"Da Penha O Dedo de Deus"

Da Penha era uma das presas mais comportadas, do Pavilhão 07.

Obedecia a todas, se fossem chefes, carcereiras, colegas, não importava.

Sempre prestativa, solícita, humilde ao extremo.

Sou guarda de presídio, trabalho há vários anos no recolhimento provisório. Provisório, mas não muito, porque tem presas com até dezoito anos puxados. Isto porque é provisório, outras que estão com as penas vencidas há quatro anos. Enfim casos e mais casos de desmandos e não comprimento, o que é por aqui, regra geral, mas vamos aos fatos. Um belo dia, zulu geral, rebelião, quebra quebra, incêndio e gente morta, bombeiros, choque e tudo que tem direito.

O sangue correu no pavilhão 07. De todas as presas violentas, três grupos sobressaiam: As Sapas, com a chefia de Helena”A Gorda.”, com violência impar. As Dengosas com a chefia de Jussara “A China”, e as malucas, com a chefia de Leila, “A Negona”.

Helena “A Gorda” resolveu que Da Penha, deveria ser sua dama de companhia, e com ela não tinha problema, ou era, ou era. Da Penha, no começo humildemente, agradeceu o convite, mas disse que não queria se comprometer com ninguém, só que para Helena, não fora um convite, ela dera uma ordem. Aí o bicho pegou. Aquela mulher pequena magrinha, até simpática, mas não bela, virou uma leoa. A chefe das Sapas, Helena recebeu um tratamento cruel nunca imaginado por tão insignificante criatura. Da Penha voou literalmente por sobre as presas, e com um pedaço de ferro, em forma de estilete, golpeou várias vezes, no rosto, e pescoço, a enorme Helena e suas guarda costas. Não satisfeita pegou a “Negona”, chefe das malucas, que praticamente decepou sua orelha, furou várias vezes seu pescoço e peito. As presas apavoradas, não pela violência, mas por ser Da Penha, e isto as surpreendia. Da Penha não parava parecia o Dedo de Deus. Quem ficasse perto era pego por seu estilete. A carcereira encarregada do pavilhão, com quase dois metros de altura, entrou na sala para por um basta naquilo. Só não esperava o “Dedo de Deus”, e morreu sem acreditar que aquela coisinha a mandasse para o plano espiritual. Com a cela aberta, as presas ganharam o corredor, e começou a baderna. Não sei se por medo, mas Da Penha agora Líder inconteste, seguia na frente toda ensangüentada, e era seguida pelas demais. Todos os grupos se uniram, e a grande chefe era a pequenina Da Penha. Após liberar todas as celas do pavilhão, amontoaram os colchões e atearam fogo. Nem o fogo, a água dos bombeiros, e a fumaça da tropa de choque conseguiram parar a fura do Dedo de Deus, “Da Penha.”, No primeiro choque com os policiais, Uma descarga de grosso calibre, deu enfim o descanso à aquela alma perturbada. Fiquei sabendo por alto, que era uma mulher simples de periferia. E ninguém ficou sabendo que...

Em um pequeno sítio, pelos lados da Paraíba, tinha uma pobre família. Fazia parte da família, o pai, de nome desconhecido, Sebastião seu irmão, e sua mãe paralítica. O pai e o irmão trabalhadores razoáveis, mas grandes bebedores de cachaça. Além de cuidar da mãe tinha de trabalhar, no pequeno sitio e evitar ainda o assédio do pai e irmão, que só chegavam bêbados e maltratavam as mulheres da casa. Agressões naquela casa era rotina, tanto verbais como físicas. Um dia sua mãe morreu, O enterro foi feito por ela mesma no quintal aos fundos do casebre que morava. Naquele dia quando chegaram os valentes, Da Penha falou:- Vocês mataram minha mãe de desgosto, mas eu não vou morrer por vocês. A resposta foi a de sempre só que não esperavam, que naquele momento nascia o “Dedo de Deus”. No outro dia Da Penha, com sua mala amarrada por um cinto deixava aquele local. Só ficaram para trás três sepulturas, sofrimento e fome. Na estrada para chegar ao primeiro bordel, que era o único emprego para uma pessoa analfabeta. Pagou alto preço pela passagem, foi estuprada por caminhoneiros e mais uma vez, o “Dedo de Deus.” Trabalhou. Embora não se saiba, se real, mas na região, em que ela estava vários caminhoneiros foram encontrados esfaqueados, e sem a genitália. Na casa das mãezinhas, era faxineira, cozinheira, tudo, menos garota de programa. Acho que Da Penha nunca gostou de homens, pois em sua vida, todos que passaram só fizeram usá-la inclusive, seu pai e seu irmão. Embora vivendo neste ambiente nunca fez uso de drogas, inclusive álcool que detestava. Era dada à poucas amizades, e sempre tinha emprego porque nunca exigiu um salário. Passando por vários estados aportou em são Paulo. Na década de oitenta. Como não poderia deixar de ser, acabou na boca do lixo. Talvez sua única amiga Maria do Céu, ela conheceu ali. Maria do Céu tinha várias meninas, na sua pensão para moças, que ao chegarem do interior, ou de outros estados, se tivesse dotes físicos, começavam a trabalhar imediatamente. Do Céu tinha muitos contatos importantes, então sua pensão era visitada, e suas pensionistas, pareciam moças de escritório, todas bem vestidas e com dinheiro. Na pensão Da Penha e do Céu parece que encontraram a felicidade, cuidava de tudo menos da parte financeira. Pois disso quem cuidava era a patroa. Do Céu tinha um namorado, que não se sabe por quê? Dada as diferenças das duas resolveu mexer com Da Penha. Na sua ingenuidade, e sem querer ferir, a patroa, a amiga resistiu, o quanto pode o assédio. Foi flagrada pela patroa, que mesmo sendo amiga, a machucou muito com palavras ferinas. Conseguiu com isto despertar o “Dedo de Deus.” Que mandou Do Céu, seu namorado, e quantos se pôs em sua frente para outro plano espiritual. Foi nesta época, que eu a conheci, na carceragem do presídio de mulheres, onde todos perguntavam. Mas porque uma moça tão boa, tão calma. Logo ganhou a confiança das presas que a usavam como escrava, e ela logo como escrava vivia, bem até acordar...O Dedo de Deus.

OripêMachado.

Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 11/11/2011
Reeditado em 11/01/2012
Código do texto: T3329120
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