A cruz e o canino - Capítulo 14: Identidade

Santa Fé – 1981

-Pedro, o que você acha? - perguntou Antônio, ao terminar o café da manhã.

-Não faço ideia. E você?

-Apenas acho que isso é obra de alguém de dentro, e que não há só esse esconderijo, há mais coisa por trás.

-E quem você acha que pode ser?

-Qualquer um da escola.

-Acho difícil que um aluno possa ser o responsável. Deve ser alguém com mais autoridade que isso.

-Isso não exclui a possibilidade de que qualquer outro esteja envolvido, mesmo que não seja o cabeça.

-Então voltamos à estaca zero.

-Temos que começar de algum lugar.

-Mas seria bom se tivéssemos algo mais concreto.

-Então temos que começar a investigar logo. Vamos ligar para o reitor.

-Não vamos envolvê-lo nisso. - cortou Pedro.

-Não podemos contar com a polícia, eles vão, no máximo, dizer que há um psicopata aqui dentro, não acreditarão nos vampiros.

-Mesmo assim não devemos envolver o reitor. Não confio muito nele. E ele é um suspeito, inclusive.

-E o menino?

-Vamos sem ele.

-Apoiado. - disse Antônio, sem esconder a felicidade.

-Você não gosta mesmo dele, não é?

-Não é que eu não goste, só não vou com a cara dele.

-Então... vamos agora?

-Espere, vou ali pegar minha estaca.

Os dois padres se dirigiram para o prédio do seminário e entraram no quarto, agora vazio, a não ser pela mancha de sangue na parede e as macas. A cruz não estava mais na parede. Pedro olhou para Antônio e perguntou-lhe:

-Você sabe que cruz era aquela?

-Acho que ela tem alguma coisa a ver com uma antiga seita demoníaca, chamada draculismo.

-E você acha que...

-Sim. Essa seita acreditava que vampiros eram mais evoluídos, pois eram mais resistentes. Eu pensei que não houvesse mais seguidor algum, pois eles tinham virado vampiros. - disse Antônio, quase rindo.

-Agora viram que vampiros não são bons. Que Deus os tenha.

-Amém.

-Enfim, não sobrou mais nada aqui, nem aquele altar lá em cima. Vamos embora.

-Vamos vigiar, algo ainda vai acontecer. Agora vou dar aula.

-O seminário mudou de prédio, certo?

-Sim. Estamos usando umas salas do Instituto bíblico e da biblioteca da catedral. Quer assistir à minha aula?

-Adoraria, mas fica para outro dia, vou assitir a uma missa do bispo hoje. Você me leva à catedral antes de ir dar aula?

-Claro.

Antônio deu suas aulas, e tudo correu bem durante o resto do dia. Foi mais um dia ordinário, salvo quando Eustácio foi falar com ele.

-Professor, como vão as coisas?

-Que coisas? - perguntou Antônio, fingindo inocência.

-Daquele dia, dos vampiros.

-Psiu! Fale baixo, isso não é assunto público.

-Vai. Me conta. Eu ajudei vocês.

-Não ajudará mais.

-Me conta!

-Não descobrimos nada.

-Imaginava, mas eu descobri. - disse o menino, entregando uma carteira de indentidade a Antônio. - É o zelador. Achei lá naquele quarto, quando eu voltei depois daquele dia.

-Você não deveria ter voltado. - reclamou Antônio, tomando a carteira das mãos do rapaz.

-Mas eu achei, não achei?

-E o que mais você achou?

-Nada.

-O que mais você pegou?

-Mais nada.

-Olhe aqui, isso não é brincadeira. Pessoas estão morrendo por causa disso.

-Eu não peguei nada. Já disse!

-Guarde sua espada de brinquedo e vá estudar, deixe que a gente se vira.

-Eu salvei vocês naquele dia.

-Não era um vampirinho que me mataria, já enfrentei coisa muito pior. Volte para sua casa, vá estudar, jogar bola, ou o que seja. Deixe isso para a gente. Ciau. - deu as costas e saiu.

-Padre! - gritou o menino.

-O que foi? - perguntou Antônio, sem se virar.

-A bênção.

Antônio se virou e pôs a mão sobre a cabeça do rapaz.

-Deus te abençoe.

-Amém.

Antônio chegou em casa e jogou a carteira para Pedro, que leu-a e disse:

-Onde vocẽ conseguiu isso?

-O menino me deu.

-E como ELE consegui?

-Pegou no quartinho secreto.

-Ele voltou lá?

-Ao que parece.

-Muito suspeito. Ele não pegou mais nada?

Antônio sentou-se antes de prosseguir com a conversa.

-Eu o pressionei hoje, na escola. Ele negou, mas eu não acredito nele. Você sabe disso.

-Sei. E isso realmente foi estranho.

-Isso e o fato de quel ele estava no lugar certo na hora certa naquele dia no prédio do seminário.

-Aquilo pode ter sido apenas coincidência.

-Ainda não vou com a cara daquele menino.

-Não quero julgá-lo.

-Isso não quer dizer que eu tenho que gostar dele.

-E quanto à carteira, - disse Pedro, para mudar de assunto. - quem é esse?

-É o zelador, foi um dos que vocês levaram para o hospital.

-Então essa identidade não nos serve de evidência.

-Certamente. Mas não custa nada encaminhar para a polícia.

-Pode ser. Aproveite que você tem carro e leve-a. Eu vou dormir. Boa noite. - disse Pedro, que saiu rindo consigo.

Antônio fez um muxoxo, mas levantou-se e foi para o carro.

Jacobina
Enviado por Jacobina em 09/10/2011
Código do texto: T3265850
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