Solstício de Inverno

15 de dezembro de 1999

Nós não vivemos muito bem, nossa comida é escassa, fazem menos de vinte graus negativos. Antártida, aqui não tem nada. Só vejo neve e mais neve à minha volta, isso porque ainda nem chegou no solstício de inverno: longas e frias noites obscuras, seis meses serão assim.

Há apenas um grupo de paleontologistas, constituído por cinco membros: eu, Erick, Bernard, Gabriel e Denise. Fomos os únicos que ficamos aqui, mesmo sabendo que um rígido frio viria, afinal achamos alguns ossos por aqui. Ainda não sabemos quando vamos estar de volta à nossa terra natal. Sinto falta de minha família.

Nossa base é bem rústica, um casebre de madeira, porém nele temos tecnologia suficiente para nossas exploração. O contado com o exterior era muito difícil, uma vez que neste deserto não há antenas para celular, apenas para rádio.

Estou um pouco entusiasmado com a exploração das ossadas. Parece ser uma espécie ainda não catalogada, nunca vi nada parecido antes.

22 de dezembro de 1999

Queria tanto estar de volta à minha casa, calorosa, com minha mulher e minhas duas filhas lindas para abraçar. Sequer eu mandei presente para elas. O solstício se aproxima, menos de dois dias para a escuridão, estamos um pouco preocupados.

Começamos à montar o esqueleto que achamos, ele é bem parecido com o esqueleto humano. Será que também era inteligentes? Bom, Denise acha que não devemos levantar hipóteses, já que o material genético ainda não foi estudado profundamente. Amanhã iremos fazer uma escavação mais profunda no gelo. Espero encontrar mais ossos.

23 de dezembro de 1999

Meu deus, a escavação foi um sucesso! Achamos não somente ossos lá, como também restos mortais, quase em perfeito estado. Três cadáveres completos. Nós, homens, carregamos os seres até nossa cabana, na máquina frigorifica que temos por aqui. Colocamos lá numa temperatura bem inferior para termos certeza que estes cadáveres não vão se decompor. Vamos deixar para estudá-los depois do natal. Afinal, merecemos um pouco de descanso.

Hoje vieram alguns soldados ver se estávamos bem, trouxeram nossa ceia natalina e muita banha de baleia. Tivemos informações que em fevereiro iremos ao USA com a nossa pesquisa. Mas por enquanto é preciso trabalhar.

O clima natalino aqui é grande.

24 de dezembro de 1999

Ainda nem amanheceu (hoje é o ultimo dia que acontecerá isso) e Erick e Gabriel já foram cortar lenha. Não que aqui tenha pinheiros, vivemos no deserto, mas recebemos em toras grandes, assim eles podiam dizer que ajudaram nos preparativos do natal. Bernard já começou os preparativos para a ceia, ele é um ótimo cozinheiro. E eu e Denise ficamos em casa fazendo a decoração. Aproveitei para checar os cadáveres, eles estão em ótimo estado, tem uma aparência quase viva. Se não tivessem congelados, envolvidos num grosso bloco de gelo, acho que até respirariam. Bom, são muito antigos para isso. Aparentam ser da era Jurássica pelos chifres, unhas e dentes pontiagudos.

Ainda tenho que varrer nosso lar.

26 de dezembro de 1999

O natal passou tranquilo, sempre bom descansar um pouco. Mas hoje tivemos muito trabalho. Explorar no sol é bem melhor que explorar nessa escuridão, ainda mais com a tempestade de neve que deu durante a tarde tivemos que abandonar o trabalho e voltar correndo ao posto. Ainda neva lá fora. Está muito frio. Gabriel está com hipotermia, está deitado no sofá da sala em frente à lareira. Espero que melhore logo ou iremos ligar para que busquem ele. Vamos ter um feriado prolongado.

27 de dezembro de 1999

A tempestade está cada vez mais rigorosa, ficamos o dia todo presos em casa. Gabriel aparenta está melhor. Tivemos que desligar a lareira ou morreríamos carbonizado com suas fumaças negras. Fico pensando na minha família, o pior sentimento que eu já senti: saudade.

29 de dezembro de 1999

A neve diminuiu mas ontem aconteceu coisas terríveis. Estávamos conversando na sala quando ouvimos um estrondo muito alto. Hoje conseguimos sair da base. E vimos que a nossa antena de rádio estava caída ao chão em meio a neve toda despedaçada. Não temos mais comunicação com o mundo até fevereiro. Não sei o que faremos, será que sobrevivemos. Não podemos desperdiçar alimentos ou lenha. Temos que ser bem rígidos.

30 de dezembro de 1999

Hoje seria um dia normal, não está nevando, então podemos trabalhar tranquilamente, Gabriel curou-se de sua gripe e estamos todos muito bem. Só que quando fomos inspecionar os corpos na geladeira eles não estavam mais lá. Será que há alguém entre nós? Ou será que algum de nós que sabotar a expedição? Espero que fique tudo bem.

Essa escuridão eterna me mata. Quando saio na neve não vejo nem o que está à dois palmos de mim. A cada dia está mais noite.

6 de janeiro de 2000

A comida está desaparecendo, sumindo aos poucos, principalmente a carne vermelha. Há barulhos estranhos na casa. Não há mais luz elétrica. Não sei o que acontece por aqui, mas vejo que não é culpa de nenhum de nós aqui presentes. Estamos aterrorizados. Paramos de sair em expedições, com medo de morrer. Se algo não nos matar, morreremos de frio fora de casa. Aqui é mais seguro.

7 de janeiro de 2000

Gabriel morreu! Ele está morto. Jesus Cristo. Hoje, quando acordei, fui à cozinha tomar meu café. Encontrei o cadáver de Gabriel jogado ao chão. Estava seco. Sua garganta dilacerada e seus ossos quebrados. Um humano não conseguiria fazer aquilo, nem com faca. Berrei bem alto para acordar a tripulação. Vieram ver o ocorrido. Denise quase desmaiou quando viu Gabriel daquele jeito. Juntamos tudo o que precisaríamos para o dia, subimos ao quarto, o terror não cessava. Eu e Erick enterremos seu corpo no gelo. E subimos com medo. Não estamos seguros.

* * *

Estão todos dormindo, é meu turno de vigilância. Ouço barulhos através das paredes de madeira. Rosnados selvagens. Estou quieto, mas não ser por quanto tempo permaneceremos aqui presos. Deveria ir fora de meu quarto e tentar matá-los?

10 de janeiro de 2000

Mais um está morto. Bernard. Ele faz faculdade comigo, conhecia a família dele. Estou triste pela perda. Não posso descrever a morte de meu amigo, não vi ele morrer, estive desacordado uns três dias. Perdi a noção do tempo, não há mais dias, apenas frias noites. Não me lembro porque os músculos de minha perna estão todos estourados.

Lembrar, lembrar... Lembro-me do dia que conheci minha musa, ela era linda. Lembro-me de minha filhas pequenas, gêmeas, lindas. Lembro de estar na Antártida. Lembro das ossadas e da morte de Gabriel. Dentes pontiagudos perfuram minha perna. Eu grito, grito. Lembro! Eles em cima de mim. Os três, três demônios chifrudos. Pai nosso que estás no céu, socorro. Piedade. Piedade.

11 de janeiro de 2000

Sabemos que vamos morrer. Não há mais comida, não há mais água à três dias. Eles estão na porta. Eu sei disso. Tenho medo de chegar perto. Só não sei porque não acabam com isso logo, destruam a frágil parede de madeira e entrem em nosso quarto. Deus, desculpe-me por todos os pecados que eu cometi.

* * *

Denise se matou, à duas horas com um martelo. Ela conseguiu quebrar seu crânio. O bom que agora temos alimento. Eu e Erick estamos comendo a carne de seu corpo. Estraçalhamos a pele de Denise com os dentes mesmo, e estamos cortando o os músculos e os miúdos com auxilio de um estilete. Nunca pensei que carne crua humana fosse tão gostosa. A Denise era gostosa, aquele corpo quente delicioso. Seios cheios. Necrofilia.

15 de janeiro de 2000

Não víamos mais movimentos dos seres. Erick desceu, mas não voltou até agora. Nesse momento deve estar estraçalhado e sem sangue. Demônios sanguinários, conseguiram, todos nós morremos. Eu morri por dentro, não tenho esperanças. Irei me jogar aos carniceiros, para que eles estraçalhem-me e drenem meu sangue, para que levem minha alma ao inferno ou senão morrerei congelado, pois o frio fez com que tivesse hipotermia, ou até morrerei de fome, pois se comesse minha própria carne morreria de hemorragia. Deus, abençoe, cuide e guie minha família: esposa e filhas, para que consigam viver sem mim. Agora irei ao meu destino, cumprindo a única certeza que temos na vida.

22 de novembro de 2000

Ainda não sabemos o que ocorreu por aqui. Meu nome é Marcelo fui enviado para a Antártida há uns meses. Não sei muito bem o que ocorreu por aqui. Só sei que quando eu e minha equipe chegamos, no solstício de verão, achamos 5 cadáveres humanos sem sangue e com pedaços de carne decompondo por quase toda a casa, o cheiro dos mortos impregnou na madeira. Uma ossada de algum ser. E três cadáveres, intactos, porém fedendo, jogados ao chão. Eu e minha equipe colocamos eles no refrigerador e enterramos os restos mortais com direito à um velório, até. Irei relatar a morte dos humanos que aqui viviam, e enviar esse diário à alguém maior, já que não tenho tempo para lê-lo. Muita baboseira. Preciso continuar a trabalhar para descobrir a raça dos cadáveres. Esse sol me mata. Sorte que logo teremos um solstício de inverno. Escuridão eterna.

LuanaC
Enviado por LuanaC em 20/11/2011
Reeditado em 20/11/2011
Código do texto: T3346804
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