Festa de Halloween - A Noite dos Licantropos.

“É impossível escapar do que você é” dizia minha mãe. Desde a infância tenho lembranças que a lua cheia me mantinha acordada e fazia meu sangue ferver por dentro. Quando Suzana e eu já éramos adolescentes, mamãe nos ensinou a costurar na pele a “escala da piedade”, usamos linha de pesca banhada em prata fundida, doeu tanto que achei que iria morrer, mas aquilo ajudou a confinar as lobas que habitavam dentro de nós. Só uma vez, quando tinha 14 anos a fera saiu. Nem sei o que ele me obrigar a fazer, mas acordei no dia seguinte com o gosto amargo de sangue na boca, foi quando jurei “Nunca mais”. Desde então, mamãe não me deixava sair de casa, nem ligava, preferia ficar sozinha mesmo, nas ruas me sentia exposta, como se pudessem ver a loba querendo sair.

Depois do assassinato, quando enterrei minha mãe e Suzana, não apareceu ninguém pra me dar apoio, eu sabia que minha hora também estava chegando e não queria estar por perto no momento iminente.

Então porque estou aqui? Porque resolvi por minha roupa de vampira e vir a festa de halloween, e justamente no Vila Dionizio, boate que fica ao lado do cemitério onde minha família foi sepultada. Seria por não estamos na lua cheia e ai me sinto segura, ou por fingir fazer parte da multidão, se foi isso não deu certo, pois ninguém falou comigo. Ninguém além dele, não era da cidade, cabelos compridos, rosto quadrado e barba serrilhada.

- Licença –disse ele – tudo bem se eu pendurar minha jaqueta aqui? Os bancos do balcão não tem encosto.

- Claro, fique a vontade – respondi.

- Valeu moça. O fera me serve o que você tem de melhor ai. Depois de um dia inteiro na estrada minha garganta tá seca pra caramba. Então essa é o Vale Selvagem, parece cidadezinha de conto de terror, ainda mais com todo mundo fantasiado de monstro, isso sem falar no lance dos lobisomens.

- Aqui não tem nenhum lobisomem não – disse o barmen

- Desculpa ai, e que na ponte tem umas correntes de prata que parece algum aviso.

- É que o metal é tradicional aqui, em outrora essa cidade foi rica em prata.

A porta do lugar se abriu, mas não entrou ninguém fantasiado, aquela festa estava preste a se tornar um pesadelo de verdade, principalmente pra mim. Era o bando de Carlos “Bala de Prata” Antuja, estavam em cinco, todos de preto, a única coisa que pensei foi “vai se nesta noite, vai ser agora”, não senti medo, mas sim vergonha. Vergonha de ser na frente de metade da cidade.

- Carlos, Adriana, por favor...

- Boa noite, Roberta. – disse Adriana. – Tire uma carta – ela colocou um taro em cima da mesa.

“ Por favor Deus, eu tentei ser uma boa menina, não me deixe morrer como um cão”. Poderia dizer “não”, pois já sabia que carta seria escolhida, mas de nada adiantaria, Adriana tinha outros meios pra me revelar, meios mais dolorosos. Minha mão escolheu a carta, fui girando ela entre meus dedos até captar a luz, era a carta A Lua Cheia e o brilho dela fez com que pelos crescessem em meu rosto e presas em minha boca, mas foi rápido, até eu deixar a carta cair. Todos estavam paralisados e eu ali no meio do salão no chão.

- Todos parados, vamos cuidar dela, esta tudo sobre controle, não é Dri? – disse Bala De Prata.

- Com certeza, afinal essa é a caçula do bando. Muito bem Roberta, prefere a adaga ou balas de prata, como todos em sua família você é lupina até a alma, e Deus abomina licantropos. – disse Adriana.

Mamãe escolheu a espingarda, Suzana a adaga, Eu só conseguia fixar o cano duplo, paralisa e muda De repente ele falou de novo, aquele forasteiro cabeludo.

- Qual é o melhor amigo do lobo?

- O que? Fica quieto ai rapaz. – respondeu Bala de Prata.

- Nenhum palpite? Bom, é a ESCURIDÃO.

Nem percebi o que aconteceu, foi tudo muito rápido, quando me dei conta Bala de Prata estava caído, com o rosto encharcado de sangue. Os gêmeos Nogueira avançaram um pela esquerda e outro pela direita, mas o rapaz pulou e se agarrou no grande lustre da boate que caiu ao chão deixando o lugar parcialmente escuro. Não se dava pra ver ele, mas o escutava e ouvi rosnados saindo de sua garganta e depois disso, a situação ficou insana. A janela foi quebrada pelo corpo de um dos gêmeos, o rapaz já transformado pulou pra fora e eu tentei correr na mesma direção, foi quando Adriana me pegou por trás e mês derrubou ao chão. Algumas pessoas leem o destino nas cartas de taro e o meu estava ali bem ao lado no chão, eu poderia morrer bem aqui ou botar a loba pra se alimentar, peguei a carta da Lua e olhei bem fixamente praquela luz que emana dela. O mundo se tornou uma paleta de visões, odores e sons, de texturas e sabores. A cabeça dela estava ali, pendurada em minha boca, e larguei a carta voltando ao normal.

- Eu matei...Adriana, matei ela.

-Calma garota, nas primeiras vezes a metamorfose é mais forte que a gente, você vai assumir o controle e ver que não é só na lua cheia que nos transformamos, e sim quando queremos.

- Como você convive com essa criatura que você é.

- Que alternativa tenho, negar quem sou, por acaso acredita naquele idiota, que Deus te odeia?

- Deus é incapaz de odiar.

- Então ele teve um motivo pra colocar a loba em você.

- Mas olhe pra gente, estamos cheios de sangue, esta fera, é disso que ela gosta, de sangue.

- Não, ela só quer se alimentar, e isso todo animal precisa – um barulho de espingarda foi escutado atrás dele, era o quinto homem, mas o rapaz foi rápido e com uma patada arrancou metade do rosto do homem. – E podemos fazer com que uns filhos da puta igual a estes engolirem seus dentes...

Ele continuou falando, mas não estava mais escutando, eu só pensava que minha mãe beijou a espingarda e minha irmã esfolada viva como um animal. Esta noite vai ser a historia de halloween mais contada em Vale Selvagem por anos, na verdade será contada no mundo inteiro, isso sim foi um halloween de verdade. “Mamãe tinha razão.” – o rapaz estendeu a mão a mim, já em cima da moto – “É impossível escapar do que a gente é” – eu dei a mão a ele e subi, pra onde vou não sei, mas é melhor que ficar pressa nessa cidade – “E meu maior erro foi tentar.”

Inspirado na HQ Marvel Terror. Bom Dia das Bruxas a todos do RL.

Renan Pacheco
Enviado por Renan Pacheco em 30/10/2011
Reeditado em 31/10/2011
Código do texto: T3307512