Inferno - Parte I - Carta Para Mamãe

' Esta história é continuação aos minicontos Dona Morte encontrados dentre minhas publicações, neste mesmo website'

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Rua do Bispo,Tijuca, Rio de Janeiro, ano de 2011.

Um homem se dirige à uma casa cor de rosa, próxima a uns estabelecimentos comerciais. Atravessa a rua já não tão movimentada durante a madrugada desta quarta -feira. De pé ante a porta de madeira bem trabalhada, entrada da residência, observa o jardim iluminado pelo luar. Diversos anões do conto 'Branca de Neve' estão espalhados por ele, em diversas cores e caricaturas.

Três batidas contra a maciça porta é o suficiente e eis que lhe atende uma mulher de aparentes sessenta anos. Cabelos grisalhos, pele iniciando um processo de enrugamento, mas ainda bem disposta e de corpo enxuto dentro de uma camisola branca. Exceto, desde uma semana atrás, quando cartas estranhas chegaram em sua residência.

-Senhora Souza?

O homem põe a mão no bolso do longo sobretudo negro e retira um pedaço de papel surrado, entregando-a. A senhora fita a folha por um tempo e com o pesar dos olhos marejados toma a carta para si.

- Está molhada? - ela pergunta ao homem trêmulo a sua frente.

- Desculpe-me, acabei de redigi-la. - sua voz tremia de forma piedosa, agora - São lágrimas.

Com um gesto corporal encurvado retirou-se o homem de sobretudo da presença da mulher que fechou a porta e sentou-se no sofá da sala. Desdobrou a folha de papel, enxugou os olhos com a palma da mão direita e comprimindo os lábios vermelhos iniciou a leitura.

"Esta estória é continuação de tudo que pude relatar quando do meu encontro com a Morte. Sim, eu a apelidei de 'Dona' pelo mesmo motivo que contei os fatos da minha vinda para o mundo dos mortos em pequenos textos: para não te assustar.

Eu imaginei que introduzindo aos poucos os fatos, as pessoas vivas pudessem se acostumar com a imagem do que é o Inferno. As coisas Dantescas que contaram à senhora sobre o sofrimento aqui, sobre as dores e o desespero, não são nada perto da realidade que sinto a cada dia. Eu vivo esse maldito tempo que não termina! O mal aqui é mais do que físico.

O mal físico na Terra era considerado o pior que se pode suportar. Ah, se eu pudesse trocar um segundo da minha existência neste Castelo por um segundo na pior prisão de meu país! Caísse eu nas mãos de um molestador, torturador! Tivesse os olhos arrancados com uma colher, vagarosamente, sentindo os músculo saltarem pelas órbitas e o globo ocular pendendo para fora do rosto.

Entende? A tortura aqui é física, moral, psicológica e espiritual. O pior pesadelo da vida de um homem no qual ele saiba que não vai acordar nunca mais!

Passo a te escrever, desde hoje, seja lá que dia for aí, sobre as coisas que me aconteceram depois de adentrar o Castelo. O Castelo do Inferno que é a própria morada do Diabo.

Não, eu ainda não o vi. Mas, ele me tem perseguido todo o tempo! Ele sabe que estou aqui. Ele tudo vê neste lugar. Mãe, estou morrendo de medo!

Papai deve estar rondando pelos corredores repletos de bizarrices, sangria e mutilações , sozinho! Se a senhora encontrou meus outros textos, sabe que vi a face de meu pai no Portão de Fogo. Também achei ter avistado seu vulto correndo por um quarto escuro no trigésimo oitavo andar. Eu sei, são muitos andares, mas este em especial eu decorei em mente. Pretendo voltar lá quando as coisas se aquietarem do lado de fora do local onde estou. Não posso contar onde me encontro exatamente ou como cheguei até aqui,é arriscado. Discorro sobre isso depois.

É um jogo de esconder e procurar, mas ai de quem for pego por Ele ou pelos outros demônios.Quando escuto um grito sei que é hora de fugir para outro esconderijo.Alguns andares são pura tortura e tenho tentado escapar deles.

Preciso ir. Estou ouvindo um som de pessoas correndo por perto, devem estar fugindo de algo. Espero que não seja um 'Acorrentado'. Se fosse um deles perceberia o som daquelas correntes de ferro, pesadas arrastando pelo chão.

Espero que esta chegue em suas mãos através do mesmo homem que levou as cartas anteriores. Ele psicografará as outras penúrias que passei aqui. Não tema por mim, por favor, mas resguarde-se e mostre aos amigos estas estórias. Salve-os disto aqui!

Eu te amo, mãe!Ainda posso amar. Não sei por quanto tempo, mas ainda te amo."