Segredos da alma

Um carro em alta velocidade vindo em sua direção e depois, nada.

Acordou no meio da madrugada, num hospital, talvez. Estava sonolento demais para sequer se mexer. Esperou um tempo, e sentou-se na cama. Tentou ver ao redor, mas estava escuro demais.

Saiu da cama, devagar. Andou pelo quarto à procura de um interruptor, mas não achou nada que pudesse acender a luz.

Decidiu então procurar uma porta. Ela estava aberta quando finalmente a achou. Saiu do quarto para um corredor também escuro, só um pouco mais claro. Mas não o bastante... ainda estava escuro demais e achou melhor parar.

Um pouco de luz iluminava o corredor a cada minuto. Devia ser um farol. E isso indicava algum farol por perto. Mas, se Declan morava no centro, em que hospital estava então? Começou a pensar que estava sozinho naquele lugar.

Quando um facho de luz iluminou fracamente uma parte do corredor, pensou ter visto alguém ali. Ficou escuro novamente.

Depois de um minuto, o corredor foi iluminado novamente, e estava vazio. Declan começou a ficar com medo. Ficou parado até a luz iluminar tudo de novo. Quando o corredor foi novamente iluminado, ele viu que estava mesmo sozinho.

Seus olhos não conseguiram se acostumar com a escuridão. O farol iluminou novamente o corredor. Ele viu uma coisa cinza, disforme e horrível na outra ponta dele.

Declan se desesperou quando tudo ficou escuro de novo. Ouvia aquilo se rastejando pelo corredor. Tateou atrás de si, procurando por uma saída. Estava encostado numa porta. E destrancada. Virou-se e abriu-a com violência, saindo para o saguão do hospital.

O saguão era amplo, e um dia foi bonito e limpo. Agora, estava sujo, com materiais hospitalares espalhados e tinha a aparência de algo abandonado há anos. Só começou a correr novamente quando ouviu a porta atrás dele abrir-se. Correu como louco até a saída do hospital.

Ficou desnorteado com o que viu. Tudo estava destruído, largado. Aquilo lembrava um cenário pós-guerra. Não havia ninguém ali, apenas ele. Andou por algumas ruas. Parecia aquele programa da TV a cabo, onde se mostra o mundo sem as pessoas. Sentia-se angustiado. Será que ficou em coma por muito tempo e houve uma guerra? Sua cabeça doía só de tentar pensar. Chegou a pensar que estava no inferno, mas não acreditava nessas coisas. Como iria pra algum lugar conhecido, se ele nem sabia onde estava?

Estava ficando frio. E a camisola do hospital não ajudava muito.

Parou na calçada e sentou. Percebeu que tocavam uma música, em algum lugar longe, uma música dos anos 60. Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Sempre tinha esse tipo de música em filmes de terror, e sempre tocava quando alguma coisa ia acontecer. O cheiro de fumaça queimava as narinas e o cérebro.

Afinal, não estava totalmente sozinho. Um cachorro, que estava do outro lado da rua, veio andando até ele. Até ali fora estava escuro demais. Não dava para ver bem o cachorro; só conseguia ver que ele era enorme.

-Vem aqui, garoto! Vem!- chamou ele, mas o cachorro ficou parado no meio da rua. Apenas o brilho dos olhos podia ser visto, além da sombra enorme que era seu corpo no escuro. Céu e terra pareciam não pertencer ao mesmo mundo.

Lentamente, o cachorro foi chegando perto, andando de um jeito estranho. Mas, como se fosse feito de fumaça, foi se dissipando, ficando somente os olhos, que sumiram, depois de um tempo. Declan sentia o suor congelar em seu rosto.

O céu tinha a cor de um dia extremamente tempestuoso, mas lá em baixo estava tudo tão escuro que mal se podia ver um palmo à frente.

Aquela angústia não passava. Pensou na namorada. Onde será que ela estaria? Parecia estar num outro planeta. Subitamente, foi agarrado por alguma coisa, que o machucava. Era a criatura do hospital, cercada de mais umas 30 delas. Todas aquelas criaturas distorcidas, parecendo humanos deformados... eram tudo, menos humanos. As garras delas o arranhavam, rasgando a roupa, a pele, e arrancando pedaços de sua carne. Declan gritava enlouquecido, mas estava sozinho. Lágrimas vermelhas de desespero corriam por seu rosto. Tinha cada vez menos carne em seu corpo. Ele sabia que não iria morrer. Ele sabia que esse sofrimento iria durar para sempre, iria ser eterno. Ninguém lhe contou, apenas sabia. A música que ouvira antes ainda tocava, como uma trilha sonora do seu próprio filme de terror. Ah, Lena... Nunca iria poder dizer o quanto a amava!...

O som de saltos altos era a única coisa que se ouvia naquele andar. Estava frio, então as enfermeiras podiam ir de botas para o trabalho.

Chegou ao quarto do paciente. Coitado... Tão lindo e jovem. E sem previsão de melhoras. Quase morreu num acidente de carro. Cobriu-o com um cobertor. A namorada dele chegou perto da enfermeira; ela precisava saber se ele ainda podia ouvir.

-Ahm... Moça, você sabe se ele pode me ouvir?- perguntou Lena à enfermeira.

-Sim, querida. Por isso deixamos um rádio ligado no quarto dele. Para acalmá-lo, deixá-lo relaxado. Música dos anos 60, sabe... Muito boa para relaxar. - respondeu a enfermeira, sendo sempre amável com a menina, que Parecia muito preocupada com o namorado.

-Ah. Melhor assim. E ele sente dor?

-Não. Ele está medicado. Assim não sente dor alguma.

As duas se retiraram. Mal sabiam elas que, dentro da mente de Declan, existia um inferno, um mundo de sofrimento ao qual ele estava preso.

Talvez para sempre.

Shelly Graf
Enviado por Shelly Graf em 22/12/2011
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