Túmulos esquecidos
Minha mãe sempre nos falava; quando éramos crianças e íamos ao cemitério com ela; que não devíamos colocar flores ou mesmo ficar olhando muito para túmulos esquecidos, pois as pessoas falecidas que ali jaziam, poderiam no acompanhar para casa.
Sempre tive medo disso, mas com o passar do tempo, percebi que isso era somente uma lenda.
Bem, pelo menos até aquele domingo à tarde.
Minha sanidade estava se esvaindo pelos meus dedos. Eu não estava conseguindo manter uma vida equilibrada desde que minha esposa anunciou que ia me deixar.
Eu não conseguia entender o porque, sendo que sempre procurei ser um bom esposo, bom pai e sempre cumpri com minha obrigações.
Ela iria embora, isso era fato.
Num domingo à tarde, saí totalmente sem rumo. Quando dei por mim estava andando por entre os túmulos de um cemitério que não conhecia e levava nas mãos um grande ramalhete de flores.
Só me lembro de que o cemitério era muito grande, cheio de corredores, tudo muito bem organizado.
Eu estava ali andando a esmo. Quando percebo estou em um setor muito antigo do cemitério, onde os túmulos parecem ter sido abandonados há muitos anos e não são mais visitados.
Noto assustado que estou em um setor de túmulos infantis, sinto um arrepio tomar conta de meu corpo.
As datas nas lápides são muito antigas, do século passado.
Nenhuma flor, nenhuma vela, nem sinal de que foi acessa alguma há muito tempo.
Apenas solidão e melancolia. Não há mais ninguém além de mim ali.
Estátuas de anjos infantis enfeitam alguns túmulos.
Um deles me chama a atenção. Dois anjinhos barrocos sentados sobre o túmulos abraçados, choram.
Chego mais perto e com certo esforço consigo ler a lápide. Um casal de irmãos. Falecidos no mesmo dia. Novamente senti meu corpo se arrepiar por inteiro.
O que teria acontecido? Acidente? Alguma doença? Ou um possível crime de assassinato?
Não tinha como saber. Os anjos sobre o túmulo pareciam me olhar com olhos de tristeza e dor.
Depositei ali as flores e acenderia velas caso as tivesse comigo.
Minha cabeça começou a rodar. Me senti zonzo. Tudo ao meu redor começou a girar.
Não vi mais nada. Quando voltei ao meu estado normal estava em frente ao edifício onde moro e o episódio do cemitério eram apenas vagas lembranças. Não sabia nem mesmo se havia estado lá.
Meu apartamento parecia ter ficado muito maior depois que fiquei sozinho. Chegava a ser assustador o silêncio que ele mergulhava.
Mas depois desse estranho domingo, algo começou a acontecer.
Comecei a ouvir risos de crianças, conversas, passos correndo de um lado para outro.
A princípio senti muito medo, achei que estivesse ficando louco, mas com o passar do tempo fui me acostumando, acabou virando rotina.
Às vezes sentia até falta.
O tempo foi passando, semanas, depois meses.
A "companhia" das crianças me fez esquecer a separação, mas eu queria algo mais, eu queria ver as crianças.
A primeira vez que as vi, estavam de costas para mim, tinham uma aparência meio transparente e usavam roupas de uma época muito remota.
Os chamei mas não se viraram, ficaram ali parados, imóveis, e começaram a soluçar.
Senti um forte cheiro de flores, misturado com cheiro de velas e de corredor de hospital.
Fiquei ali parado vendo-os desaparecerem lentamente.
O cheiro de flores foi sumindo e no seu lugar um odor podre de morte infestou o ar.
Era quase insuportável, me dava náuseas, o estomago se embrulhava.
A partir desse dia não mais ouvi as crianças sorrirem. Apenas alguns soluços de vez em quando.
Comecei a sentir medo Comecei a ter pesadelos e acordava desesperado.
As crianças apareciam com mais freqüência, mas sempre de costas e depois sumiam se misturando com o papel de parede.
E sempre que isso acontecia o odor ficava no ar.
Percebi então que no local onde eles apareciam sempre ficava uma mancha escura por alguns dias.
As sensações de paz que sentiam ao ouvir os risos deram lugar à uma sensação de medo.
Sentia que elas estavam sempre ali, me observando, como se quisessem algo.
Eu nunca comentei sobre isso com ninguém, sabia que taxariam de louco e me levariam para algum hospício.
Em uma madrugada fria e chuvosa acordei e para meu desespero lá estavam os dois, de frente para a parede oposta à minha cama. Pude ouvir que choravam. Chamei os. Apesar do medo ter tomado conta de mim, eu sabia que eles iriam se virar e eu não sabia o que iria ver. E isso me assustava.
Chamei-os novamente.
O menino se virou primeiro. Se eu não estivesse sentado na cama, com certeza teria caído de costas, tão grande foi o susto e o medo que se apoderaram de mim.
Ele ficou ali parado a me olhar. Logo a menina também se virou.
Eu não queria acreditar no que meus olhos viam.
Eles não tinham olhos, apenas as cavidades ensangüentadas de onde corria uma gosma escura.
Suas roupas estavam banhadas em sangue fétido. Nas suas gargantas se via um corte profundo.
Ficaram ali me observando com seus olhos cegos. Suas mãos eram magras e brancas.
Fechei os olhos na esperança de que quando os abrisse, aquela visão macabra houvesse desaparecido.
Abri os olhos, estavam lá, só que agora mais pertos.
Gritei, mas senti que nenhum som foi emitido. Senti meu corpo todo tremendo. Tive o maior medo de minha vida.
De repente os dois começaram a rir. Riram muito. Eu não sabia o que fazer.
Fechei os olhos novamente e comecei a sentir aquele cheiro horrível no novamente, o cheiro de quando eles iam embora. Senti um alívio. Abri os olhos.
Para meu desespero pude ver de onde vinha o mau cheiro.
Os dois estavam ali ainda, e a menina havia enfiado as mãos na barriga do menino e puxava suas vísceras espalhando pelo chão, enquanto riam baixinho me olhando, agora com ódio nos olhos.
- Quem são vocês? O que vocês querem?
Continuaram me olhando com um sorriso no canto da boca.
- Somos o mal. Somos seu pior pesadelo. Estávamos adormecidos e você nos trouxe para casa.
Matamos nossos pais. Nossos avós e todas as pessoas da casa.
Ninguém imaginava que duas crianças fariam isso. Até que um padre apareceu e viu em nós o demônio.
E nos matou e nos enterrou. E lá ficamos até alguém nos resgatar.
Eu não podia crer naquilo que ouvia. Mas a sensação que sentia me confirmava que era real.
Não sei como; mas o demônio estava ali em minha casa, na forma de duas crianças.
- Matariam de novo? Seriam gratos pelo resgate?
Continuaram ali me olhando, mas algo começou a acontecer. O cheiro se desfez, suas roupas foram ficando limpas e seus olhos reapareceram se tornado azuis.
Duas crianças lindas de 8 e 9 anos.
Esboçando um sorriso meigo e inocente vieram me abraçar.
Dois dias depois minha ex esposa e seu namorado foram assassinados de modo misterioso e por algum criminoso perfeito, que não deixou pistas.
Boas crianças.