A Fome dos Cadáveres – Amaldiçoados Pelo Medo

CENTRO DE PESQUISAS AVANÇADAS – PATIO DO PREDIO SUL

Cris foi a primeira a escapar pela saída subterrânea das instalações da base dentro do centro de pesquisas, onde ignorou o ar fétido e as grossas camadas de musgo que sentia embaixo dos seus pés. Ao sair viu completa destruição, tal qual o esperado. Cássio e Calixto saíram quase ao mesmo tempo, praguejando contra os malditos cadáveres ambulantes que tomaram conta do único lugar que se sentiam seguros.

Em meio aos entulhos do laboratório, Cris reclamava da sorte:

— Está tudo acabado... Não há como sair dessa. Não consigo ver esperança nisto tudo!

Calixto a abraçou, tentando fazê-la acreditar em uma esperança que ele mesmo duvidava

— Calma moça... Sempre a esperança... Temos que seguir, temos que encontrar uma solução para isto tudo!

— Onde você vê esperança nisso tudo doutor? Já não temos mais nada, estamos acabados!

Ao ouvir as palavras da moça, Calixto puxa de dentro de sua camisa um cordão que usava no pescoço, que tinha como pingente uma aliança de ouro, e a acariciando diz:

— Ainda à esperança, enquanto meu corpo continuar respirando não vou desistir. Eu prometi...

Cris se aproxima,apóia-se no ombro de Calixto e observando a aliança pergunta:

— Doutor, o senhor é casado?

— Eu já fui casado, e com uma bela mulher. Ela me fez prometer não me entregar, ela me fez prometer muitas coisas. Não posso desistir.

— O que aconteceu doutor?

— Eu a perdi para esses malditos que se arrastam aí fora.

— Eu sinto muito. Qual o nome dela doutor?

— É... – antes mesmo de Calixto terminar a frase, Cássio interrompeu a conversa dizendo:

— E então? – perguntou impaciente. — Vamos sair dos portões pelas ruas, em busca desta tal esperança, desarmados e fantasiados de carrinho de cachorro quente de zumbi?

Calixto olhou para além das grades, os corpos decadentes, dezenas deles, vagando em busca de comida viva:

— Não queria os corpos daqui de fora, Cássio? – respondeu, ousando do mesmo sarcasmo — Estão lá, é só ir buscar!

O rapaz sorriu:

— Essa era a intenção, não doutor?

— Não podemos sair – disse Cris — Não com esses infelizes ali, a espreita, esperando por nós!

— Eu tenho um plano. – disse Cássio seriamente.

Calixto admira-se com a coragem do rapaz e curioso pergunta:

— Você Cássio? E o que pensa em fazer nessa situação? Pular os portões, acenar com os braços e gritar: “comida grátis”, para que possamos fugir?

Cássio riu, e olhando para Cris e Calixto respondeu:

— É mais ou menos isso doutor, é mais ou menos isso.

O jovem virou as costas, e começando escalar os portões disse:

— Estejam preparados!

— Você está louco Cássio? – perguntou Cris.

— Por incrível que pareça ser... NãoCris, não estou louco.

Cássio enfim chega ao outro lado, e rindo desgraçadamente afirma:

— Estão com medo. Vejo em sua cara e na do doutor... Estão cagando de medo da corja! O Don era um idiota, mas devo admitir que ele era um idiota corajoso, não é Cris? Arriscou a maldita vida bancando uma de herói.

Calixto o olhou desconfiado. Cássio sorriu e decidido, iniciou sua caminhada para aquilo que parecia ser seu fim. Cris encarou o Doutor, esperando ele deduzir. Cássio em meio aos famintos gritou aos amigos:

— Eu só quero respostas!

Calixto de olhos arregalados acompanhou o rapaz caminhar em meio as horrendas criaturas, e em um devaneio disse a moça:

— Desgraçado! Ele nos traiu... Está imunizado pelo Polibérium!

— Polibérium? Mas... Onde ele conseguiu?

O Doutor se calou em busca de respostas, Cris o abraçou, na esperança que ele as tivesse e saíssem vivos de todo aquele pesadelo sádico.

Cássio vagava incandescente, sendo ignorado pelos mortos podres... O cheiro impregnava suas narinas e seu coração disparava com os olhares que mesmo o ignorando, lhe traziam as lembranças do corpo de Elis sendo retalhado. Reparando que alguns cadáveres caminhavam rumo à rodovia, pensou:

— Devem estar sentindo cheiro de vivos. Posso segui-los e tirar proveito disto.

Os mortos vivos rapidamente farejaram o cheiro de carne fresca, e logo começavam a se aglomerar em frente ao portão. Calixto viu os cadáveres forçarem as grades de aço, que mesmo forte, ameaçava tombar.

Cris olhou ao seu redor, e se desesperou, pois nada havia naquele lugar além de entulhos que não serviriam para nada.

Calixto olhou para a moça e disse com medo:

— Precisamos pensar em alguma coisa. Temos que dar um jeito de sair dessa!

Os dois reviravam os entulhos, esperançosos em achar algo que pudesse lhes ajudar. Olharam o portão, e este já ameaçava tombar devido ao numero de zumbis que forçavam a entrada.

O Doutor pega novamente a aliança, a segura firme e a observa por um instante. Olha para Cris, respira fundo e diz:

— Cris, minha adorável assistente, eu sinto muito por isso ter que acabar assim...

— Você fez o possível doutor, e eu sei disso. Sua esposa ficaria orgulhosa.

Enquanto isso, a segurança do portão era derrubada pelos cadáveres que forçavam sua passagem, até que alguns deles conseguem atravessar e caminharem ao encontro de Cris e Calixto. Faltando poucos metros para que os canibais mortos chegassem à suas presas, um deles cai com um tiro certeiro no meio da testa, e os demais logo em seguida.

Cris assustada, procura a origem dos disparos. Eles vem de cima do prédio que ficava ao lado do centro de pesquisas. Donnefar coberto de sangue pútrido e armado com uma sniper, mirava certeiro nos malditos mortos vivos.

Tirando o olho da mira, Doneffar olha para Cris e pergunta:

— Oi moça, foi daqui que ligaram pedindo serviço de extermínio de mortos vivos?

— Seu grande filho da mãe! – disse Cris com alegria.

Donnefar de cima do prédio, arremessa uma corda para Cris e Calixto. Ainda atirando, grita aos dois:

— Rápido, não vou conseguir conter eles por muito tempo. O portão já esta quase caindo, então se não se importam, arrastem sua bundas pela parede e me façam companhia!

— Você primeiro Cris. – indagou Calixto.

Cris devido a adrenalina da situação, tem dificuldades em escalar a parede com a ajuda da corda, e isso da tempo o suficiente para mais mortos vivos invadirem o espaço. Donnefar tenta contê-los, mas o numero aumenta a cada segundo.

— Rápido Cris! – grita Donnefar.

Cris finalmente consegue começar a subir, enquanto Calixto pedia a todas as entidades religiosas existentes para que saísse vivo daquela situação.

— Vamos doutor, rápido. – diz Cris enquanto escalava a parede.

Calixto enfim começa a escalar a parede, mas ainda no chão, um dos zumbis o surpreende com uma violenta mordida no antebraço esquerdo.

— Não! Háaaaaa... – Calixto grita em dor.

Logo o morto vivo que o mordeu cai ao chão com um tiro na cabeça. Calixto mesmo ferido continua a escalar a parede, indo ao encontro de Donnefar e Cris.

De cima do pequeno prédio, Cris da um abraço demorado em Donnefar, ignorando o estado em que o jovem estava. Calixto sentado no chão pressionava o ferimento, e entre suspiros de dor disse:

— Diria que estou muito feliz em te ver Don, só não mais que a Cris pelo que posso ver.

— Doutor, o senhor foi mordido! O que faremos agora? – perguntou Cris enquanto olhava o ferimento no antebraço de Calixto.

RODOVIA DOS IMIGRANTES – LANCHONETE D´ANGELO

A moto parou em frente a uma lanchonete de beira de estrada. A menina desceu e se agarrou a sua boneca de pano e perguntou:

— Acha que pode ter comida aqui, papai?

Ele desceu da moto, segurou firme a escopeta na mão e respondeu:

— Espero que tenha comida e gasolina. Não vamos muito longe com o que tem no tanque. Talvez tenha bastante comida, damos um jeito de levar para esperar essa merda toda acabar.

Os dois caminharam olhando para os lados, adentraram pelas grandes vidraças frontais quebradas e de cara, avistaram dois cadáveres destrinchando o corpo de um gordo motoqueiro em uma mesa de sinuca.

— Se afaste querida... – disse Júlio armando-se com a Glock 17 sem tirar os olhos da cena que se passava no momento.

Mirou impiedoso e deu quatro tiros na cabeça de um e três na cabeça do outro. O gordo que há pouco tempo havia servido de alimento aos dois famintos, agora estava de pé e começava a caminhar guiado pelo cheiro dos vivos, que se faziam presente no estabelecimento. Ao se aproximar, Júlio notou que o cadáver que levantou à poucos instantes, tinha uma horrenda face desossada, e seu olho direito saltara de sua orbita, onde seus movimentos acompanhavam os passos do motoqueiro gordo.

O bandido trajado de policial disparou seguro de sua boa mira, outros cincos tiros da Glock na cabeça do morto vivo. De trás do balcão, surgiu uma garçonete bela e podre, que atordoada pelo barulho da arma, pulou o balcão e caminhou até o atirador e a menina. A pequena se escondeu atrás do pai, ouviu os disparos e em seguida o barulho do corpo do cadáver despencar junto dos outros.

Júlio revirava a cozinha da lanchonete, tirando dos velhos armários, os enlatados. Abriu o freezer e sorriu ao se deparar com uma bela peça de carne congelada. Manuseando um cutelo velho e um pouco sujo, ignorou a higiene talhando o gelo na tentativa de conseguir retirar alguns filetes de carne.

Olhou para a menina sentada sobre a mesa de corte e disse sorrindo:

— Hoje vou cozinhar pra você, meu amor.

Ela o encarou com um leve sorriso, e ignorando a boneca de lado, ousou perguntar:

— Papai... Matou mesmo aquelas pessoas?

Ele, agora com a faca de cortes na mão, jogou sobre a mesa uma paleta. Olhou para a pequena e respondeu:

— Não sei o que sua mãe te contou, mas eu fiz o que tinha que fazer.

— Ela disse que você...

Neste momento, ouviram o barulho de passos. Júlio alcançou a escopeta e mirou em direção a porta. A mesma se abriu com dificuldade, revelando o cozinheiro macabro. Ele ainda com o avental engordurado os encarou com olhar sombrio, correu em direção aos dois, mas foi parado pelo violento tiro certeiro que lhe arrancou a face. Júlio olhou para a menina e disse:

— Esqueça isto meu anjo. Vamos cozinhar e comer logo para carregarmos o que pudermos.

Depois da refeição, Júlio juntou tudo que pode em cima do balcão. Olhou para o estacionamento e viu um pequeno caminhão baú, com o adesivo da lanchonete. Correu até o veiculo e sorriu ao ver o tanque ainda na metade. Foi com a menina até o estabelecimento, e dentro da gaveta, em meio às notas de dinheiro, encontrou as chaves.

Dirigiu o veiculo até dentro da lanchonete, carregou o que pode de comida, olhou esperançoso para a menina e indagou:

— Temos comida para um bom tempo, precisamos agora de um lugar seguro, até tudo isto acabar.

De repente, avistou ao longe uma pequena multidão de cadáveres rumarem em direção à lanchonete. Júlio olhando para a pequenina disse sem tirar os olhos da multidão:

— Querida, pegue sua boneca, bem devagar e entre no carro.

A pequenina entrou no veículo, e ao bater a porta, fez com que a multidão de cadáveres se agitasse e corressem em direção ao veículo. Júlio disparou com a Glock na cabeça de um. Cássio assustado, olhou o defunto ao seu lado tombar, logo viu outro e outro. Se voltou acenando com os braços em desespero para o atirador e gritou:

— Não atire! Eu estou vivo. Eu estou vivo!

Os outros cadáveres a sua volta tiveram os miolos explodidos. Júlio mirou na cabeça do rapaz, disposto a atirar. Não era curioso, não queria saber o porquê de ele caminhar com os defuntos... Pelos cálculos de Julio, restavam apenas duas balas.

Julio mirando na cabeça do rapaz disse:

Se eu não estiver enganado, ainda me resta uma bala, então me dê um bom motivo para não usá-la estourando seus miolos.

O rapaz se aproximava ainda mais, implorando para não ser alvejado...

— Por Deus, não atire... Não sou um deles. Também posso ser de grande ajuda, acredite!

6° SUBDIVISÃO POLICIAL – GARAGEM

A arma travou, estava encharcada de água, apenas fez um pequeno estalo, o suficiente para Lee num instinto de reflexo girar o corpo e dar uma pesada na barriga recém costurada do sargento, quase o derrubando, ele num espasmo de dor segura o cabo da submetralhadora com as duas mãos e bate repetida vezes com toda força nas costas da moça, que inevitavelmente cai ao chão. Ele senta em cima dela, imobilizando-a com o peso do seu corpo, comprimindo seu abdômen, esmurra seu rosto com punhos serrados... O sangue quente brota do nariz respingando no rosto do insano.

— Vadia imunda! Estouro sua cabeça nem que seja com minhas mãos!

— Por favor pai me perdoe!– Disse Lee, pouco antes de perder os sentidos – Não sou seu pai desgraçada! – O sargento ainda em cima da moça a segura pelos cabelos e bate sua cabeça no piso duro, quando é agarrado por trás, não por mãos de zumbis, mas do Sidney que atordoado foi ao socorro da mulher que pouco antes quase o matou sufocado.

— Não toque nela!

Mauro desorientado pela interrupção, cospe na moça e mete o dedo na cara do legista:

— Devia ter deixado ela te matar, imbecil!

Sidney Muniz apoia a cabeça da moça em seu colo, elevando o rosto na tentativa de parar o sangramento em seu nariz.

— O sangue dessa imunda vai chamar a atenção dos famintos! Ela não passa de um peso morto– Disse Mauro se levantando do chão.

— Vá se foder! Não precisamos de você, até agora você foi o peso morto!

Sidney a ergue nos braços, colocando-a no banco de trás de uma das viaturas, que estavam na garagem da subdivisão. Mas não consegue fazer a ligação direta, Mauro abre a porta e ele pula pro lado carona, rapidamente o sargento arranca os fios e dá ignição.

— Você é mocinho ou bandido? Pergunta Sidney após ter observado a agilidade de ladrão de carros num sargento.

— Não sou nenhum dos dois. Só quero sobreviver!

No banco de trás Lee treme em febre e balbucia palavras sem nexo, estava mergulhando nas suas lembranças...

Viu-se numa igreja ornada com flores do campo, regendo o coral de jovens do qual era líder, seus braços subiam e desciam como asas de anjos, orientando os alunos em que momento subir a nota, segurando o coral, sinalizando para o solo entrar.

Seu pai era o Pastor Leonardo Borges, distinto, excelente orador, quando pregava a palavra de Deus seu rebanho se derramava em lágrimas, rígido na doutrina, homem cheio de valores religiosos, com seu terno risca de giz e gravata vermelha em cima do púlpito, olhava orgulhoso a filha se dedicando no seu ministério. O futuro genro, escolhido por ele mesmo, estava sentado ao lado, Diácono Roberto Códax, só aguardava o casamento para se tornar presbítero e ser o braço direito do líder daquela próspera congregação.

Lee nunca havia sido vaidosa, obedecia a seu pai sem questionamentos, não amava seu noivo, nunca havia amado ou realmente tido interesse por homem algum, até saindo de um dos cultos domingueiros, cruzar seu olhar com o homem estranho, alto, magro, pele branquinha, cabelos lisos castanho escuro, calça jeans rasgada no joelho e uma camisa básica branca.

Ele havia chegado àquela pequena cidade há alguns dias, foi o que comentaram as meninas ao perceber seu olhar... Lee mal as ouvia, respirava fundo tentando guardar o perfume amadeirado que exalava daquele moço.

No dia seguinte para sua surpresa, encontra com ele na pequena fábricaem que trabalhava. Era operador de uma nova máquina adquirida recentemente para corte a lazer das espumas usadas na fabricação de sofás. Suas pernas ficaram bambas, as mãos suavam frio, a boca seca e o coração pulsava acelerado.

Para ela, em sua inocência doce, não importava de onde aquele homem havia saído, no fundo de sua alma, seria que aquele rapaz era o grande amor da sua vida.

Caminharam e conversaram. Tornaram-se cúmplices dos seus sentimentos, ela quis ficar bonita, gostou de se sentir desejada, da forma que ele a tocava, como uma flor desabrocha, acordou mulher nos braços daquele homem misterioso... Decidiram conversar com os pais, romper o noivado indesejado, apresentar pra família os novos planos, os sonhos que haviam desenhado juntos.

Pastor Borges esperando receber o futuro genro abre a porta para um homem que nunca havia visto em sua igreja, trajando além das calças que era sua obrigação uma camisa polo de um azul mesclado parecendo desbotado, que em seu conceito era um absurdo ir à casa de um pastor sem usar camisas de mangas compridas. Da porta mesmo o pastor tentou despachá-lo, quando a filha o interpela dizendo ao pai ser ele o convidado, segura na mão do moço e o faz sentar no sofá da sala, onde estava sua mãe D. Nana, dirigente do ciclo de oração.

O rapaz observa o ambiente enquanto a mãe cochicha com a filha. Ele vê na parede branca um quadro de 1.20x0.80 com o desenho de uma pomba segurando um raminho de oliveira no bico e escrito em letras pretas o salmo 91. Na estante que não tinha televisor, viu vários livros enfileirados, alguns conseguiu ler os títulos: Bíblia Sagrada, Bíblia Sagrada de Estudo, O Pelegrino, O Salario do Pecado é a Morte, A Fé Cristã, Jezebel a Vaidade do Século XXI, Arpa Cristã...

Já sentados a mesa, o rapaz fala ao patriarca às intenções que o levaram á estar ali. Não teve tempo de terminar, num rompante, o pastor bateu firme na mesa bem posta de madeira, fazendo tremer o jogo de porcelana Schmidt. Manda a filha se trancar no quarto, a menina se nega, ele faz sinal pra mulher que a puxa pelos braços, arrastando-a pelo corredor. Lee diz ao rapaz que estava perplexa com o descontrole de um homem que se dizia pastor de ovelhas, guiava pessoas na boa e perfeita vontade de Deus, Aos gritos o pastor respondeque no ministério dele não se mistura julgo, que a filha dele cresceu para servir ao Senhor, que não a alimentou e a educou anos para que ela se desse a certos deleites mundanos, que a filha dele era pura, separada, formosa como Raquel, como Ester, quando a moça grita em prantos do seu quarto:

— Pai eu não sou mais pura, pai!

O pastor, pega da mesa a faca que cortaria o pernil e encosta no pescoço do pretendente da sua filha, o escorraçando porta a fora.

Entrando no quarto, ele tira o grosso cinto de couro da cintura e a surra:

— Vagabunda, prostituta, vergonha dos meus dias! – esbravejava no limite do sagrado ódio.

— Papai me perdoe! Vamos nos casar papai! – Suplicava Lee de joelhos.

— Nunca sua vadia! Prefiro vê-la morta! Os demônios tomaram seu corpo, foi trabalho feito em algum terreiropra envergonhar o nome de Deus!

Colocou as mãos na cabeça da filha, e junto com sua esposa começaram a orar:

— Eu ordeno pomba gira dos infernos: Saí! Solta o corpo da minha filha agora!

Eles a faziam girar em volta de si mesma, quando ela perdia o equilíbrio de tontura ele chutava seu corpo, dizendo que venceria esse demônio.

O carro saiu da garagem levando os três. Sidney se volta para o banco de trás e a vê se batendo, espumando pela boca.

— Cacete Mauro! Ela tá tendo convulsão!– Disse o legista se jogando pro fundo do carro, virando o corpo da moça de lado. Tentado segurar a língua dela com os dedos, esses, quase são decepados pelos dentes de Lee, que absorta vivia intensamente cada “insights”.

Em sua mente revivia a dor física e emocional. Viu-se sendo empurrada escada abaixo no porão. A porta trancada atrás da figura do pai, seu vestido sendo rasgado e de seu pedaço feito uma mordaça na sua boca. Enquanto seu pai dizia em seu ouvido:

— Você quer um homem? Criei você pra mim, a vi crescer, suas coxas e seus seios se formarem, há quis esse tempo todo pensando que estava errado, mais era você me tentando pra que eu saísse da minha santidade! Outro homem pegou o que é meu, alisou você, a teve primeiro e você gostou, não gostou? Balance a cabeça pro papai...

A derrubou no chão de madeira e sentou em cima de seu abdômen, alisava seus seios e batia em seu rosto chamando-a de vadia, Lee aterrorizada viu seu mundinho perfeito desabar, as mãos em seus seios doíam mais que as bofetadas, era o pai dela, era o homem que tinha como exemplo de caráter, respeito e segurança.

O pastor puxou com uma das mãos sua calcinha, tocando em sua genitália, forçou a entrada de dois dedos enquanto perguntava insano:

— É assim que você gosta, vadia?

Tirou os dedos e os levou a boca lambendo-os, dizendo em seu ouvido que sempre quis saber o gosto dela, afastou suas coxas com o joelho, baixou um pouco as calças e a violentou... Lee gemia de dor, ele na sua loucura achava que ela gemia de desejo. Como um bicho, o homem se satisfez da sua presa, a virou de bruços e como ela esperneava, bateu sua cabeça no assoalho, até que perdesse os sentidos.

Ficou naquele porão por semanas, a mãe descia e levava comida, e por mais que ela implorasse pra que a mulher a soltasse, não conseguia convencê-la.

D. Nana se fazia de rogada, aos soluços contava pra mãe o que o pai estava fazendo, a mulher apenas dizia:

— Seu pai sabe o que faz!

Todos achavam que Lee havia viajado, era essa a desculpa que os pais davam, seu namorado cercava a casa, a igreja na tentativa de noticias, de encontrá-la. Batia em sua porta, ninguém o atendia, estava disposto a qualquer coisa para saber o que tinha acontecido, não esquecera a atitude exagerada do pastor quando há um mês e meio atrás apenas quis assumir um compromisso com a filha dele.

Nessa madrugada, entraria na casa quando todos estivessem dormindo, desconfiava que a moça estivesse presa em seu quarto...

No carro, Sidney manda Mauro voltar para o Hospital Mental Gutemberg Dias:

— Volte Mauro, ela pode morrer! Sei que tomava um medicamento injetável 3x ao dia, não sei o que era mas a fez andar e sair ilesa passando por zumbis. Em volta dela tudo era segredo, portas fechadas, ninguém entrava, decerto uma cientista e dois enfermeiros, sabia que estava sendo aplicado nela uma droga experimental chamado Polibérium, se era teste, logo ela seria uma cobaia, ninguém a visitava, uma moça com traços tão finos sem ninguém procurá-la, creio que não tinha família.

— Não tinha e agora muito menos, por que se importa com ela? Vamos arriscar nossa pele, olha essa zona toda e você quer que voltemos? Na cela quase um zumbi a pega pelas grades, esqueceu? Ela não tem nada que faça valer a pena voltar naquele inferno!

— Não era ela Mauro, foi o cheiro do seu sangue impregnado nela que atraiu a merda do morto vivo!

Depois de um culto de Santa Ceia, onde o pastor compartilha do sangue e do corpo de Cristo com seus féis, chegou em casa nervoso, desceu até o porão, onde estava a filha amarrada e completamente diferente do já foi um dia, olhos inchados e roxos, magra, olhar perdido no tempo, como se ali já não houvesse vida, fosse apenas um corpo vazio.

— Minha filha, toda vez que você me faz pecar eu, conhecedor da palavra de Deus, levo Jesus a ser crucificado novamente, e só há uma maneira de lavar-nos do peso do pecado, não posso mais crucificar Jesus com seus erros, você precisa saber o que Jesus passou pra nos dar a liberdade que gozamos!

Desamarra a filha, a colocando em pé de costas pra ele com as mãos cruzadasabraçando a coluna, as amarra novamente, rasga a camisola velha que forrava seu corpo machucado deixando suas costas nuas e com outro pedaço de corda a chicoteia por 33 vezes, abrindo filetes de sangue na pele pálida, a cada chicotada seu corpo debilitado tremia, ela implorava que parasse, ele dizia que era preciso purificar sua alma.

Depois a soltou da coluna de concreto frio, deixando-a no chão deitada, jogou sobre seu corpo a toalha vermelha que foi usada na Santa Ceia 2 horas antes, saiu e voltou com dois grandes pedaços de madeira e uma coroa de espinhos. Abriu sua caixa de ferramentas, com uma furadeira prendeu o madeiro na parede em forma de cruz, também furou as extremidades da madeira e mediu nele a espessura de um prego de 10cm.

Puxou de suas costas a toalha vermelha que já havia grudado nos cortes feitos pelas chicotadas, os fazendo abrir novamente, Lee se contorceu de dor, ele rasgou a toalha ao meio como fizeram os soltados quando lançaram sorte sobre o manto de Jesus; pegou a coroa feita com arame farpado eos talos das rosas que estavam no púlpito ornamentado a igreja e a pôs sobre sua cabeça, cravando as pontas do aço em sua pele, fazendo escorrer em seu rosto o sangue carmesim, cuspiu no rosto da filha que já não se aguentava em pé. Arrastou-a até o madeiro em forma de cruz e colocando uma de suas mãos em cima do buraco que havia feito com a furadeira, colocou o prego na palma da mão aberta e antes que Lee terminasse de implorar para ele não fazer, o maldito bateu com a marreta, fazendo o prego transpassar sua mão e se fixar na madeira, tentou fazero mesmo procedimento com a mão esquerda, mas a mão não chegava ao buraco que encaixaria o prego, esticou o braço da moça até deslocar a clavícula e poder cumprir seu intento...

A mãe estava ajoelhada ao pé da escada, de olhos fechados, orando pela alma da filha...

O pastor dizia nervoso:

— Minha filha, Jesus morreu por asfixia, não teve nenhum osso quebrado mas eu terei que quebrar seus joelhos, será mais rápido, é para seu bem!

Quando ergue a marreta escuta um barulho vindo de cima, a mulher corre pra ver, quando abre a porta do porão, a mãeda de cara com um homem saindo do quarto da filha, ele logo entende que ela estava lá baixo, a mulher grita o marido, ele a empurra escada a baixo, na queda D. Nana quebra o pescoço.

Descendo as escadas fica estarrecido com a cena que vê: A mulher que o tinha feito acreditar mais uma vez que valia a penair em busca dos sonhos, estava nua, presa numa madeira com braços abertos em forma de cruz, o sangue escorrendo por suas mãos, por seu rosto... Quando o sogro vem em sua direção com a marreta no ar pronto a estourar sua cabeça, o homem se desvia do peso do metal, jogando em cima do pastor tudo o que encontrava pela frente, se lança em cima dele aos gritos o derrubando, pega a marreta que cai no chão. Em ira, o rapaz estoura uma das mãos do pastor.

— Desgraçado, doente! – Gritava enquanto estourava parte por parte do corpo do pastor, que chorava em dor, até bater tanto na cabeça ao ponto de rachá-la ao meio.

Voltando a si corre para Lee, com o lado inverso do martelo, livra-a dos pregos, tirando-a da madeira.

No chão, em meio ao sangue do pai que se espalhara pelo porão todo, ele se abraça com o corpo dela, chorando se pergunta varias vezes por que não chegou antes. Tira a coroa, soltando as pontas do arame da testa, passa à mão na face da moça, afastando os cabelos grudados de sangue, encosta seu rosto no rosto dela e chora amargamente...

Chega a policia que havia sido acionada pelos vizinhos que ouviram gritos vindos da casa do pastor...

Sidney Muniz bate no rosto febril da moça, que em delírio diz:

—Júlio...

RODOVIA DOS IMIGRANTES, KM 53

O Padre sorriu e correu até o rádio amador, apertou o botão do microfone.

— Alô, quem ta ai?

— Meu Deus, você deve ser um anjo. – respondeu a voz do outro lado – Como é bom escutar alguém. Já faz tanto tempo que eu estou aqui berrando no “PX”.

— Um anjo não, algo menos hierárquico. – brincou – Quem é você?

— Ah, foi tanta emoção que eu até me esqueci de apresentar. Meu nome é Guto, eu sou, ou melhor, eu era radialista. Sorte a minha ter trazido um rádio amador pra consertar em casa. E você? Quem é?

O Padre limpou o suor da testa, olhou para o lado e respondeu:

— Eu sou o padre João.

— Padre? Você está vivo?

Há algum tempo atrás, Padre João e o radialista Guto tiveram uma oposição ferrenha, na época das eleições, pois cada um apoiava um candidato diferente. Guto em seu programa de rádio andou difamando o partido que o padre apoiava, e em seus sermões, o padre dava grandes cutucadas na situação política e nos meios de comunicação do lugar.

— Seu filho da mãe de sorte! – retrucou Guto – Eu estou aqui na minha casa, tenho alguns suprimentos.

— Eu estou na estrada. – informou João – Tentando fugir.

— Padre, vamos deixar nossas diferenças de lado. Você tem que vir aqui me salvar. Tenho um trinta e oito carregado, mas tem alguns zumbis lá fora, estão quase derrubando o portão. Me ajuda!

O João fechou os olhos.

— Eu sou um aleijado. Já devia estar morto, mas, por favor, salve minha mulher e meus dois filhos. Eu vou me matar depois.

— Não filho, não faça isso! – berrou o Padre – Eu vou salvar todos vocês.

— Venha rápido, não sei quanto tempo o portão vai agüentar.

— Já estou chegando.

O Padre sabia exatamente onde o radialista morava. Não era muito longe dali. Daria para resgatá-los e tentar fugir daquela loucura toda. Entrou no veiculo e fez o retorno, parou ao lado do blindado e desejou que aquele carro estivesse cheio de combustível, para seguir nele.

Rumou direto na estrada, a casa de Guto era uma residência rural, ficava há um quilometro da rodovia.

— Tenho que ser rápido. – balbuciou – Aquele homem está transtornado.

A entrada da casa surgiu, havia um morto vivo no caminho, o religioso acelerou e atropelou o monstro.

A estrada era de terra batida. O padre acelerou, a Caravan era acostumada a rodar por alguns trechos assim:

— O que? – assustou-se.

Em seu retrovisor, na rodovia, um carro passou rapidamente. Ele pensou em frear, mas não valeria à pena. Os desgraçados daquele carro estavam condenados, uma turba de mortos estava caminhando por aquela direção, saídos do cemitério.

— Tenho que salvar o Guto. – lembrou-se.

De repente, ele passou em um buraco mais fundo e o carro deu um salto e um barulho estridente.

— Que aconteceu? – gritou – Meu Deus.

O pneu tinha estourado. Desceu do carro e chutou a lateral da Caravan.

— Merda! – gritou.

Foi até a mala e retirou alguns dos suprimentos que tinha conseguido. Levantou a tampa da mala e retirou o estepe, careca, depois, o macaco e a chave de boca. Ele riu quando notou a semelhança da chave com uma cruz.

— No mínimo, irônico.

De repente, um monstro saiu correndo do mato, avançando para cima dele. O homem desviou-se e o derrubou, pegou a chave e enfiou no olho do monstro, atravessando seu cérebro e sua cabeça podre. Bateu a poeira e levantou-se orgulhoso:

— Estou ficando bom nisso!

Mais dois zumbis saíram do mato correndo.

— Merda, eu e minha boca grande.

Ele jogou a chave em um, mas acertou apenas o ombro do monstro, porém a chave ficou cravada. Começou a correr ao redor do carro, tentando achar alguma coisa que o ajudasse, ali não havia estacas caídas, nem nada. Teria que disparar. Entrou no veiculo e com a porta deu uma bordoada na cabeça de um dos monstros, deitando-se no banco, abriu o porta luvas e puxou a pistola.

O monstro caído tentava levantar-se. O outro corria na direção do Padre. Ele, então, deixou que o monstro se aproximasse o máximo possível e disparou. O zumbi caído ficou preso pelo corpo do morto vivo abatido que se fincou na chave de boca que estava no ombro do outro. João chegou perto e colocou o pé no pescoço do zumbi e disparou contra sua testa.

— Droga! – praguejou – Duas munições a menos.

O padre chutou os dois cadáveres e retirou a chave de bocas do corpo de um deles. Praguejando aos céus por ter uma sorte tão maléfica, só ele em todo o mundo teria um pneu furado no meio do apocalipse, e só ele não morreria naquela situação.

— Que sorte a minha. – e apontando as duas mãos para cima – Estou começando a achar que a sua vontade quer, na verdade, é mefuder mais e mais.

Ele levantou o carro com o macaco e trocou o pneu estourado. Guardou tudo novamente na traseira da Caravan.

— Guto! – falou para si – Eu já estou chegando.

Mal sabia pobre padre, que aquele contratempo o havia tirado qualquer chance de salvar o radialista.

Dez minutos depois, Padre João chegava à frente da casa de Guto. Havia uma pequena corja de zumbis no portão. Acelerando a velha Chevrolet Caravan funerária, ele deu cabo da pós- vida de quase todos os zumbis. Desceu do carro e atirou nos monstros ainda de ficaram de pé.

— Guto, abre a porta! – gritou no interfone.

Mas, nada aconteceu.

— Guto, abre a porta, abre logo.

Novamente, nada aconteceu. Agilmente, o padre subiu na capota do carro e pulou no muro. Saltou, na queda, pois sentiu uma terrível dor nos joelhos. Praguejou aos ventos e retirou o carregador da pistola e verificou que ainda tinha alguma munição.

— Estou indo te buscar Guto. – e rumou em direção à casa sombria.

A porta estava destrancada. Um cheiro ferruginoso tomava de conta do ambiente e logo na sala o padre viu que tinha chegado muito tarde.

Três corpos estavam estendidos sobre o sofá. Uma mulher e dois meninos. Atrás do sofá estava o corpo de Guto, na sua cadeira de rodas como de costume, mas com um enorme buraco na lateral da cabeça. Na parede em letras escritas com sangue estavam as palavras:

“DEUS NOS PERDOE, VOCÊ TAMBÈM”.

— Guto... Não... – O padre caiu de joelhos chorando – Eu me atrasei. – gritou – Por que senhor? Por quê? Essas pobres almas não mereciam isso! O pneu furou. Eu não tive culpa. – e apontando para o céu – É culpa sua, sua. Mas, que seja feita a tua e não a minha vontade, não é isso?

Depois de algum tempo de delírios, João levantou-se e começou a procurar coisas úteis para ele. Uma caixa de primeiro socorros na parede o chamou a atenção. Havia vários remédios lá. Antiinflamatórios, analgésicos, antitérmicos e havia duas cápsulas de um comprimido que ele não conhecia.

— Polibérium? – perguntou-se em voz alta – Acho que já vi este nome antes...

Jogou a caixa de lado.

— Esses caras envolvidos com política e drogas. Se fosse na época da eleição. Você estaria perdido.

Encontrou uma carteira de cigarros e um litro de vodka.

— Seu filho da mãe. – disse, enquanto guardava tudo na bolsa que pegara em um quarto.

Nesse momento, o Padre sentiu alguma coisa mexendo em seu bolso. Era seu celular.

— Deus, tinha esquecido do meu celular. – disse enquanto apertava o botão verde.

— João Murillo?

— Você? – balbuciou.

CONTINUA...

João Murillo, Fernando Calixto, Lee Rodrigues, Julio Dosan e Sidney Muniz
Enviado por João Murillo em 16/10/2011
Reeditado em 18/10/2011
Código do texto: T3280355
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.