A Fome dos Cadáveres - Fugindo da Morte
CENTRO DE PESQUISAS AVANÇADAS – BASE SUBTERRÂNEA
Os vidros trincados eram esmurrados pelos cadáveres famintos, enquanto Elis em desespero se agarrava á Cássio:
— Cássio, sei que guarda com você três ampolas de Polibérium... Se vamos usar a hora é esta!
Ele olhou-a sério e confessou:
— O Polibérium é quase uma dádiva Elis, devido as circunstâncias que estamos hoje. Seu efeito dura no máximo 24 horas, com ele se fica imune ao ataque dos mortos... Não posso desperdiçá-lo, é a lei do mais forte, e você está bem abaixo dessa cadeia de sobrevivência.
Cássio com um sorriso sarcástico no rosto continuou:
— Mas não fique com medo, pois com toda certeza você não irá vagar como esses sacos de carnes podres. Acredite, não vai sobrar nada quando eles conseguirem pegar você.
A moça em choque olhou para a porta quase se quebrando, voltou-se para o rapaz em lagrimas e implorou:
— Por Deus Cássio, o que está dizendo? Esses zumbis estão prestes a por aquela porta abaixo, isso não é hora para piadas, vamos morrer!
Cássio a segurou nos braços e disse em seu ouvido:
— Tem coisas que não se pode entender, Elis... E essa é uma delas. Sinto muito!
Ela o olhou fixamente, espantada com a expressão no rosto dele e previu o que faria. Cássio segurou-a pelos ombros, a moça tentou lutar, mas ele era muito mais forte e a lançou contra a porta de vidro. O corpo de Elis se chocou contra o vidro já trincado e repleto do sangue pútrido que escorria viscoso pelas rachaduras. Sua cabeça sofreu um forte impacto, deixando Elis desorientada do outro lado da sala. Seu sangue ainda quente brotava da testa, onde um enorme corte havia sido feito ao se chocar contra a porta. Os zumbis famintos a fitaram insanamente. Ela viu-se a beira da morte, e ainda caída no chão tentou erguer-se, apoiando suas mãos no piso. Sentiu os cacos de vidro perfurarem a pele de suas mãos e dedos profundamente, a dor chegou instantânea ao cérebro e a pobre moça gritou enquanto uma primeira mordida arrancou-lhe um pedaço de carne na altura da nuca.
Os mortos vivos começaram a devorá-la como animais, enquanto Cássio revirava os bolsos, tendo como hino os gritos e gemidos de dor da moça. Ele alcançou uma das ampolas do Polibérium, quebrou a tampa de vidro nos dentes e engoliu o medicamento. Olhou para Elis sem remorso, e a viu servir de comida aos cadáveres descongelados. Um dos defuntos o encarou com um pedaço da carne de Elis na boca, parecendo um lobo faminto devorando um cervo. Cássio continha seu medo, o cadáver se levantou todo molhado e maltrapilho... Veloz, correu em sua direção, o rapaz fechou os olhos, sentiu o morto vivo o farejar e ouviu seu grito rouco e insano, o suor brotou na testa de Cássio que abriu os olhos e viu o zumbi voltar para junto dos outros, destroçando o corpo de Elis que jazia morta no chão.
Na sala de monitoramento, Calixto desesperado tentava a marretadas destruir o piso duro. Donnefar procurava um meio de abrir o elevador e descer até o fosso, mas as portas de emergência estavam travadas. Finalmente, depois de muito esforço, o piso se trincou... Donnefar vendo que a idéia de Calixto era melhor, tomou a marreta de suas mãos e bateu contra o piso, enquanto o doutor descansava da empreitada.
De repente, a energia bloqueada voltou... Donnefar, agora suado pelo esforço, correu até os computadores, enquanto Calixto ansioso foi até a porta do elevador.
A porta se abriu, Cássio encarou a todos e relatou com um leve pesar:
— Eles a pegaram... Elis está morta. Eu sinto muito...
— Os computadores estão todos corrompidos – disse Donnefar preocupado.
Cris se aproximou de Calixto e falou melancólica:
— Não tem nada pra gente aqui, todos os dados de pesquisas estão perdidos...
Calixto arrancou do bolso o pendrive com os dados da pasta virtual e disse esperançoso:
— Todos não... Ainda temos esperança! Precisamos sair daqui e tentar nossa sorte lá fora.
Cássio sorriu... Cris e Donnefar se mostraram preocupados, pois teriam que abandonar a segurança do laboratório.
Calixto com o pendrive nas mãos se mostra angustiado, e em seguida pronuncia franzindo a testa:
— Esperem! Se os cadáveres congelados estão de pé, e o sistema voltou a operar... – seu olhar vagava em meio do nada. — As saídas de emergência estão abertas!
Cris com as mãos no rosto observa:
— Essa não... Escutem.
Podiam-se ouvir grunhidos e passos se aproximando da sala de monitoramento, onde todos estavam presentes.
Calixto olha ao redor e diz eufórico a todos:
— Esses desgraçados estão vindo. Peguem tudo o que possam carregar e que seja importante, e vamos sair daqui rápido!
— E pra onde vamos Dr? – perguntou Cris.
— Não sei, mas por hora o mais importante é abandonar o laboratório, ele não nos pertence mais!
Rapidamente todos equipavam-se com tudo o que podiam carregar. Donnefar olhando para Cris indaga:
— Espere. Não temos armamento algum, se sairmos daqui assim, seremos alvos fáceis para esses desgraçados!
— Esqueça Don, os zumbis já estão quase invadindo a sala de monitoramento. – disse Cris.
Ignorando o que Cris acabara de dizer, Donnefar corre em direção aos corredores que dariam acesso a sala de segurança. Vendo Donnefar se afastar Cris grita:
— Don, não!
— Onde aquele idiota vai? – perguntou Cássio.
— Ele é o idiota mais corajoso que eu já conheci. – respondeu Cris enquanto via Donnefar sumir entre os corredores.
Poucos minutos depois, os primeiros zumbis começavam a forçar a entrada da sala de monitoramento. Observando isso Calixto gritou:
— Temos que nos apressar. Vamos!
— Espere, Donnefar ainda não voltou. – disse Cris preocupada.
Com as mãos no rosto de Cris, Calixto indaga:
— Não podemos fazer nada por ele Cris. Se não conseguir voltar a tempo, certamente será tomado por essas criaturas.
Cássio observa que o numero de mortos vivos aumentou, percebendo que a porta não agüentaria por muito tempo disse apressado:
— Não podemos mais esperar. Temos que sair daqui agora se não quisermos virar ração de zumbi.
Calixto segue caminho até uma saída de emergência subterrânea, que leva a uma entrada dos esgotos da cidade. Cássio apressa Cris que se recusa a prosseguir sem Donnefar, mas ao ver que os zumbis conseguiram abrir as portas das saídas de emergência, seguiu com Cássio e Calixto.
— Don sabe se virar muito bem Cris, mas você tem que vir conosco. – pediu Calixto.
Enquanto fechava a saída, o Doutor pôde ver a sala ser completamente tomada pelos malditos mortos vivos. Olhando para as criaturas, sussurrou:
— Boa sorte meu amigo...
"RODOVIA DOS IMIGRANTES"
Faby dirigiu durante algum tempo, sem entender o que havia presenciado, porque os mortos se levantaram? O que estava acontecendo, afinal? Para onde ela iria?
O pequeno Lucas, finalmente calou-se e agora dormia tranquilamente no banco de trás enquanto pensamentos confusos invadiam a cabeça de Faby. De repente, algo surgiu á sua frente. Ela tenta desviar, mas, o impacto é inevitável, a coisa bate contra o carro e a motorista vê o corpo estendido no chão. O Veiculo freia e para, a moça assustada sai do carro e lentamente caminha de encontro ao que vê:
— Não é possível! - Pensa, vendo a mesma mulher que horas antes ela havia atropelado. Assustada tenta voltar para o carro, mas, a mulher lhe segura o pé e a puxa, ela cai e a morta viva pula sobre voraz sobre seu corpo, tentando mordê-la. Faby sente o hálito podre da criatura que mostra seus dentes revelando pedaços de pele e carne humana entre eles. Desesperada, luta por sua sobrevivência enquanto é atacada vorazmente pela morta viva que tem uma força sobre humana. A boca da maldita abrindo e fechando como a de uma piranha atrás de um pedaço de carne da mãe do pequeno Lucas. Faby olha para o carro e pensa no seu filho, ela não pode morrer ali... Tira forças de seu interior e com suas duas mãos empurra o corpo da morta-viva, afastando-a o suficiente do seu, de maneira que consegue arranjar espaço para com seus pés lançar a morta viva para o lado. Ela chuta o rosto da defunta com seu salto que afunda no olho da zumbi deixando-a caolha. A morta cai de lado. É o momento que Faby precisa, levanta-se e corre para o carro, trava as portas e quando em meio a tanto desespero tenta dar partida, sente um forte tombo no teto do carro, isso acorda o pequeno Lucas que pergunta:
— O que é isso mamãe?
— Não é nada meu menino! Apenas baixe a cabeça enquanto a mamãe dirige.
Ele não obedece. Quando vira - se para frente, ela vê a defunta que estava sobre o carro dependurada, sua cabeça á frente de Faby e Lucas, que se assusta ao vê-la batendo contra o para – brisa insanamente e mostrando um sorriso diabólico além de ver um líquido estranho escorrendo do olho furado da mulher. Faby acelera e freia bruscamente, lançando o corpo da morta ao chão, olha para Lucas e sorri tentando acalmá-lo.
— Querido, feche os olhos. – O diz enquanto o motor do carro ronca e ela engata a marcha. Lucas finalmente obedece a mãe, e na escuridão sente seu corpo balançar com o movimento súbito do carro que se dá no momento em que Faby arranca e passa por cima da maldita, como se saltasse por um quebra molas.
— Pronto filho, pode abrir. – Lucas abre os olhos, vê sua mãe dirigindo com uma expressão preocupada no rosto, o olhar fixo e melancólico. Ele então olha para trás e vê o crânio esmagado da morta já há metros de distância. Sem entender o que era aquilo vira - se para sua mãe.
— Não fique triste mamãe. Você venceu a morte, é minha heroína, por isso te amo!
Uma lágrima brota dos olhos de Faby que ainda absorvia todo o teor daquela terrível situação.
— Eu também te amo meu lindo! – Ela o diz, solta uma das mãos que segurava o volante e o acaricia.
Em seus pensamentos, agora não sem destino, ela resolve ir á igreja ao encontro de um velho amigo, o padre João Murillo.
"RODOVIA DOS IMIGRANTES"
Rapidamente, ele pensou que poderiam ser pessoas de má fé. Lembrou-se que em uma situação daquelas, as pessoas mostram sua verdadeira natureza. Então, correu até o carro e colocou a pistola nas costas da calça.
O carro parou. Um homem empunhando uma escopeta calibre 12, desceu do carro e apontou para o padre.
— Quem é você? – perguntou o desconhecido vendo a gravata no pescoço do religioso – Você é padre?
— Sim, sou o padre da igreja local, meu nome é João.
O Padre João levantou as mãos e sorriu.
— O que é que está acontecendo? – perguntou o homem.
— Você, pelo visto já cruzou com essas coisas né?
— Uma delas mordeu minha mulher. – respondeu o homem.
O Padre ficou assustado.
— E ela está bem? – perguntou.
— Ela esta ardendo em febre. – respondeu o homem.
De dentro do carro, um grito estridente. O Padre já sabia o que tinha acontecido, mas o homem baixou a escopeta e correu para abrir a porta do carro.
Uma mulher ensandecida pulou no pescoço do homem e arrancou-lhe um taco de carne. O homem caiu se esvaindo em sangue. João acertou um tiro certeiro no meio da testa da morta viva que caiu por sobre o estranho que gritava de dor.
Calmamente, ele caminhou até onde o desconhecido estava e apanhou a escopeta, apontou para a cabeça do homem. Ele morria lentamente, pois perdia muito sangue.
— Padre, eu não quero morrer.
— Você vai virar uma daquelas coisas, meu filho. – explicou o padre – Eu sinto muito, mas tenho que matá-lo.
— Não! – engasgou-se em mais sangue – Não quero morrer.
— Não posso fazer nada. Que o senhor te receba na sua morada legitima.
O homem olhou piedosamente para o seu carrasco e suas ultimas palavras foram:
— Padre, perdão?
O Padre carregou a arma e apontou para o rosto do homem.
— Deus perdoa. – respondeu - Eu não! - e puxou o gatilho.
João se benzeu, depois olhou para os céus e fez uma prece, pedindo perdão. Foi até o carro do desconhecido. Havia algumas garrafas de água, comida e um pacote de papel higiênico. Rapidamente, ele colocou tudo na mala da Caravan e partiu. Colocou uma fita cassete no rádio do carro e escutou o riff inicial de “The Unforgiven II” do Metallica.
— Mas, que fita é essa? – perguntou-se – Devia ser do coveiro.
A lembrança do amigo o fez refletir em como o seu mundo ia mudar, que a vida como ele conhecia ia ser destruída, caso ninguém conseguisse controlar aquela loucura. Os mortos andavam, era o apocalipse, tinha que resistir até Jesus voltar.
— Jesus não vai voltar. – berrou – Aquele filho da mãe está nos testando?
Foi quando depois de uma curva acentuada, ele encontrou um enorme veículo militar. Parou no acostamento, sacou a escopeta e foi verificar se havia algo de interessante no blindado. Para seu azar, aquele veículo havia sido abandonado às pressas por soldados sob ataque de monstros canibais, que ainda estavam ali. Cerca de meia dúzia de zumbis comiam o cadáver de um sargento. João se deu conta do pequeno grupo um pouco tarde.
Ele rodeou o blindado e viu que um semicírculo macabro devorava um homem abatido. Não conseguiu segurar o grito de susto e medo, chamou a atenção dos monstros.
— Deus! – gritou.
A corja maldita deixou a refeição e partiu para cima de mais carne, pois eles não tinham outro desejo, se não esse.
O padre em seu desespero jogou a escopeta em um zumbi e saiu correndo para cima do blindado. Seu pé escorregou na escada de acesso e ele quase caiu, mas conseguiu equilibrar-se. Não tinha tempo para subir, os monstros iam pegar ele, foi quando teve a simples e genial idéia: deu a volta correndo no veiculo e os monstros o seguiram, foi até a escopeta e a pegou de volta. Um tiro, dois, três... Cliques secos acabaram as munições.
Três zumbis avançavam sedentos pela “carne santa”. O padre virou a coronha na direção dos monstros e avançou, quebra o pescoço do primeiro com uma coronhada e prendeu os outros com o corpo da arma, empurrando-os, fazendo-os cair. Desesperado, pensou em entregar-se a morte, mas á sua frente, o corpo que há pouco, os monstros devoravam. Ele viu uma pistola.
No mesmo instante, se jogou no chão, caindo por sobre as tripas e intestinos dilacerados do defunto, sujando-se todo de sangue. Retirou a pistola do coldre auxilar do defunto militar. Destravou a arma e atirou nos monstros, salvando-se, mais uma vez.
— Essa foi por pouco.
Dentro do blindado, ele encontrou um rádio amador funcionando, alguns pacotes de comida e munições de armas que ele não conhecia. Pegou o que lhe interessava e voltou para a Caravan.
Um morto - vivo já apodrecendo vinha caminhando em sua direção. Era gordo, com uma barba negra por sobre o rosto e em sua camisa havia o símbolo de uma conhecida marca de frios da região. Ele puxava de uma perna.
— Ernesto? – João disse boquiaberto – É você mesmo?
O zumbi preparou-se para atacar, mas foi alvejado por um tiro e tombou sem vida.
— Apesar de você ser um filho da mãe, eu acho que não merece esse destino. – parou por um segundo, pensando e continuou – Se bem que você é um criminoso, lembra-se da sua confissão? – riu um momento – Você merece sim o seu destino.
Nesse momento, a atenção do Padre foi desviada para uma voz que saia do rádio amador.
— Alguém na escuta... Alguém...
"UM PEDAÇO DO PASSADO"
Chamava-se Sidney da Silva Muniz. E, antes de descobrir seu gosto pela medicina, ocupava-se com outras coisas. Nenhuma suficientemente boa para satisfazer-lhe.
Na infância, costumava ajudar o pai na área de construção civil, desde os quatro anos de idade. Montava na garupa da Monark azul velha de seu pai e iam para a cidade de Florestal. Seu pai era pedreiro e ele o ajudava nem que fosse carregando um mísero tijolo. O tempo foi passando e aos treze anos ele já exercia a função do pai com proeza, sua pele branca chegava a ficar vermelha por trabalhar debaixo daquele sol ardente. Aos dezessete anos iniciou seu curso de enfermagem, quando sua família já estava em um estado financeiro razoavelmente bom, prestou vestibular para biologia, mas resolveu tomar novos rumos a partir do segundo período.
Ficou conhecido no Campus Universitário pela sua variedade de escolhas.
Aproveitando bem o seu QI elevado (chegava ao nível 185 de inteligência) já tinha pensado em seguir a carreira de Direito, Zootecnia, Agronomia, Psicologia, Cirurgia Plásticas, Medicina... Mas percebeu que a sua verdadeira ocupação se incluía nesta última. O problema era que Sidney ainda não tinha coragem suficiente de jogar tudo pelos ares – principalmente por causa dos pais, que queriam força-lhe o que ele não tinha vontade alguma de fazer; ser engenheiro civil.
Porém, após a morte de sua amada, (que seus pais faziam questão de entender como a melhor coisa que aconteceu para ele, entendendo que uma criança e uma esposa estragariam o futuro promissor de Sidney), Cansado de tanta pressão, enfiou uma mochila nas costas, roubou as economias de seus pais os deixando as minguas, e fugiu rumo à cidade de São Paulo. Sabendo que teria mais oportunidades por lá.
Só não esperava que aquela cidade estivesse com os dias contados.
"6ª SUBDIVISÃO POLICIAL, DELEGACIA CENTRO OESTE"
— Eu os vejo por toda parte — Sidney Muniz comentou com Lee preso atrás das grades da delegacia, voltando a pensar no presente. Aqui e agora.
Mauro Alves, que há poucos minutos atrás disse a todos que tinha uma idéia de fuga, não agüentou em pé. Voltou a deitar no catre da cela, tentando se recuperar.
A ala á frente deles, do lado de fora das grades, estava enfurnada de corpos ambulantes cobertos de peles soltas e engroladas. Suas bocarras se moviam tortuosamente enquanto seus olhos injetados desciam e subiam nas órbitas como ioiôs. Os que não possuíam olhos acabavam perdendo o senso de direção, sofrendo com o sangue escorrendo pela cavidade ocular vazia. Era uma quantidade absurda de policiais mortos, desprovidos de membros superiores, gemendo e chiando como se fossem bebês pedindo leite no seio das mães. Mas o que eles queriam mesmo, era carne.
Haviam mulheres também. Uma delas com a bolsa amniótica estourada e o bebê morto no ventre.
— Como iremos sair daqui? — Lee não parava de perguntar a mesma coisa a todo instante, tremendo feito uma asa de mariposa. Mas ninguém lhe dava uma resposta satisfatória. De que maneira eles sairiam dali? Aquilo já era outros quinhentos.
Os três sobreviventes dentro da cela da delegacia (local onde os detentos ficavam antes de serem julgados ao irem para a Penitenciária de segurança máxima Basílio Dias) já beiravam a linha tênue entre a razão e a loucura. O sargento Mauro, mesmo com a barriga costurada, tinha conseguido dormir no catre. Ele era um policial relativamente bonito, seus olhos castanhos e seus cabelos lisos (os poucos que ainda possuía) eram capazes de fazer milagres com as garotas. Mas, daquele jeito rudimentar, Mauro só seria considerado bonito pelas enfermeiras mal amadas de um manicômio.
A verdade era essa: os três estavam encrencados.
A idéia de usar uma das granadas do sargento Alves bem que passou na cabeça deles, porém logo foi descartada. Além de explodir os mortos-vivos, a granada também os explodiria.
O tempo passou. A noite vinha chegando.
Às duas horas seguintes foram gastas em pensamentos exaustivos. Os mortos-vivos não se cansavam um só instante – continuavam debruçados nas barras de aço da cela, farejando carne fresca. Isso fez com que Sidney alertasse Lee para que ela não ficasse muito próxima das fendas nas grades... Ela então recuou alguns passos, até bater com a região lombar na parede dos fundos, bem abaixo da única janela cerrada do cubículo. Dos males, o menor.
Ao lado, com a sua longa barba há muito tempo precisando ser aparada, Mauro continuava adormecido. Sidney, por sua vez, estava absorto em pensamentos recalcitrantes, tentando esmiuçar uma solução de fuga. “Nem mesmo estando mortos esses policiais facilitam a nossa fuga, ha há”, Sid se viu pensando, e riu daquilo. Ele se encontrava completamente a quem daquele estudante inteligente, geralmente vestindo blusas Lacoste, que tinha sido no Campus Universitário. Devido a se integrar seriamente aos estudos, ele, nunca se relacionou seriamente com outra mulher além de Luciana... Depois da morte de sua esposa, ele não soube mais o que era amar. As únicas mulheres que ele teve nos últimos meses (além das que ficavam deitadas passivamente nas gavetas de necrotério) moravam na zona. Quando não podia tê-las, ia ao banheiro e se masturbava incansavelmente.
— Trabalho e masturbação, uma vida de cão — Sibilou para as paredes descascadas da prisão.
— O que você disse? — Lee perguntou com o quadril apoiado na tampa fechada do vaso sanitário.
— Esqueça. Estava pensando alto.
— Use sua inteligência para nos tirar daqui — Ela disse. — Ai moço, eu não agüento mais esse lugar.
Foi aí que o cérebro de Sidney funcionou.
— Mas é claro! — Ele explodiu de vez, dando leves tapas no próprio rosto. Essa sua atitude espantou a todos; fez até Mauro pular no catre feito um felino assustado. — Como é que eu não pensei nisso antes! Burro! Burro!
— O que houve? — O sargento acordou de vez.
— Já sei como sair daqui!
— Sério?
Sidney ignorou Mauro e olhou para Lee.
— Você ainda está com a pistola Glock que eu te dei?
— Sim, claro — Ela o mostrou.
— Esta arma é a nossa única chance.
— Querido, não temos munições o suficiente para matar a todos. E mesmo se tivéssemos, seria melhor usar a submetralhadora.
— A arma não é para atirar neles.
— Então é pra quê?
— Hei — Mauro não conseguiu acompanhar o raciocínio. — Acho que perdi o fio da meada.
Sid virou na direção dele e disse:
— Porra Mauro, eles não gostam de chuva!
— E daí?
— Daí que vamos dar água pra eles!
— Com uma arma?
— Cale-se e verá.
Mauro partiu pra cima de Sidney, ameaçando-o:
— Tá querendo levar um murro, valentão?
— Meninos! Chega de conversa e vamos agir!
— Também acho — Sem lhe dar trela, Sidney avançou alguns passos na direção das grades, ficando perto o suficiente para que umas dezenas de mãos apodrecidas quase lhe puxassem pelo colarinho.
Lee o repreendeu.
— Cuidado Sid.
— Vou ficar bem — Disse ele, tentando olhar para o teto do corredor no lado de fora da cela. Encontrou o que imaginava encontrar... Alegrou-se.
Mauro foi de encontrou a ele. Tinha entendido o plano de Sidney.
— Pode dar certo, cara!
Lee e Mauro acompanhavam cada passo da manobra de Sidney, que apontou a arma, um de seus olhos estava fechado enquanto o outro mirava no alvo, seu indicador então puxou o gatilho e...
— Mas que porra! – Bradou Sidney olhando para Lee.
— Ups! Ta descarregada é? – Ela o disse sem graça.
— Deixa comigo! – Mauro falou apontando sua arma na direção do alvo.
— Mas você está ferido. – Observou Sidney.
— Foda-se — Mauro sabia que ele era o melhor para fazer aquele trabalho.
O plano não era de todo o mau: O que eles deveriam fazer era disparar uma bala contra um dos detectores de incêndio implantados no caimento do teto... Um dos detectores se localizava exatamente sobre as cabeças daquelas aberrações. Se eles conseguissem explodir aquele mecanismo, certamente um jorro d’água automática cairia contra aqueles monstros, assustá-los-ia, e o caminho ficaria livre!
Foi isso que Mauro tentou.
O primeiro tiro passou bem longe, devido ao estado físico do sargento Alves. Ele teria que chegar ainda mais perto das grades que separava a corredor da cela... Teria que apontar a arma na direção certa sem que corresse o risco de ser mordido... Contudo, não houve vacilo da segunda vez. Não mesmo. Antes, porém, ele disparou contra dois zumbis que estavam atravancando o caminho. E depois, deslocando o corpo para obter uma mira perfeita, Mauro enfiou a pistola para fora da cela, entre uma grade e outra, levantou-a ao alto, e apertou o gatilho...
Mira Perfeita! A bala acertou em cheio na base de ferro inoxidável do aparelho!
O sistema explodiu em um esguicho de água fria, fazendo com que os zumbis se encolhessem de pavor e começassem a agir feitos baratas tontas.
— É a nossa chance! — Esbravejou Sidney. — Abra a cela Lee!
— Pra já! — Lee Rodrigues pegou as chaves e abriu a cela.
A princípio, eles tiveram dificuldades de deixar o recinto, pois alguns dos mortos se contorciam caídos ao chão obstruindo a passagem. Os três tiveram que pisar por cima de alguns cadáveres ambulantes antes de saírem dali. Uma das mãos apodrecidas (era o da própria mulher com a bolsa amniótica estourada) acabou se erguendo repentinamente e segurando o tornozelo esquerdo de Mauro. O sargento se livrou dela com um chute de direita. Depois, levou a pistola na cabeça do feto morto que tentava sair da barriga dela, e estourou sua cabeça sem piedade.
— Engula isso — Disse ele, cuspindo na sua carcaça fedorenta.
Os restantes dos mortos começou a se liquefazer devido ao volume de jorro d’água sobre os seus corpos. O que sobrariam deles? Apenas uma massa de carne venosa em forma de nabo.
O alarme contra incêndio começou a apitar.
— Vamos escapar pelo duto de ventilação! — Propôs Mauro. — Pelo andar da carruagem, a Avenida principal deve estar repleta de zumbis.
E foi isso que eles fizeram.
Foram obrigados a andar de gatinha pelo duto de ventilação – Lee sempre atrás, preocupada em não mostrar a traseira cuja camisola aberta nas costas lhe deixava quase nua. O condutor ligava até a saída dos fundos que dava na garagem da delegacia. Lá, a coisa estaria mais calma.
Quando ficaram livres do duto de ventilação e deram as caras na garagem do edifício, Sidney Muniz deu um abraço caloroso em Lee.
— Conseguimos gata!
No entanto, o mineiro de Juatuba teve uma surpresa bastante desagradável com aquela atitude.
A moça desmemoriada mudou de personalidade de uma hora para outra... Enfiou suas mãos incrivelmente fortes contra a garganta de Sidney (tão fortes como um tubo de aço) e comprimiu sua traquéia, Sidney tentou se desvencilhar das mãos estranhamente fortes de Lee, mas sentiu-se cada vez mais fraco e o ar se esvaiu e ele escorregou das mãos dela em direção ao chão.
Vendo Sidney cair desfalecido no piso da garagem, o sargento Alves, imediatamente, apontou a arma contra o rosto de quem quer que fosse aquela mulher, dizendo exatamente as mesmas palavras que dissera para a morta-viva com a bolsa amniótica estourada:
— Engula isso — Ele disse, e apertou o gatilho.
Continua...
Os textos deste capítulo foram escritos por:
Fernando Calixto, Faby Cristall, João Murillo e meu brother Mauro Alves.
Para mim essa galera arrebenta! Uma salva de palmas aqui do Sidoca para vocês!