Dona Morte - Diálogo - Parte Final
Diante dela pude observa-la como lhe é digna. Apesar de ouvi-la gargalhar, por vezes, em toda esta trajetória sua face pálida não movera um músculo. Como se usasse uma máscara cor gelo para disfarçar os sentimentos. O que parecia um manto, se apreciado à esta curta distância é verificável como sendo quatro asas negras. Duas cobrem-na da cintura para cima, envolvendo seu pescoço e duas para baixo, até que se arrastem pelo chão, escondendo as prováveis pernas e pés. Ela não usou as asas para me carregar por todo este trajeto 'necropólico'. Nas costas, amarrado em algum lugar, sua foice, é visível por sobre a cabeça rapada. Tenho uns bons metros de altura, mas a Morte me parece ter ainda mais alguns.
Em movimentos amedrontadores, rápidos e trêmulos, como se deslizasse pelo ar podre, dançou até a minha direção, parando pouco à frente. Se esticasse um braço poderia tocar sua cintura, o liame entre suas negras asas. Curvou-se sobre mim:
"Sou a Morte, um anjo. Sirvo aos meus dois Senhoresss, e pela minha indecisão sofro a cada dia, tolhendo e ceifando, amargando o gosssto da dor dos homensss. Obedeço à Um e alegro ao Outro. Conselhos não posso dar, pois desssconheço mais caminhos. Meu ser se resume a isto...eternamente..."
- O que eu faço? Não me importo mais com o sofrimento que possa me causar aqui. Já estou condenado e me conformo. A tristeza me engoliu, Dona Morte!!! Apenas, antes que vá, me diga, para onde eu devo ir?
A Morte pôs-se ereta, apenas a cabeça branca de globos oculares profundos e negros abaixada a me observar. Acima dela o espaço cor de carvão.
" Apenas um caminho a seguir." -e apontou vagarosa para o Portão do Castelo do Inferno, um castelo cuja grandeza era tremenda e não podia ver seu fim ou medir-lhe a distância.
- Mas, está selada a sua entrada! Este portão de fogo me impede de ingressar em minha agonia eterna, junto aos que eu amei em vida!
"Eu sou a Morte. O que há depois do Portão desconheço e desconhecerei até o meu dia. Momento essste em que minha saga terminará e compartilharei do ranger de dentesss com os mortais e com meu Senhor."
Retornou para posição de outrora, na dança que executava ao caminhar, fantasmagórica. Alçou voo, sem sequer abrir as asas como fizera antes e sumiu no céu negro daquele lugar. Provavelmente buscaria o próximo desgraçado.
Aproximei-me do portão de fogo. A face de meu pai ainda estava lá, assim como a dos demais, subindo e descendo pela correnteza de lava que compunha esta entrada macabra. Ergui a mão direita. Queria acariciar o rosto de meu pai, ainda que no fogo. Sua expressão tão dolorida, contorcia-se.
- Aaaaaaaaaaaaargh!
Um grito de dor mais profundo erigiu de minha boca. Minha mão atravessara a lava do portão quando o toquei, mas o que que senti era como um banho em um rio de fogo, sem pele, queimando diretamente sobre carne. Minha mão retornou completamente dilacerada. Mal podia sustentá-la. Segurava o braço direito com o esquerdo.
Meu berro ecoou por todo aquele vale deserto, misturando-se com as vozes da porta agonizante e seus urros de desespero.
"Não entre aquiii"; "Dói demaaaais..."; "Me tira daquiiii"
Não sabia o que haveria dentro deste castelo, minha morada eterna, mas não suportaria ver meus amigos e parentes sofrendo e permanecer do lado de fora.
- Prefiro sofrer com vocês.
"Nããããão"; "Filho, nãããão"
-Perdão, pai.
Engoli em seco, fechei os olhos e entrei na porta das correntezas de fogo.
"Nunca mais verei Dona Morte, ao menos pelo tempo que dissera, quando esta maldita virá até aqui, queimar como eu!" - este foi meu último pensamento. Adeus.