A intensidade de não ser

Por Ramon Bacelar

Ele chega, larga a pasta e chama os filhos. Consulta o relógio sem se lembrar do horário de verão; caminha para sala assoviando e em frente ao espelho, estoura os miolos com duas balas dum dum e um sorriso ridículo. Cai, estremece, convulsiona, mas antes do suspiro final, às suas costas, gritos histéricos e lágrimas intensas inundam seus agonizantes e débeis sentidos: transmutam angústia, desespero e estupidez em arrependimento tardio. Sua esposa grita... e não ouve; chora, mas não sente, finge, mas enxerga: em seus pés, profusões de jorro vermelho carmim avermelham sua visão e mancham o tapete branco recém comprado em 36x com os juros do cartão de crédito: ela tenta, ouve, ofega, persiste, suspira, transpira e por fim, agindo como nunca agiu, sentindo como nunca sentiu, sorri para o rígido sorriso do seu marido com um berro de lágrimas e alívio: “Grandíssimo filho da puta!!!”

FIM

Ramon Bacelar
Enviado por Ramon Bacelar em 08/10/2011
Código do texto: T3264430
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.