"O velho e a morte"
Baseado no conto “O Velho e a Morte” de Valdir Fernandes.
Ele dormia em meio ao caos que o cercava. Sua barba e cabelos estavam enormes, suas roupas rasgadas, seus dentes podres, unhas que mais pareciam garras, ele estava magro, mas muito bem para um homem de quase quinhentos anos. O dia derradeiro o espreitava, a última vida havia sido ceifada, mas ele ainda não sabia. Séculos e séculos após o pacto e lá estava ela chegando, seus olhos vazios, sua pele pálida e esquelética, um caminhar despretensioso, mas ao mesmo tempo imponente. Em uma de suas mãos, uma enorme foice.
A morte chegou e aconchegou-se próxima ao velho, olhando para aquele que seria seu assassino. Por anos ele havia vivido e experimentado do bom e do melhor; mulheres lindas, dinheiro, casas, carros, iates, helicópteros, tudo que ele queria ela o concebia. Agora era hora de cobrar-lhe sua divida. Ela então virou - se na direção dele e soprou na sua direção. Um vento frio e mórbido encontrou o rosto enrugado do velho que abriu seus olhos repentinamente.
- Você? – Ele surpreendeu-se ao vê-la.
- Você é o ultimo ser na face da terra Sérgio... – A voz dela era como um sussurro que encontrava a alma do velho á sua frente transpassando as fronteiras da realidade e
provocando-lhe estranhas sensações.
- Então é hoje? – Ele perguntou receoso.
- Sim, Sérgio. A morte respondeu levantando-se. Ambos estavam de pé vislumbrando a plena destruição que havia tomado a terra.
- Eu acho que não posso fazer isso! Não quero ficar aqui sozinho. – Sérgio disse.
- Não da para fugir disso. Só posso morrer pelas mãos de outra pessoa. – Ela disse entregando-lhe baixando a cabeça. Ele a olhou e novamente choramingou.
- Não quero te matar, não posso fazer algo assim. – Ela então o disse com uma voz grossa e rouca, como se fosse a trombeta anunciando sua sentença.
- Faça isso ou prometo que te mato e faço com que você vague por toda eternidade no inferno. – Ouvindo isso ele pegou a faca que há muito tempo ela havia o dado e cravou na barriga dela, que sorriu sadicamente, e por fim soltou um gritou abafado de dor. Ela contorceu-se, agonizou e seu corpo incendiou-se até que restaram apenas cinzas. No fim restou apenas ele, que olhou melancolicamente ao seu redor. Vendo que não havia mais nada, mais ninguém, ele sentiu uma angustia terrível.
- Não vou ficar aqui sozinho nesse mundo! – Ele pegou a mesma faca, ajoelhou-se no chão e enfiou-a em seu próprio umbigo. Sentiu a dor, viu seu sangue escorrer pela lâmina ao retirá-la, o mundo ao seu redor pareceu girar e uma estranha sensação o tomou, toda sua vida passou por seus olhos, de repente olhou para sua barriga e viu o que mais o assustou.
- Meu Deus! – Ele gritou horrorizado vendo que sua carne havia se reconstituído e que a dor havia cessado. Subitamente lembrou-se das palavras da morte. “Só posso morrer pelas mãos de outra pessoa”- Ela havia dito.
Logo tudo se tornou óbvio e ele descobriu que a morte já não existia mais. Em desespero ele enfiou a faca repetidas vezes por todas as partes imagináveis de seu corpo afim de achar um único ponto que desse fim a sua vida, mas as inúmeras tentativas foram em vão.
A morte sorriu, enquanto ele viveria na eterna solidão privado de todas as coisas boas que a morte nos oferece. E cheio de vida, uma vida sem significado.
“Fim”