e seguindo o protocolo seria o único com autorização para realizar o nascimento daquela nova espécie.
- Ele sempre esteve adiantado. – Disse Mariano calçando suas luvas, e
pegando um bisturi que estava na mesa ao lado. O útero permanecia imóvel. A criatura não se movia lá dentro há sete dias, devido ao seu tamanho o impossibilitar. – Vamos iniciar a metrotomia. – Ele disse enquanto Hugo em reposta olhou para ele incrédulo, entretanto logo viu que o doutor falava sério.
Mariano iniciou o corte, sobre os olhares atentos de seu assistente e dos outros seis cientistas que estavam á sua volta. Foi um corte vertical, tal qual pode ocorrer num parto de urgência, porém lento e metódico, saindo da parte superior até a inferior do útero. Á medida que a incisão era feita o clone ganhava espaço dentro do útero e começava á se mover. Danilo transpirava enquanto abria o órgão, realmente diferente e muito mais simples do que uma cesariana em uma mulher, pois neste caso antes de chegar ao útero o cirurgião inicia uma incisão horizontal sobre a pele, justamente por cima do osso púbico. Os músculos abdominais não são cortados. Depois de se cortar cinco tecidos diferentes, aí sim, alcança a superfície do útero, mas o doutor estava poupado dessa primeira fase. Hugo assistia a tudo, o útero estranhamente se abriu enquanto as mãos ainda enrugadas do novo ser, brotavam de dentro dele pela incisão, abrindo ainda mais a fenda. A placenta e as membranas ovulares escorriam pelas laterais da abertura e caiam no ralo no chão e de lá iam para uma espécie de subestação de tratamento. Subitamente a face do clone surgiu por entre a brecha. A criação ainda de olhos fechados, revelou-se cheia de sangue pelo rosto. Suspiros incontidos surgiram na sala. O umbigo estava ligado ao cordão umbilical, que se conectava ao emaranhado de nanotubos, os quais funcionavam sistematicamente, a fim de reproduzir todo o sistema que foi capaz de manter o clone vivo, tal qual um ventre materno. Os braços se deslocaram, e dois assistentes usando jalecos brancos, luvas e mascaras apoiaram o corpo da criatura que ainda desconcertada movia-se lentamente, como se estivesse anestesiada.
- Ele parece não estar bem. – Observou Hugo com o semblante num misto de preocupação e ansiedade. Para todos que estavam na sala aquele era um momento histórico.
- Temos que cortar logo o cordão umbilical. – Hugo pegou um pedaço de fio e entregou para Danilo, que amarrou o cordão umbilical do clone á cinco centímetros de distancia da barriga dele, e com uma tesoura esterilizada cortou cerca de dois centímetros e meio a frente do nó separando-o do cordão umbilical, diferente do procedimento adotado pelos médicos que são adeptos ao parto humanizado, no qual o ideal é que haja um intervalo de cinco á dez minutos entre o nascimento e o corte. No momento em que as lâminas da tesoura encontraram-se após cortar o cordão umbilical, os pulmões do clone encheram-se de ar e pela primeira vez ele respirou sozinho. Seus olhos abriram-se, piscaram e sua visão ainda turva deparou-se com a sala, ao seu redor onde jaziam dependurados tais quais casulos, vários outros úteros artificiais. Seu raciocínio ainda era lento. Por sua cabeça, imagens de uma outra vida se agrupavam, tomando sentido. Um filme enorme passou por sua mente, enquanto ele absorvia diversas sensações. Sentia os anseios de uma vida passada, tanto quanto suas alegrias, imagens como pequenos vídeos vagueavam por sua mente, lembranças que logo fariam sentido. Por fim sua visão foi um pouco além dos cientistas, seus olhos estreitaram-se na direção do homem que permanecia de pé na sala, num andar mais elevado, á sua frente. O clone viu a figura que o fitava, um homem mais velho de olhar aparentemente rancoroso, mas que tentava disfarçar seus sentimentos. Os dois que seguravam o corpo o desceram lentamente e colocaram-no sobre uma maca e prenderam-no a ela.
- Seja bem vindo novamente Daniel! – Disse o homem que os assistia por detrás da parede de vidro.”
...
Daniel olhava para a tela do computador de comando do Mustang, enquanto Mara acariciava a toalha que havia recebido de Felix. O mundo à sua volta estava confuso, tantas informações em tão pouco tempo. Mara descobria uma nova história que de alguma forma estava ligada a ela. Felix, seu melhor amigo era um clone de seu pai, que não havia morrido em um acidente como haviam lhe contado. Um clone de um condenado a pena de morte estava solto e ela até agora não conseguiu impedi-lo de continuar sua terrível matança. E Daniel, o temível condenado, era a principal arma que eles tinham para deter o assassino. Mas qual foram os motivos que o levaram aquela maldita matança? Do que afinal Felix estava falando quando disse que de certa forma todos eram culpados? Seus dedos passavam pelo bordado da toalha, sentindo as letras em auto-relevo M. P., notou que havia algo embrulhado na toalha. A curiosidade a impulsionava a abri-la, mas Mara sentia uma dose extrema de melancolia e incerteza. Em meio á escuridão de seu fatídico mundo, ela guardou novamente o embrulho e voltou-se para Daniel.
- O que está vendo no computador? – Ela perguntou tentando disfarçar o tom nostálgico na voz.
- Tentando entender esse rastreador. Não há nada no sinal. Nada! Nem sequer um pontinho azul, vermelho... Nada! – Disse Daniel aparentemente nervoso, tentando compreender os comandos do computador.
- Acalme-se. – Ela disse enquanto sua mão direita pousava sobre o punho dele. Mara levou a mão esquerda até a tela do computador e tocou o vidro, conectou-se espontaneamente e a imagem veio à sua mente. O rastreador não detectava nada. – Não há nada aqui. Deve estar bloqueado. Nós devíamos ter ficado com o furgão, o rastreador dele com certeza nos mostraria o VCX.
- Droga! – Disse Daniel. – É mesmo, que idiota eu fui, mas temos que encontrá-lo antes que ele mate mais pessoas. Pelas minhas contas só tem mais cinco membros e o presidente.
- 31 mortos! Isso já foi longe demais. Precisamos tentar encontrá-lo a nosso modo, Daniel. – Ela disse deixando escapar um sorriso.
- Assim que você quiser. – Ele respondeu.
...
Alvo á 10 minutos. – Disse a voz computadorizada. Mat e João olhavam ao redor e viam que acima deles as nuvens se agrupavam estranhamente. Eles entreolharam-se, Matheus então ordenou ao computador que voasse o mais rápido possível.
- Merda! Era só o que faltava. Uma chuva ácida! – Disse o agente.
Já no ano de 2011, um seleto grupo de pesquisadores apontava que poderia haver uma elevação de temperatura de até 8ºC e redução no volume de chuva de até 20% na Amazônia. Isso se não se respeitasse o protocolo de Kyoto. O único problema é que tudo aconteceu antes do esperado. A intensa radiação solar provocada pelo incontrolável aquecimento global, graças à falta de dedicação da humanidade, que esperou tempo demais para tomar uma atitude que os livrasse daquele apocalíptico fim. A poluição foi algo agravante, seu aumento causou um avanço de dióxido de enxofre no ar que em contato com a água da chuva, transforma-se em acido sulfúrico. Este contribuiu na corrosão da pedra calcaria dos prédios, destruiu grande parte da camada orgânica da terra tirando-lhe a fertilidade, e agressivamente matou a grande maioria dos peixes. Mas isto era algo previsível. No ano de 2010 já se sabia que 35% dos ecossistemas Europeus já estavam seriamente alterados e cerca de 50% das florestas da Holanda e Alemanha já estavam destruídas pela acidez da chuva. A água do mar na costa do atlântico norte já estava entre 10% e 30% mais acida que nos últimos 20 anos. Na América do Sul, chuvas com PH 4,7 vinham sido registradas tanto em regiões urbanas e industrializadas como em regiões remotas.
Já nessa época era visível a corrosão de monumentos históricos; a Acrópole, em Atenas; o Coliseu, em Roma; o Taj Mahal, na Índia; as catedrais de Nitre Dame, em Paris e de Colônia, na Alemanha. No Brasil em Cubatão, São Paulo as chuvas acidas já contribuíam para degradação da Mata Atlântica e desabamento de encostas. Com o derretimento da camada de gelo dos pólos o nível do mar subiu assustadoramente. O mundo enfrentou a pior crise de toda história da humanidade. E o mais duro para raça humana foi acreditar que não era apenas uma crise, aquele realmente era seu fim. Os sete bilhões estavam prestes a ser extintos se eles não descobrissem logo uma saída.
...
Mara e Daniel olhavam para o local, á sua frente. Era uma vista aerodinâmica, longínqua, no entanto ainda assim revelava a belíssima construção. Uma fachada estonteante, onde se destacavam a escadaria de acesso, a visão dos dois andares e as três cúpulas da cobertura. O sentido de verticalidade era dado pelas grandes colunas no corpo central e pelas colunas menores das rotundas laterais. Exibia um equilíbrio de linhas clássicas, entretanto a abundância da decoração remetia ao barroco. O clone avistava aquela construção ao longe, Mara e Daniel compactuavam com o misto de sentimentos que quase o tornavam um ser humano, mas era fácil entender que ele lutava contra isso o tempo todo. O assassino se concentrava em seu plano, andava pelo ônibus, seus ouvidos o tempo todo se desviando das suplicas que chegavam como sussurros vindo dos membros restantes.
- O que vamos fazer agora meus amigos, será um espetáculo a parte. – Ele disse retomando as rédeas da situação. Seus olhos voltados para o representante do Mato Grosso. – Prepare-se para sua platéia. Você fará um show e eu assistirei de camarote. – Ele completou enquanto dava ordem ao computador para que descesse o ônibus. O VCX desceu e Daniel e Mara puderam ver a bela Águia de asas abertas, um pouco deteriorada com o tempo, mas ainda imponente sobre aquele que foi palco de grandes estórias.
O clone desceu do ônibus com uma mochila e começou a apanhar algumas pedras no chão. Pedras nem tão grandes, nem pequenas demais. Encheu sua mochila e olhou para as janelas do ônibus de onde os membros acompanhavam-no receosos.
- Ahhh... Me sinto mal sobre esses olhares. Por favor, não me julguem. – Ironizou brincando com uma pedra em mãos, lançou-a trinta centímetros para cima e a segurou firme na mão direita. Os membros acompanharam toda a trajetória da pedra. Ele sorriu e olhou na direção do mato-grossense, que encolheu-se na cadeira tal qual um rato amedrontado. O clone olhou para a pedra e lançou-a de novo. Dessa vez ela subiu um pouco mais e em um leve descuido ela caiu ao chão. Ele abaixou-se e no momento que preparou-se para apanhar a pedra, seus olhos o levaram para outro lugar, preso em lembranças que ele mesmo desconhecia. Ele olhava para as pedras na calçada, aquele local era uma das praias mais conhecidas do mundo, tanto pelo seu calçadão feito de pedras portuguesas além do famoso revellion com a grande queima de fogos e shows musicais que aconteciam todos os anos. Ela estava á sua frente, linda, aparentava ter vinte e dois anos, naquele momento suas vidas mudariam para sempre.
“Os fogos de artifício inundaram o céu com toda sua beleza e ela olhou feliz para o alto acompanhando o disseminar das luzes em meio ao barulho das explosões artificiais. Cascatas de brilho, que traziam para a noite um lucidez especial. Daniel via tudo aquilo refletido nos olhos de Vitória que mesmo naquele corpo de mulher se postava diante daquele espetáculo pirotécnico como fosse uma criança que acabara de chegar ao país das maravilhas.
- Você é louca! Quando eles nos pegarem, estarei acabado. – Daniel disse olhando para Vitória. Ela o encarava sorrindo, enquanto ele lembrava-se da loucura que havia feito. Vitória sempre quis conhecer as praias do Rio de Janeiro, estar tão perto daquilo tudo e conhecê-las apenas por fotos de guias de turismo era o que ela dizia ser quase um pecado. Daniel, o responsável por sua segurança cada vez mais se aproximava dela, a amizade dos dois crescia absurdamente, tornava-se algo muito maior do que eles imaginavam, o sentimento os tomava por completo e em segredo eles dividiam e compartilhavam de um amor, que se assemelhava ao de dois colegiais, tão amigos que se recusavam a acreditar que estavam apaixonados. Daniel se espantava com tantas qualidades naquela mulher que tantos tratavam ser uma mera experiência. Danilo era o único que a protegia como ele, mas naquele 31 de dezembro, o laboratório estava deserto, até o Doutor, que nunca havia se desgrudado de Vitória, havia viajado para o interior de São Paulo. Aquela noite quente, uma das ultimas em que se comemoraria a virada do ano naquela maravilhosa Copacabana era algo mágico. Vitória o implorou que a levasse para ver a queima de fogos, Daniel parecia estar hipnotizado por ela. Ele acabou concordando, chegou á noite com um embrulho nas mãos. Ela estava de costas dentro da sala de vidro, olhava para seu próprio reflexo no espelho, enquanto maquiava-se. Daniel olhou para o provador onde ela se vestia e sorriu ao ver a enorme quantidade de vestidos que ela já havia experimentado jogados pelo sofá, vestidos este que ela usava apenas ali, quando era apresentada para algum político, líder, ou outra pessoa que fosse importante para o propósito que ela foi criada.
- Ainda bem que isso aqui é setor confinado. – Ele disse surpreendendo-a. Vitória olhou para Daniel, ele estava de terno, suas mãos por detrás do corpo e o quepe sobre a cabeça, mas o que mais a cativava nele era aquele olhar envolvente. – Desistiu de ir? – Ele perguntou.
- Não... é que... bem... ahhh... – Ela suspirou nervosa. – Não consigo achar a roupa ideal. – Daniel sorriu, admirando-a ainda mais, e então mostrou suas mãos revelando um embrulho. Vitória olhou para ele, suspirou e recebeu o presente enquanto seus olhos brilhavam de felicidade. Ao desembrulhá-lo ela não resistiu e uma lágrima brotou tal qual um milagre dos olhos dela. Daniel se emocionou e não conteve sua emoção, despistou, enxugou suas lágrimas e virou-se de costas para ela.
- Troque-se Vitória. – Disse ao virar seus olhos na direção da porta de vidro. O leve reflexo mostrou-lhe a peça de roupa caindo e revelando o corpo definido e sensual da bela mulher. Ele resistiu, fechou os olhos e lá estava ele de pé sobre o calçadão de Copacabana.
- Nunca pensei que isso fosse tão lindo! – Ela disse enquanto começavam a caminhar meio a multidão.
- Estamos indo longe demais Vitória. Depois de hoje pedirei transferência. – Ele disse encarando-a nos olhos.
- Do que está falando? – Vitória perguntou surpresa.
- Sou um perigo pra você! Não posso te proteger assim. – Ele disse enquanto ela se aproximou ainda mais dele.
- Isso é amor? – Ela perguntou como quem não soubesse o que estava sentindo, como quem quisesse entender que força era aquela que a tomava intensamente. Daniel balançou a cabeça negativamente, mas em sinal de lastima, suspirou fundo e recuou.
- Não podemos fazer isso! – Ele disse. Os fogos tomavam o céu, mas a beleza que estava a sua frente o cegava.
- Por que tenho tanta vontade de estar perto de você? ...isso parece com os livros que li, Shakespeare, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Érico Veríssimo. É disso que eles tanto falavam? – Daniel estava sem palavras, a chuva começou a cair fina, enquanto o relógio zombava deles, os ponteiros passando lentamente enquanto no palco CPM22 cantava o sucesso...
- Um minuto para o fim do mundo... – Daniel não entendia o porquê daquilo, mas sabia o que fazer, tinha que levar ela para o laboratório. Olhou nos olhos de Vitória, seus olhares se cruzaram num misto de ternura e desejo. Ela chorou e ele irresistivelmente pegou sua mão e puxou-a pela multidão. Saíram correndo feito crianças á beira da praia. Ela tirou a sandália e jogou-a no mar, seus pés tocando a areia molhada, as ondas do mar beijando os pés dos dois. Entre risos e lágrimas eles caíram ao chão rolando num momento mágico, corpos anestesiados pelo amor. Parecia não haver mais ninguém, eram só os dois, á metros da multidão que neste momento se abraçava, comemorando o ano novo em total frenesi. Mas naquele mísero espaço de tempo, que duraria uma eternidade, o relógio parecia ter parado para Daniel e Vitória, que se olhavam, as bocas se aproximando á milímetros de distancia, os lábios sendo atraídos como imãs, envolvidos pela ansiedade do toque, perdidos na sensação incontrolável do desejo. A respiração ansiosa de Vitória, a paixão irrefreável de Daniel. Tudo isso os impulsionou, e o que parecia acontecer em câmera lenta de repente acelerou, invadiu seus corações que batiam num compasso apressado, os lábios se encontraram e se perderam enquanto o amor os conectou. E de olhos fechados eles se abriram. Aquela noite Vitória e Daniel entregaram-se um para o outro, ela descobrindo o amor, enquanto ele que durante toda sua vida havia se dedicado apenas ao seu afeto pela profissão, enfim encontrou algo pelo que valesse a pena lutar.”
O clone piscou os olhos como se acordasse de um sonho, olhava para o chão, a pedra caída. Mara e Daniel aguardavam ansiosos pelo próximo movimento dele. Ele apanhou a pedra e olhou para os membros, virou-se para o prédio abandonado á sua frente e decidido subiu as escadarias de acesso enquanto ainda se perguntava o porquê de tudo aquilo vir á tona.
...
O vento soprava forte. Mat e João avistaram as três fogueiras à sua frente e o Cyborg deu ordem para que o veículo descesse. Ao aproximarem-se puderam ouvir os gritos, ver os rostos imersos em expressões de pânico. O furgão tocou o chão, a porta abriu-se e João saiu correndo desesperado na direção das fogueiras. Mat veio logo atrás tentando raciocinar em meio aquela situação. Olhou para os pés das vitimas, em carne viva, deformados. Ambos não tinham mais força para manterem-se livres do fogo que os atacava intensamente. João chegou até eles, olhou para Ilmar, uma fumaça terrível o encobria, o agente ouvia a tosse engasgada, a voz que chegava como um sussurro da morte, murmúrios, apenas lampejos do que ele realmente queria bradar. Como chegar até ali? A fumaça o impediria. João olhou para segunda fogueira, esta era menor, porém os gritos ensandecidos de José Alfredo revelavam o quanto aquele homem havia sofrido, o suor tomava seu corpo, manchas avermelhadas por toda sua face, os pêlos de seu peito queimados, a pele sendo tragada pelo inferno que crescia incansavelmente, o fogo já havia consumido seus pés e pernas, chegando a queimar seu órgão genital, ele alucinava, delirava de dor enquanto suas lágrimas untavam-se á seu suor, percorrendo seu corpo e morrendo no calor das chamas.
- Minha nossa senhora! – Disse João enquanto Mat se aproximava do terceiro homem, que implorava á Deus por sua vida. O fogo tomando o madeiro, enquanto a corda que pendia entre suas pernas queimava, cronômetrando sua morte. O fogo seguindo a trilha da corda, as faíscas dando um bizarro visual pirotécnico para a execução. Mat olhava para o homem amordaçado. Tentava raciocinar no porquê dele estar diferentemente dos outros, impossibilitado de falar. Olhou para a corda que estava em sua boca, o homem a ruía desesperado, mastigava-a compulsivamente enquanto as chamas chegavam ligeiras, a saliva descendo grossa e estranhamente acinzentada. Os olhos da vitima se mexendo como se ele quisesse revelar algo para Mat, que tentava entendê-lo, mas era quase impossível decifrar o que aquele olhar lhe dizia em meio á fumaça. Mesmo parecendo ainda estar raciocinando Airton bravamente resistia a dor.
João tentava á todo custo, caminhava na direção das chamas, mas o calor infernal o impedia de aproximar-se. A ventania parecia atiçar ainda mais o fogo, que se alastrava, aumentando ainda mais as chamas. Ouvindo os gritos desesperados dos condenados, o agente viu o fogo tomar o madeiro e as chamas subiram famintas, queimando as costas de José. Ilmar sentia a angustia que toda aquela fumaça o causara e num ultimo espasmo calou-se, perdendo a consciência, desmaiou em meio ás chamas que o cercavam, enquanto o calor tortuosamente castigava sua pele. Em um momento de insanidade os olhos de João se avermelharam, uma força enorme o tomou e ele saltou em meio ás primeiras gotas da chuva que caiam fervilhando sobre sua pele. Ele fez sua escolha.
- Merda! – Disse Matheus procurando uma forma de ajudar Airton. Deu a volta pela fogueira que aumentava ainda mais, as gotas da chuva caindo sobre seu corpo queimando-o. Airton tentava mexer a cabeça, mordia a corda ainda mergulhado em seu próprio desespero, o sangue escorrendo de suas gengivas, enquanto os dentes sentiam cada tentativa desesperada ao roer da corda. Mat olhou curioso para a corda queimando e seguiu o percurso que ela fazia no corpo de Airton, o fogo já havia tomado quase toda a corda, as chamas se aproximavam da nuca dele, foi quando Mat viu o que o Baiano temia.
- Caramba agente! Aquilo é uma... – Ele disse olhando para o lado e surpreso viu que o agente estava agarrado á cruz em meio a densa fumaça que o cercava, suas garras cravadas na madeira enquanto o fogo consumia o corpo de Ilmar. Mat viu os dentes de João rasgarem as cordas que prendiam o brasiliense como um cão faminto que acabara de encontrar um pedaço de muxiba em um balde de lixo e o rasgava com toda sua animalidade. Matheus virou-se para Airton e viu mais uma vez o quanto o fogo se aproximava do objeto que jazia por detrás de sua cabeça. Os pingos da chuva castigavam suas peles enquanto as gotas aumentavam sua intensidade, chegando ácidas e corrosivas.Os óculos de João protegiam seus olhos que eram as partes mais sensíveis, mas os de Mat estavam desnudos. Ele olhou corajosamente para o rosto de Airton, e viu seus dentes transpassarem a corda, o baiano respirava como se fosse um keniano ao acabar de ganhar a corrida São Silvestre, exausto mas feliz por ter conseguido atingir seu objetivo. Desesperadamente ele gritou sua sentença.
- Dinamiteeee!!! – Aquilo fez com que João dependurado na cruz na tentativa de salvar uma daquelas vidas olhasse na direção dele. O pavio da banana acesa estava a milímetros de encontrar seu alvo, João soltou as cordas restantes e saltou com o corpo de Ilmar para longe da fogueira que já queimava suas mãos e pernas. Mat se abaixou enquanto se perdoava por não ter conseguido salvar a vida daquele homem. Airton sorriu enquanto uma ultima lágrima escapou de seu olhar cheio de alivio por saber que sua angustia enfim chegaria ao fim, o fogo queimando seus pés, a dor dominando seu corpo, razão e sentidos. Cada camada de sua pele absorvendo a reação que seu cérebro tinha aos toques sádicos e tortuosos das chamas. Sentenciado a morte ele fechou os olhos enquanto os pingos da chuva, e a ânsia do que se viria a seguir o tomavam. O fogo já havia encontrado a pólvora. Naquele momento o pavio se rendeu á seu fim.
A explosão foi rápida, um estrondo tal qual um trovão rugindo feroz e decepando a cabeça de Airton, que caiu rolando, em porções de terror. Cérebro, sangue, crânio, orelhas e olhos esbugalhados caíram por todas as partes. O corpo sem cabeça ficou dependurado e inerte, enquanto o fogo o conflagrava.
- Que droga! – Gritou Mat sentindo a ardência da chuva que agora se tornara mais forte, levantou-se e olhou para o lado, João e Ilmar caídos, a cabeça de João sangrando enquanto ele estava aparentemente inconsciente. Na outra cruz ainda em gritos e com mais da metade de seu corpo carbonizado, José tremia loucamente, agonizando entre espasmos e uma tosse angustiante como a de um moribundo tuberculoso. O fogo já chegava a seu queixo, tortuoso e imponente fritava sua carne, ultrapassava sua epiderme, transpassava as camadas de sua alma. Delirante a vitima gritava experimentando uma dor indescritível. Seu cabelo incendiou-se, sobrancelhas, pálpebras e lábios deformavam-se, grudavam uns aos outros cerrando sua vida, o fogo queimando seus olhos enquanto inexplicavelmente seu coração em chamas ainda batia. Matheus assistiu aquilo imaginando como o ser humano podia ter inventado algo tão cruel, fechou seus olhos por um segundo e questionamentos o tomavam naquele momento bárbaro que ele acabara de presenciar. Será que aquilo tudo que passavam era um castigo de Deus? Será que o apocalipse realmente havia chegado? Até onde ia a selvajaria do ser humano? E por que então Deus o havia colocado ali? Qual era o propósito de Mat para a humanidade, afinal? Abrindo os olhos, através das gotas ácidas que caiam enxergou o corpo enfim desfalecido e irreconhecível do homem dependurado na cruz. Correu na direção de João e Ilmar e os arrastou para o furgão.
...
A chuva caia forte enquanto Mara ainda estava surpresa com o que havia visto e sentido.
- Você viu aquilo? – Perguntou Mara. Daniel olhou para ela ainda aturdido pelas lembranças que haviam retornado do fundo de seu peito. Ele ainda sentia a presença de Vitória, o corpo, o perfume no ar. Uma lágrima apareceu em seus olhos subitamente enquanto ele aspirava aquele misto de sensações. Lembrou-se do momento em que Vitória o havia dito que estava grávida.
“- Estou grávida... Ela disse baixando os olhos. – Daniel não sabia o que fazer. Logo eles descobririam tudo. Faziam exames nela rotineiramente. Aquilo os daria tudo que eles tanto precisavam, usariam seu filho como uma cobaia. Eles estavam perdidos.
- Preciso tirar você daqui! – Ele disse.
- Preciso te contar algo Dan, o porquê de ter descoberto isso. Foi quando Danilo abriu a porta e aproximou-se deles. Daniel olhou na direção dele que carregava um olhar pesaroso.
- Tem que tirá-la daqui o mais rápido possível Daniel. – Danilo disse surpreendendo-o. – Eu que descobri tudo ao fazer os exames. Ela está grávida de seis semanas. O sistema imunológico dela ficou fraco demais.
- Do que está falando? – Daniel perguntou receoso, enquanto as lágrimas teimavam em transbordar de seus olhos.
- Ela não vai suportar a gravidez Daniel. Ela está doente, a uma falha no DNA, mas é possível que a criança sobreviva. – Explicou Danilo.
- Não! Não pode ser! Tem que haver um jeito. – Ele disse enquanto as lágrimas fugiam de seus olhos.
- Não há, Daniel. Eu já vi isso. Irei morrer, e você precisa salvar nosso bebê. Ele é a única chance que teremos. – Ela disse com um sorriso quase reconfortante em seu rosto, parecendo ter aceitado seu destino.
- Do que está falando? São só sonhos, nada mais. – Ele disse incrédulo.
- Não Daniel. Desde que essa criança está aqui dentro, posso sentir, ver coisas que nunca havia visto. Eu sei o que você tem que fazer. Não me pergunte por quê. Mas eu sei. Acredite em mim. – Daniel olhou para ela ainda sem entender como aquilo tudo era possível. Vitória teimava que ele seria um assassino, mataria impiedosamente 26 pessoas, e com isso impediria um plano insano que essas pessoas estavam tramando. Mas até aqui ele não acreditava de fato nela. Porém, a sinceridade expressa em seus olhos, impressa na sua face, e viva em suas palavras o fez refletir. Ele olhou para Danilo, aquele homem singular que por algum motivo os ajudava.
- Por que está nos ajudando? – Ele perguntou.
- Daniel, já fiz coisas erradas demais, e não posso permitir que isso continue. Essa criança é um milagre. Ninguém pode saber da existência dela. Já destruí todos os exames. Tire Vitória logo daqui e mantenha-a segura.
- O quê? – Daniel perguntou confuso.
- Pense Daniel. Eles fizeram uma aliança, todos eles querem que esse projeto seja eficaz. Vão procurá-la, caçá-la incansavelmente. São milhões investidos no projeto DNA2. E o presidente não deixará que a clone de sua filha, saia vagando por aí. Ele precisa dela para a cirurgia. Esperou todo esse tempo e você está tirando isso dele. Há dois meses os exames constataram que ela estava pronta para o transplante, livre de qualquer infecção, e isso foi muito difícil de conseguir devido á falha genética, Daniel. Era só aguardar o tempo certo para que a filha do presidente estivesse estável, mas a gravidez surgiu, e agora qualquer possibilidade de salvá-la acabou. Ela não resistirá á isso, seu organismo não tem resistência alguma para uma gravidez. – Danilo disse melancolicamente. Daniel olhou para Vitória e neste momento lembrou-se de tudo que ela havia dito que ele fazia nos sonhos dela... as mortes, o sangue, a crueldade, todos os pesadelos que havia tido no último mês. Lembrou-se do que ela havia previsto se aquilo não acontecesse, e naquele momento ele pensou se isso realmente era possível. Daniel olhou para ela, e neste momento se lembrou da única pessoa que podia ajudá-lo, pegou seu telefone e discou aquele numero que tantas vezes o ligou para desabafar.
- Daniel! O que há com você? – Ele ouviu como se a voz viesse de outro planeta e entrasse diretamente em seu cérebro sem passar por seus ouvidos. Acordou de suas lembranças sentindo uma estranha sensação de tristeza. Olhou na direção de Mara que ainda sendo cega, parecia poder enxergar sua nostalgia.
- Eu vi, Mara. Eu vi sim. – Ele respondeu ainda pensando se ela realmente poderia ter visto os pensamentos do clone como ele. Mara podia afinal ver as lembranças do clone?
- Quem era ela? Sua esposa? E que lugar era aquele? – Ela perguntou curiosa.
- Aquela era Vitória, Mara. A única mulher que realmente amei na vida. Ela era uma clone. – Ele disse sorrindo ao lembrar-se do rosto de Verônica.
- Uma clone! Meu Deus. Por isso conhecia o projeto DNA2, ela era o projeto! – Raciocinava Mara juntando as informações que recebia. – E o que aconteceu com ela?
- Eu a matei! – Ele disse enquanto as lágrimas corriam pelo seu rosto.
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- Acorde João! – Pedia Mat enquanto dava leves tapas no rosto do agente, que estava em sua aparência normal, desmaiado no piso do furgão, enquanto os pingos da chuva batiam fortes contra a lataria do carro. Ao seu lado, sentado estava Ilmar Candido, ele segurava um cantil e estava com um pano na boca. Jogava leves jatos de água pelas queimaduras. A ardência chegava irritante e dolorida.
- Ele vai ficar bem? – Ele perguntou enquanto Mat sentia o pulso de João.
- Bem, se você ainda está vivo e consciente, ele logo voltará. – João estava desmaiado, sonhando com seu próprio passado.
Ele era apenas um garoto em meio a multidão. Uma criança que queria entender o porquê daquilo tudo. Seu pai havia saído para trabalhar, sua mãe havia passado seu melhor terno, e dado um beijo em seu pai. Raul olhou para ele antes de entrar no carro, e como todas as vezes fazia, lançou um beijo para o garoto que saltou e fez que agarrou-o na mão, fechou-a e levou até o coração. Seu pai entrou no carro e os olhos da criança o acompanharam até que ele dobrasse a esquina. De pé em meio os gritos de assassino, o pequeno João tirou a arma do bolso, carregou com a pedra e mirou como quem quer acertar o alvo em cheio. A pedra viajou como uma bala e acertou a cabeça de Daniel que olhou para trás confuso. O sangue abrolhando e escoando por sua pele. Seus olhos se cruzaram e
daquele momento em diante João soube que ele mataria aquele homem.
João acordou assustado, tossindo, ainda engasgado com a fumaça que havia inalado, além de estar sentindo uma enorme enxaqueca devido a queda. Segurou firme o antebraço de Mat e ainda zonzo balbuciou.
- Assassino!
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- Traga-o logo Felix. – Pensava Mariano sentado em seu escritório. Sobre sua mesa uma foto de seu filho. Ele precisava encontrar logo uma cura.
Estava se sentindo acuado como um camundongo. Olhou a sua volta.As paredes de vidro revelando os berçários ao seu redor. Logo o mundo conheceria uma nova raça, novas espécimes, melhoradas. A raça humana e toda a natureza era algo que estava para se tornar obsoleto. Um novo Deus estava para surgir. A eternidade enfim seria alcançada. Questionamentos latejavam incisivamente em sua mente. Mariano estava perdido em uma encruzilhada, entre a ética profissional e a familiar. Até onde ele iria para salvar seu filho? Desafiaria Deus ou simplesmente respeitaria sua vontade?
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Paulo Dutra olhava para sua equipe. Estavam sentados dentro do furgão.
- Bem senhores, estamos chegando ao final. Logo o clone cumprirá sua missão. O secretário acabou de anunciar em rede mundial a situação em que nos encontramos. O seqüestro do ônibus, a fuga de Daniel e a relação entre ele, Mara e João. Os três agora são cúmplices nestes crimes. – O clone não pode ser morto enquanto não entregar a localização do verdadeiro presidente. Logo mataremos todos eles e assim que tivermos o presidente em nossas mãos seremos heróis. Esqueçam-se de tudo isso, desse deserto, dessa escuridão em que vivemos. Aniquilaremos os nanoinfectos e teremos de volta o dia e a noite para nós. Precisamos apenas ter cautela. Algo diferente do que Camilo não teve até aqui. Diego está morto e Daniel está próximo. Mas ainda precisamos deles. O doutor Mariano esconde alguma coisa de nós. E ainda não sabemos de certo onde ele mantém a criatura evoluída. Só ele e Felix tinham a chave para as respostas. Aquele maldito nos enganou o tempo todo, mas pelo que vimos nas câmeras acopladas as roupas de Diego, ele encontrou seu fim.
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O clone olhava para fora, a chuva tomava as ruas, enxurradas descendo avassaladoras pelo asfalto esburacado e descendo pelas valetas. Ao encontro dos esgotos. Logo que o temporal passasse os nanoinfectos sairiam fugindo das águas que tomariam já tomavam os bueiros.
- Eita sacolinha pesada! – Ele disse deixando a sacola cair no chão. Olhou á sua volta e viu a imensidão de cadeiras que os circundava. Os representantes restantes estavam amarrados uns aos outros, amordaçados, o clone do presidente permanecia junto a eles. Todos queimados pelos UVA’s, mas aparentemente estavam suportando bem a insolação, com exceção do mato-grossense que tremia absurdamente, amedrontado e confuso mal conseguia fixar seu olhar na direção do clone. – Não tenha medo. Não lhe farei mal algum. – O clone disse sorrindo.
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- Que estória é essa Daniel? – Pedro perguntou confuso ao telefone.
- Ninguém pode saber. Preciso que entre no laboratório e seqüestre Vitória.
- Você está louco? – Pedro indagou espantado.
- Talvez eu esteja, mas preciso de você amigo. Não confio em mais ninguém. Vou te passar como funciona a segurança, você não mostrará seu rosto, as câmeras precisam apenas filmar alguém com habilidade e força possível para derrubar essa segurança e me abater. Vamos fazer parecer que tudo foi um pouco mais difícil, vai seqüestre-la, teremos um combate corpo a corpo, você me acerta e me deixa desmaiado no local e deixa um pedido de resgate. Daí em diante é comigo. É só isso. E eu cuido de tudo e você volta pra sua esposa e sua vida segue normal. – Danilo e Vitória ouviam a conversa ansiosos pelo desfecho, tentando acompanhar o raciocínio de Daniel que aparentemente tentava arquitetar um plano para que saíssem dali sem eu ele fosse culpado de nada, assim poderia continuar protegendo-a de uma maneira mais eficaz.
- E o que vai fazer quando ela estiver aqui fora? Casar-se com ela? Ela é uma clone Daniel. Só isso! Pelo amor de Deus, seja racional. – Pedro disse.
- Não, na verdade, pretendo voltar a trabalhar com você. Ela está fraca amigo e não vai resistir a gravidez. Não posso ser um suspeito de seqüestro, tudo tem que ser perfeito. Tenho que salvá-la, e par isso preciso manter-me ativo na sociedade. Preciso apenas que me ajude, não que me julgue, tampouco que entenda o que sinto por Vitória. Ela agora espera uma criança minha. Um filho meu, Pedro! Acha mesmo que isso pode ser algo a se tratar como uma aberração? Logo você? – Disse Daniel sabendo o que Pedro sentiria ao ouvir essas palavras. Pedro engoliu seco, olhou para sua cama, e viu que sua mulher dormia, coberta por um fino lençol que cobria parte de seu corpo desnudo. Lembrou-se de todas as conversas que já havia tido com Daniel, de como se abria para aquele que sempre foi o seu maior confidente. Sentiu-se mal ao perceber o que estava fazendo ao julgar algo que não conhecia.
- Você tem razão Daniel, me desculpe amigo. Diga o que tenho que fazer. – Pedro disse enquanto Daniel sentiu a alteração no seu tom de voz, aquilo o deu a certeza que ele tinha conseguido convencer seu amigo a ajudá-lo. Dali em diante Pedro faria tudo que ele pedisse.
- Você a matou? – Questionou Mara, recuando apreensiva. Daniel revivia cada momento, sentia cada angustia. Tudo aconteceu da maneira que ele e Pedro haviam planejado. Eles demoraram cinco dias, foi o tempo que Danilo conseguiu antes de pedir outra remessa de exames. Pedro entrou armado, com uma máscara de meia na cabeça e luvas nas mãos. Nocauteou os dois primeiros seguranças com dardos tranqüilizantes, atravessou o corredor fugindo sempre das câmeras, cronômetrando os pontos cegos de cada uma delas. Em sua mente cada informação que havia recebido de Daniel trabalhava a seu favor. Ele correu na direção do elevador de serviços, passou o cartão que havia surrupiado de um dos seguranças e desceu. No elevador havia apenas um andar cadastrado abaixo daquele nível, que era o da garagem, mas o elevador desceu dois andares mais, indo de encontro ao laboratório. A porta abriu-se e Felix ouviu o som dos disparos. As balas penetraram no elevador subitamente, procuravam o corpo de Pedro e encontrando o vazio. Os seguranças entreolharam-se surpresos e adentraram empunhando firmemente suas armas. Um objeto caiu no chão aos pés de um dos seguranças que ao vê-lo ainda rolando pulou para fora do elevador gritando em alerta:
- Granada! – Os três caíram no chão tapando os ouvidos e ouviram um estouro. De olhos fechados e esperando a explosão eles reconheceram aquele maldito barulho, não era de uma granada e sim de um disparo da arma que agora estava apontada para eles. O projétil disparado acertou o chão á centímetros da cabeça de um dos seguranças.
- Amadores! – Ele disse lembrando-se de vê-los de cima do elevador, onde estava escondido. Tudo correu como Daniel havia previsto, eles se jogaram no chão enquanto a falsa granada caia aos seus pés. Pedro saltou de cima do elevador, e apontou a arma para eles após dar o disparo. – Levantem-se bem devagar e deixem as armas no chão. – Eles se levantaram num misto de decepção e vergonha. – Quanto mais tem de vocês? – Ele perguntou.
- Vá se ferrar! Disse o segurança do meio. – Pedro sorriu, sabia que aquilo não seria fácil, só havia uma maneira de arrancar a verdade deles. Ele precisava mostrar do que era capaz. Apontou sua arma, mentalmente pediu desculpas à sua esposa e atirou. O projétil penetrou na perna do falastrão que caiu de joelhos como se estivesse fazendo uma prece.
- Deusss! – Ele gritou. Pedro apontou a arma para o da esquerda e perguntou:
- Só vou perguntar mais uma vez. Quantos mais? – Aquilo tudo era pura encenação. Pedro sabia muito bem quantos ainda restavam, era fim de semana, apenas mais dois homens na segurança do prédio e um deles era nada mais nada menos que Daniel.
- Mais dois! – Disse o da direita enquanto o outro segurança o repreendia com o olhar.
- Muito bem. Então vamos lá. O que preferem? Levar um tiro? Ou apenas desmaiarem? Isso é com vocês. – Ele disse engatilhando sua arma.
- Desmaiar é melhor. – Disse o da esquerda olhando para o segurança baleado, que ainda gritava de dor.
- Tudo bem. Ele apontou a pistola de dardos e atirou. Os três caíram um a um. Os três desacordados foram puxados até um quartinho de limpeza e deixados lá amarrados. Pedro saiu de lá e seguiu, lembrando-se de cada detalhe que havia estudado da planta do prédio. A sala de Vitória não ficava tão longe dali e o alarme, pelo que haviam planejado, com certeza já havia sido disparado por Daniel àquela hora. Agora o tempo corria contra ele. Seguiu apressado e despreocupado com as câmeras e avistou Vitória, as lentes o flagraram como previsto e ele seguiu na direção dela. Olhou pelo vidro e viu o reflexo do segurança vindo em sua direção com a arma apontada para ele.
- Parado aí! – O segurança gritou. Pedro estava de costas para ele. Deixou sua arma cair no chão e virou-se bem devagar. O segurança sacou suas algemas e caminhou até ele tendo Pedro sobre sua mira. Pedro estendeu as mãos esticas à altura de seu peito e fez-se de rendido. O segurança nervoso olhava para ele. Foi quando a voz chegou pelo rádio.
- Está aí Felipe! – Disse a voz de Daniel. Aquela distração foi o necessário para que Pedro se aproveitasse da situação, sacasse sua arma reserva que jazia entre seu cinto e sua barriga e atirasse na mão do inexperiente soldado. Daniel havia calculado tudo, Felipe era um bom segurança, mas alguém do quilate de Pedro era raro. Um mísero deslize e ele poderia reverter qualquer situação. Pedro olhou na direção do jovem segurança e com sua arma fez sinal para que ele se afastasse da arma que estava caída no chão.
- Onde ela está? – Ele disse apontando para cabeça do soldado. – Vamos logo, não tenho muito tempo seu imbecil. Já matei muita gente hoje. Posso poupar sua vida. – Ele disse num tom de voz ameaçador. O soldado olhou para a direção de um corredor lateral, uma porta de grade estava aberta e limitava a área dando mais segurança. Havia um leitor de digitais á sua frente. Felipe gemeu de dor enquanto o sangue gotejava de sua mão. Pedro sabia que a hora havia chegado, forçou o segurança a posicionar seus dedos sobre o leitor e a porta se abriu. Daniel surgiu no corredor protegendo Vitória.
- Acalme-se. Ninguém mais precisa morrer hoje. Essa é a única saída. Logo esse lugar estará infestado dos meus melhores homens. – Disse Daniel apontando a arma para ele enquanto Vitória escondia-se atrás de seu corpo.
- Deixe de ser idiota. Vou sair daqui antes disso. – Pedro advertiu puxando Felipe contra si, segurou-o pelo pescoço e apontou a arma para ele. O segurança sentiu toda a força e agilidade daquele bandido, enquanto o latejar da ferida o incomodava. O buraco feito pela bala, ardia como se sua carne tivesse sido queimada á ferro e fogo. A cada segundo que se passava a dor aumentava ainda mais.
- Droga! Me desculpe. – Lamentou Felipe olhando para Daniel que parecia estar analisando a situação. Em seus pensamentos o jovem segurança sabia que só havia uma pessoa naquele momento que poderia tirá-lo dali vivo. E essa pessoa era Daniel.
- O que você quer afinal? – Daniel perguntou.
- Deixe a arma no chão e chute-a pra mim! – Ordenou Pedro.
- Isso não vai acontecer. – Disse Daniel. – Não vou te entregar meu atestado de óbito. Quer negociar, seja menos idiota. Quem é você afinal? Pra quem trabalha? – Perguntou Daniel.
- Isso não vem ao caso. Você tem dez segundos pra entregá-la ou eu mesmo vou aí pegar ela. – Disse Pedro olhando para o cronômetro de seu relógio de pulso enquanto apertava ainda mais o cano da arma na cabeça de Felipe. Daniel pareceu titubear, Vitória apertou forte seu ombro. Felipe sentia toda tensão daquele momento. Ele nunca havia passado por algo parecido com aquilo, e justamente por isso era a pessoa perfeita para estar ali como testemunha.
- Largue ele! – Disse Daniel pensando em fazer algo. Pedro sorriu.
- Seu tempo acabou – Ao dizer isso a energia foi cortada abruptamente deixando todos em completa escuridão.
- Que porcaria! – Disse Felipe sentindo algo frio tocar sua pele e de repente viu-se livre do infrator, mas agora estava preso as grades de aço do portão. Daniel e Vitória estavam de mãos dadas, ela era guiada por ele. Ambos sem enxergar nada na escuridão.
- O que aconteceu? – Ela perguntou. Naquele momento Felipe ouviu Daniel a pedindo para se calar, pois o bandido poderia encontrá-los pelo som de suas vozes, caminhar, ou outro ruído qualquer. E foi nesse momento que Felipe ouviu o estrondo de algo ou alguém caindo no chão. Ouviu um barulho de uma briga, e tentou correr na direção dele, mas se ele estava preso, aprisionado por suas próprias algemas.
- Saia daqui Vitória! – Gritou Daniel. Depois Felipe ouviu três disparos, e Daniel não foi ouvido mais. Apenas os gritos de socorro de Vitória, que passou ao lado de Felipe sendo conduzida por Pedro. Felipe tentou fazer algo, Pedro ouviu o barulho das algemas batendo contra o aço das barras da grade. Vitória continuou gritando por mais um tempo.
- Cale-se vagabunda! – Felipe ouviu o homem gritar, depois o barulho de um estalo tal qual um tapa forte. Vitória se calou e o silencio tomou o corredor. Felipe esperou por mais um tempo e então chamou por Daniel.
- Senhor? Está aí? – Ele chamou mais uma vez e nada. Daniel então gemeu do outro lado do corredor. Parecia estar ferido. – Graças a Deus! O senhor ainda está vivo.
- Onde ele está? – Perguntou Daniel aturdido. Lembrando-se de cada passo da encenação. Assim que Pedro algemou Felipe, colocou seus óculos noturnos e entregou uma para Daniel e outro para Vitória. – Temos mais seis minutos antes dos geradores funcionarem. – Ele sussurrou. Simularam todo o alvoroço. Daniel deu dois disparos no vácuo e olhou para Pedro fazendo sinal positivo com a cabeça. Pedro puxou a pele da barriga de Daniel e atirou. A bala atravessou a carne e varou do outro lado escapando ensangüentada e quente e depois cravando no vidro á prova de balas que cercava o quarto de Vitória. Depois deu uma coronhada na testa de Daniel fazendo com que ele desmaiasse. Vitória continuou a encenação até que passaram por ele. E num bater de palmas forte disfarçaram o som de um tapa no rosto. Vitória calou-se e eles saíram apressados rumo á saída.
- Ele a levou senhor. Estou algemado a porta... – Dizia Felipe.
- Eu a matei porque ela me pediu. – Daniel disse olhando para a chuva que permanecia intensa. Ele então lembrou-se da enorme águia que ele havia visto.
- Que cara é essa? No que você está pensando? – Perguntou Mara tentando mudar de assunto. Entender os motivos de Daniel parecia cada vez mais confuso para ela.
- Ele está no teatro Municipal. A águia de bronze. Como pude me esquecer dela. – Mara rapidamente deu ordem ao carro que seguisse para o teatro.
- Destino encontrado. Chegada em aproximadamente 6 minutos e 15 segundos. – Respondeu o computador.
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- Até onde vai a decência de um homem? Vocês são todos corruptíveis, esta é a maior verdade dentro da política. Até quando querem fazer o bem, é necessário que sejam corruptos, do contrário não alcançariam seus objetivos. – Dizia o clone enquanto os membros estavam acorrentados as poltronas. Apenas suas mãos estavam livres. Dois mil duzentos e quarenta e quatro assentos, eram 456 poltronas da platéia, todas em madeira e veludo, e á sua volta as 22 frisas. Acima estava o balcão nobre com 344 poltronas e 12 camarotes, além da cabine de luz e som. E ainda no andar superior estavam os 500 lugares de balcão simples e acima deles as 724 cadeiras de galeria. O lugar era mágico. Na direção do palco estavam os dois grandes camarotes aos lados do friso da boca de cena, desenho de Elyseu Visconti, sendo o da direita o Governador do estado e o da esquerda, o do presidente da republica. Abaixo deles ficava o fosso da orquestra, situado em plano inferior ao da platéia, com seu piso assentado sobre um elevador hidráulico, que se movimentava verticalmente de acordo com a necessidade dos espetáculos. Olhando para o alto estava uma das maiores belezas do teatro, o grande lustre central, todo de bronze dourado e com suas 118 lâmpadas com mangas e pingentes de cristal, circundado pela dança de “As Oreadas”, uma das obras primas de Visconti. – Quero lhes propor um trato.
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- O que vamos fazer? A chuva está forte demais. – Disse Mara enquanto Daniel olhando á sua frente e via a enorme águia de cobre dourado, de dois metros e oitenta de comprimento e nada mais, nada menos que seis metros de envergadura em suas asas. A águia estava sobre a esfera central, que a sustentava graças a seu diâmetro de um metro e oitenta. Além da bela ave Daniel via as esferas de vidro leitoso iluminadas de seu interior. Correndo os olhos pelo exterior do prédio podia –se ver as quatorze colunas de em mármore de Carrara, estilo Corintio. O emblema do município aparecia nos Capitéis. E sobre as seis colunas centrais da fachada uma pequena cornija e um friso decorativo, onde ao centro, estava a inscrição. “Theatro Municipal”
- Vamos ter que entrar de carro. – Ele disse dando ordem para que o carro acelerasse.
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João ainda estava assustado com tudo aquilo. Seu sonho tal qual um lembrete de outra vida, o anunciava sua sina. Olhou para o lado e viu Ilmar aparentemente bem. Mat sorriu em contentamento pela vida do amigo.
- Ta querendo me matar de susto é? – Perguntou Mat ainda sorrindo.
- Ele está bem? – Perguntou João referindo-se a Ilmar.
- Estou melhor que morto. – Ele próprio respondeu. Mesmo com as pernas queimadas e uma ardência na pele incrível, Ilmar estava melhor do que se esperava. – Obrigado por se arriscar. – Ele agradeceu.
- É uma pena que tenhamos salvado só você. Não chegamos a tempo. – O agente lamentou. – E agora o que fazemos? – Perguntou a Mat, em seguida.
- Vamos ajudar os outros! Acho que estão com problemas. Enquanto você tirava seu cochilo os procurei no rastreador do furgão. Tem mais um Furgão como esse, ele está na cola do VCX e Daniel e Mara estão logo atrás chegando próximo ao ponto onde os outros dois pararam. Estamos indo para o Teatro Municipal... Eles podem estar caindo em uma emboscada. Acredito que seja Paulo Dutra. – Disse Mat.
- Que droga! – Disse João levantando-se. – Mas se você pode vê-los de certo eles também podem nos rastrear.
- O estranho é que estes veículos têm um bloqueador de rastreio. Coloquei no modo camuflado e assim, nem eles conseguirão nos achar. Acho que não esperavam que a gente conseguisse um veículo como este. Só isso explica porque estão visíveis no radar. Os rastreadores desses furgões são os mais sofisticados. Acharíamos qualquer coisa nisso aqui. – Mat respondeu.
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Dentro dos esgotos a enxurrada continuava lavando os esgotos enquanto as estranhas criaturas se escondiam pelos túneis mais altos, aglomerando-se amedrontadas da água corrosiva que as cercava. Ali elas só tinham uma saída, antes que o nível da água as matasse, deviam enfrentar a chuva e correr a procura de abrigo na superfície.
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O Mustang Coupé 1964 entrou batendo contra as colunas e escapando da chuva que caia aterradora lá fora. Incontrolável tocou o chão e seguiu sobre a escadaria principal, menosprezando toda aquela suntuosa decoração, enquanto sua lataria batia contra as paredes laterais de mármore, e o ringir do metal chegava castigando os ouvidos dos membros, que preparavam-se para o ataque. O mustang rodopiou e bateu contra as duas estátuas de bronze de Raoul Verlet que representavam a Dança e a Poesia.
O clone olhou surpreso para o carro que entrava á toda, e seus olhos estreitaram-se ao ver que Daniel estava dentro dele.
- O maldito está vivo! – Disse surpreso.
O carro passou por suas cabeças num salto, o teto do Mustang beijou o lustre central e este balançou no ar tal qual o sino te uma igreja. As lâmpadas do lustre batiam umas nas outras e despencavam no chão. O reboco da laje já corroído trincou e o peso do bronze falou mais alto, fazendo com que ele se soltasse, deixando-o preso apenas pelos fios elétricos que arrebentaram logo em seguida. O lustre desceu dançando no ar até que tocasse no chão, aquela foi a ultima dança das Oreadas. O carro seguia seu salto, enquanto Mara gritava assustada e Daniel segurava firme suas pt’s. Por fim os olhos do clone vislumbraram o Mustang batendo contra o piso que se situava em plano inferior ao da platéia, o mustang capotou e parou de pernas para o ar, oscilante, sobre o fosso da orquestra.
O barulho da chuva atípica diminuía lá fora, enquanto o clone caminhava imponente em direção ao Mustang sob os olhares dos membros restantes.
Continua...
Logo publico com o titulo original.
Leiam...
“O Amigo Oculto – (Por Sidney Muniz)”
“Um assassinato no recanto das letras”
“O Jogo da Forca”
“A Rainha dos Monstros”
“Cercado pelo ódio”