Um ônibus, uma estrada e...
Há muitos anos trabalhei como policial militar rodoviário. Essa época foi marcada por uma grande crise econômica e eu estava atolado em dívidas, isso sem contar que meu filho mais velho estava para nascer.
Certa vez, fui convocado para policiar uma rodovia em Goiânia. Era uma estrada federal e já passava das dez horas, de uma noite fria de julho. Então meu parceiro e eu pegamos a viatura, parando-a num local estratégico.
Não estaríamos ali por acaso. Há dois dias tinha ocorrido um acidente envolvendo um ônibus clandestino em alta velocidade. Nossa missão era parar ônibus suspeitos e verificar a documentação.
Após apenas alguns minutos, avistamos um ônibus dentro daquelas características, o qual pedimos para parar.
A porta se abriu e entramos no veículo. Ali haviam muitas pessoas, de todas as idades. Me chamou a atenção um rapaz muito estranho, sentado no fundo do ônibus, usando uma camiseta preta dos Rilling Stones, o qual olhou-me com um olhar aterrorizante.
Nesse momento, dirigi-me pelo corredor do veículo enquanto meu parceiro conversava com o motorista, pedindo-lhe os documentos. Ao virar-me notei que o motorista desceu junto com meu parceiro policial. Voltei-me até os dois, mas já fora do carro, avistei os dois conversando perto da viatura. Ao chegar mais perto vi o motorista afastar-se com um sorriso, seguir até o ônibus, ligar e sair.
Então perguntei ao meu parceiro, momento que ele me mostrou algumas notas de mil cruzeiros nas mãos, dizendo que havíamos ganho a noite. À princípio me indignei com ele, mas ao ver aquelas notas e avaliar minha difícil situação financeira acabei alegrando-me da ideia. Já ia me esquecendo de dizer que ônibus estava totalmente irregular.
Meia hora depois fomos chamados no rádio para atender a uma ocorrência. Um ônibus, com mais de cinquenta passageiros havia caído numa ribanceira e explodido, sem sobreviventes. Naquele momento gelei dos pés à cabeça. Meu parceiro encerrou o expediente e foi pra casa como se nada tivesse acontecido.
Horas depois, já em minha casa fiquei profundamente incomodado. Levantei, peguei meu carro e fui até o local do acidente. Os bombeiros estavam a retirar os últimos corpos. O veículo estava destruído mas um
detalhe permaneceu intacto. Na parte traseira do carro estava enroscada uma camiseta preta, dos Rolling Stones, manchada de sangue, a mesma do tal rapaz estranho. Não restaram dúvidas. Aquele era o ônibus que fizemos vistas grossas, por causa de propina.
Depois daquele dia não consegui mais dormir. Tinha pesadelos. Eu era o culpado por aquelas mais de cinquenta mortes. Meu parceiro agia com indiferença, mas para mim era terrível aquilo. Parecia que eu ia enlouquecer.
Procurei uma psicóloga da polícia mas não tive coragem de me abrir. Nem mesmo minha esposa sabia.
Meses depois meu amigo saiu de férias da polícia e no mesmo dia sofrera um acidente de carro, quando viajava para Uberlândia com a família. Todos morreram.
Era fato. A morte estava se vingando e eu era o próximo. Não temia por mim, pois deveria pagar pelo mal que causei, mas temi por minha família.
Então num ato desesperado acelerei meu carro e joguei-o contra o mesmo barranco que caíra o ônibus. O carro se destruiu. Fiquei desacordado por três dias.
Quando acordei minha esposa estava no quarto e conversamos durante horas. Ela me perguntou o que tinha acontecido mas não disse que fui uma tentativa de suicídio.
O mais estranho estava por vir. Ao olhar o calendário, na parede do quarto do hospital. Ali dizia que estávamos no dia dezoito de julho, o dia do acidente do ônibus. Confirmei com minha esposa e era mesmo esta data.
Fiquei confuso. Perguntei a ela sobre meu parceiro e o terrível acidente que sofrera, mas assustada, minha esposa contou que ele estava muito bem. Ela achou que eu estivesse com algum delírio.
Assutado com tudo aquilo me calei e na mesma tarde voltei para casa. Naquela noite, assistindo ao telejornal fiquei sabendo de um terrível acidente de ônibus, e que meu parceiro estava de plantão, sozinho porque eu estava hospitalizado. Tudo se cumpriu. Tive uma premonição e tive uma segunda chance. Meu amigo acabou morrendo tempos depois em um terrível acidente e eu jamais tive coragem de contar a alguém sobre tudo isso.